quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

IGREJA CATÓLICA - Algumas pessoas questionam a velocidade da beatificação de João Paulo II.

Católicos proeminentes, reagindo ao anúncio de 14 de janeiro de que o papa João Paulo II será beatificado, expressaram a existência de uma tensão no desejo de reconhecer a santidade do falecido papa ao mesmo tempo em que ainda estão sendo investigadas suas ações durante seu pontificado.

A reportagem é de Joshua J. McElwee e publicada pelo National Catholic Reporter, 02-02-2011. A tradução é de Luiz Marcos Sander.

A notícia a respeito da beatificação veio após a declaração oficial de um milagre atribuído a João Paulo II – a cura da religiosa francesa Marie Simon-Pierre, de 49 anos, de uma forma agressiva do mal de Parkinson.

A beatificação de João Paulo II terá lugar numa cerimônia no Vaticano em 1º de maio.

As entrevistas e trocas de e-mails do National Catholic Reporter (NCR) com mais de duas dezenas de católicos proeminentes encontrou uma mescla de opiniões, sendo que muitas pessoas relutam em falar publicamente sobre o progresso do falecido papa rumo à canonização.

O milagre parece mostrar que “Deus está por trás” da beatificação do falecido pontífice, disse o padre jesuíta James Martin, autor do livro Minha vida com os santos. “Não se pode contestar isso.”

Entretanto, Martin também expressou outro ponto de vista também refletido por algumas pessoas que falaram com o NCR. Referindo-se à decisão do papa Bento XVI, tomada em 2005, de pôr de lado o período normal de espera de cinco anos para a causa da canonização de João Paulo II, o editor da revista America disse que, embora Bento XVI esteja “respondendo à vontade do povo” acelerando o processo no caso do falecido pontífice, também é “sábio esperar” para buscar a santificação.

A tensão dessa dinâmica permeou quase todas as entrevistas feitas pelo NCR.

Como a aprovação do milagre veio junto com a divulgação de mais detalhes da forma como João Paulo II lidou com o Pe. Marcial Maciel Degollado, o fundador da Legião de Cristo que caiu em desgraça, o Pe. Richard Veja, presidente da Federação Nacional dos Conselhos de Sacerdotes, disse que a espera normal de cinco anos teria permitido que se tivesse mais tempo para examinar a relação de João Paulo II com Maciel.

Veja disse que, ao mesmo tempo em que há muitas coisas em relação ao testemunho do falecido papa “que nos convidam a examinar sua vida mais de perto”, revelações recentes fazem com que ele faça mais perguntas, como, por exemplo, se a relação de João Paulo II com Maciel obscureceu ou não a visão do papa.

“O tempo nos permite ajustar as coisas e vê-las de um modo diferente”, disse Veja. “Nós realmente não percebemos a sabedoria, que aprendemos ao longo das eras, de que o tempo nos dá uma perspectiva melhor, lentes mais claras, e permite que as emoções cessem e olhemos isso a partir de uma perspectiva melhor.”

Outras pessoas expressaram sua oposição ao anúncio de maneira um pouco mais direta.

A irmã beneditina Joan Chittister disse que a atitude de João Paulo II “para com os abusos sexuais de crianças por parte de clérigos corporificou a pior espécie de clericalismo”.

Disse Chittister: “O mínimo que a igreja poderia fazer por respeito às pessoas que já sofreram insultos nas mãos da igreja é deixar que a perspectiva do tempo decida se a canonização é apropriada ou não.”

Anthony Padovano, professor do Ramapo College em Mahwah, Nova Jérsei, disse que o uso do poder por parte do falecido pontífice durante seu papado deu um mau exemplo “do tipo de vida que se espera que as pessoas na igreja imitem”.

“O testemunho de João Paulo II foi extremamente decepcionante”, disse Padovano. “Esse testemunho não deveria ser apresentado como um modelo daquilo que se espera que um cristão faça.”

Entre alguns dos pontos positivos mencionados nas entrevistas esteve a importância da aproximação de João Paulo II em relação à igreja global, particularmente suas viagens a países em desenvolvimento.

O padre beneditino Anscar Chupungco, secretário da Comissão Episcopal de Liturgia dos bispos filipinos, destacou o enfoque dado pelo falecido papa à integração de costumes e tradições culturais locais na liturgia.

“Eu ouso chamá-lo de ‘pai da inculturação litúrgica’”, disse Chupungco. “Gostaria de considerar sua beatificação como uma reafirmação de seu ministério litúrgico para com as igrejas locais fora do hemisfério ocidental.”

O cardeal sul-africano Wilfrid Napier disse que João Paulo II fez questão de apoiar a criação do Sínodo Africano assegurando que medidas importantes na formação do Sínodo fossem anunciadas enquanto o papa estava visitando o continente em 1995.

“Na verdade, acho que ele tinha um fraco pela África”, disse Napier, que foi elevado ao Colégio de Cardeais pelo falecido papa em 2001.

Napier se lembra de ter almoçado com João Paulo II em seus aposentos privados em Roma, junto com outros líderes importantes, bem como de ter tomado café da manhã com ele durante o Sínodo Africano.
“Era muito familiar. Com ele, você se sentia como se fizesse parte da família”, disse Napier. “Ele não lhe oferecia conselhos. Na maior parte do tempo, ele deixava você falar e fazia perguntas sobre a diocese, a igreja local e esse tipo de coisa.”

Mesmo entre as pessoas que manifestaram uma opinião crítica sobre a beatificação em entrevistas com o NCR, poucas contestaram a piedade pessoal de João Paulo II. Elas se opunham, isto sim, à imagem e às ênfases de seu papado, bem como à prioridade de sua santificação.

O Pe. Charles Curran, professor de teologia na Southern Methodist University em Dallas, disse que, embora ele não tivesse objeções ao anúncio da beatificação, a igreja “estaria numa situação muito melhor se nós parássemos de canonizar papas, bispos, clérigos e religiosos”.

Theresa Kane, irmã da Divina Misericórdia, disse que outras causas para canonização deveriam ter mais prioridade – particularmente a do arcebispo salvadorenho Oscar Romero – e chamou a beatificação do falecido papa de “um tanto prematura”.

Kenneth Woodward, autor do livro A fábrica de santos, sobre como a Igreja Católica determina quem se torna santo, quem não se torna e por que, disse que o falecido papa tinha uma “vida de oração profunda”.
Entretanto, Woodward, que escreve matérias para a revista Newsweek, também disse francamente que João Paulo II “arruinou a hierarquia católica” fazendo da concordância nas questões da ordenação de mulheres e dos sacerdotes casados uma virtual exigência para a elevação ao episcopado.

Padovano, que também tem um doutorado em teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, disse que a vida de oração de uma pessoa não deveria determinar se ela deve ser considerada santa ou não.

Disse ele: “A piedade pessoal é menos importante do que o tipo de percepção pública do indivíduo que a igreja tem. Afinal, um santo é uma pessoa pública. E a canonização é uma ação pública que não está lidando apenas com a piedade pessoal, mas examinando o tipo de comportamento que ela entende que deveria ser imitado.”


Fonte:IHU

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