sexta-feira, 12 de agosto de 2011

CRISE LONDRINA - "Não nos escutam, só nos reprimem".

Bobby, nome fictício, esboça um sorriso quando fala da tentação. "É difícil passar em frente a uma loja que está sendo roubada e não levar um computador que você sabe que não poderá comprar...". Bobby tem 24 anos. É negro, abandonou os estudos universitários – embora fale de economia e de política com fundamento – e reside no bairro londrino de Tottenham.

A reportagem é de Juan Miguel Muñoz, publicada no jornal El País, 11-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ele admite que estava presentes nos tumultos que sacudiram, no fim de semana passado, este bairro em que qualquer jovem falava de um número "10", que não é da Downing Street. Assim chamavam o centro juvenil ao que acorriam, que fechou em junho devido ao drástico corte de orçamento. Ele era dirigido por um homem nascido na Guiana, há mais de 50 anos, ao qual todos conhecem como Uncle (tio) Berkeley. "Esse saque não é fruto de um conflito racial. Em Enfield [outro bairro da capital britânica], a grande maioria dos saqueadores são brancos", explica.

Não é coisa só de africano ou de caribenhos de origem, a comunidade negra que não esconde sua fúria em Tottenham. Sim, é assunto de gente jovem, embora algumas pessoas mais velhas também tenham sido filmadas pelas câmeras nos saques. "A grande maioria são homens jovens, desempregados, estudantes adolescentes problemáticos que pensam que os estudos não lhes terão serventia. Além disso, eles agora estão de férias e não têm para onde ir à noite", indica Berkeley. "Mas o que mais irrita", continua, "são as blitzes aleatórias que quase sempre afetam os negros. Porque, agora, além disso, vêm agentes de outros distritos ou cidades que não conhecem ninguém. Nem mesmo a mim, que trabalho com a polícia".

A crise econômica está causando estragos, e os subsídios para os estudantes e para o transporte foram reduzidos ou eliminados. Mas Berkeley, que se apressa para condenar o vandalismo vivido pelo Reino Unido há cinco dias, aponta outra queixa muito generalizada. "As autoridades não nos escutam, nem querem saber por que acontece o que está acontecendo. Só dizem que o vandalismo não se justifica e que os jovens envolvidos na violência serão reprimidos".

A comunidade negra se sente estigmatizada. Quando o jornalista estrangeiro interrompe sua conversa com um comerciante indiano por causa da presença de um cliente negro, este espeta o forasteiro: "Não pare de falar porque eu sou negro".

A ira é palpável. Junto à faixa que sela a High Road, um homem de seus 40 anos fala furioso, aos berros, sem dar seu nome, mas arremetendo contra a discriminação policial, a três metros de vários uniformizados que vigiam essa rua de Tottenham, muito próxima da delegacia onde um grupo de mulheres exigiu, na quinta-feira, sem sucesso, explicações sobre a morte de Mark Duggan, a faísca que desatou a orgia de violência em Londres.

"Aqui todo mundo se droga. Mas só prendem a nós. Os ricos também o fazem, mas não são detidos. Veja Amy Winehouse. Não vou recriminar os rapazes porque atacam a polícia e por causa da sua brutalidade, se até os juízes nos discriminam porque reconhecem o slang [gíria] que falamos". O homem recebe um telefonema e corta sua litania de agravos.

O aluguel de um pequeno apartamento custa ao redor de 1.000 euros por mês nesse bairro, que faz parte do município de Haringey, o lugar da Europa onde mais línguas são faladas – cerca de 300 – e que sofre o maior desemprego de Londres e um dos mais elevados do Reino Unido.

Há crianças envolvidas nos tumultos: pelo menos um dos detidos tem 11 anos. A proteção familiar desaparece. Thomas Johnson, prestes a terminar os estudos de jornalismo aos seus 24 anos, não se surpreende que as crianças se entregam às pilhagens. "Não seria estranho que uma mãe e seu filho fossem roubar juntos. Algumas garotas são mães aos 14 anos, muito jovens. O Estado lhes ajuda e não precisam de pai, mas não são atendidas devidamente".

Tottenham não prospera. "Em apenas uma milha da High Road, foram substituídas 10 lojas de comida por 10 casas de apostas. Muitos acreditam que não há outra saída", comenta Donovan, estudante de música de 19 anos, metade jamaicano e metade inglês. E aqueles que conseguem recursos vão embora para bairros mais ricos no mesmo município em Haringey.

"Há 30 anos, estourou um conflito que foi racial. Agora é diferente. As pessoas têm mais informação e sabem que a grande corrupção é a de Rupert Murdoch [o magnata da mídia] ou do sistema financeiro. E também sabe que os bancos foram salvos com dinheiro público. Isso é simplesmente roubar dos pobres para dar aos ricos", conclui Bobby.

Ainda por cima, já com pouco pão, também podem ficar sem circo nesse subúrbio. O clube de futebol Tottenham Hotspur, que foi impedido de construir um centro comercial nas imediações do seu estádio White Hart Lane, se instalará em outro bairro de Londres. A Premier League também decidirá hoje se o jogo do Tottenham contra o Everton, previsto para este fim de semana, poderá ser realizado finalmente.

Fonte: IHU

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