Por Zé Dirceu
Recomendo a todos
a ótima entrevista
que os Diários Associados publicaram nesse fim de semana com o
ex-presidente Lula. Ele trata de diversos temas, incluindo a campanha
eleitoral, os rumos do governo e a economia. E também avalia que a AP
470, chamada de julgamento do mensalão, não terá influência nas
eleições.
“E eu acho que a história vai mostrar de que mais do que um
julgamento, o que nós tivemos foi um linchamento, por uma parte da
imprensa brasileira, no julgamento. Eu tenho me recusado a falar disso
porque sou ex-presidente, indiquei os ministros. Vou falar quando o
julgamento terminar.”
Ele acrescenta: “Uma coisa eu não posso deixar de criticar. Se pegar o
último julgamento agora (dos embargos infringentes), o que a imprensa
fez com o Celso de Mello foi uma coisa desrespeitosa à instituição da
Suprema Corte, que é o último voto. Ou seja, depois dela, ninguém mais
pode falar. Eu fiquei irritado certa vez, quando eu era presidente, o
(Sepúlveda) Pertence tomou uma decisão e alguém escreveu que José Dirceu
tinha ganhado no tapetão, sem nenhum respeito a uma figura como o
Pertence. Veja a arrogância e a petulância de algumas pessoas.”
“O povo sabe separar as coisas. Agora, o que não se pode é negar o
direito das pessoas de exigirem provas. Eu sinceramente tenho muita
vontade de falar, mas eu preciso me calar. Alguns companheiros estão
condenados. Se amanhã a Justiça falar que absolveu, estarão condenados
do mesmo jeito. Ninguém se dá conta do que aconteceu com a família das
pessoas, com os filhos das pessoas. Esta substituição da informação pela
versão que interessa não pode ser adequada à construção de um país
democrático.”
Eleição
Lula acrescentou que não existe uma divisão entre ele e a presidenta
Dilma Rousseff. “Se houver alguém que se diz lulista e não dilmista, eu o
dispenso de ser lulista. A Dilma é a presidente e representa o PT. Eu
não estou pedindo que as pessoas gostem dela. Eu quero que as pessoas a
respeitem na função institucional e saibam que o PT está lá para
apoiá-la”, afirma.
Lula ainda comentou a possível candidatura de Eduardo Campos em 2014.
“Eu não dou de barato que o Eduardo é candidato. Ele tem potencial? Ele
tem estrutura, sabedoria política? Tem. Ele pode ser candidato, como o
Aécio, a Marina. Eu só acho que foi um prejuízo para a gente ter o PSB, e
sobretudo o Eduardo, do outro lado. Isso aconteceu apenas quando o
Garotinho foi candidato contra mim, em 2002. Se ele vai ser candidato,
nós temos de ter uma regra de comportamento. Se a eleição não terminar
no primeiro turno, poderemos ter aliança no segundo turno. Mas eu não
dou de barato que as coisas estão definidas na eleição.”
Lula avalia que o PSDB vai ter mais dificuldades com Aécio Neves do
que com Serra. “Não é fácil criar um candidato novo num país do tamanho
do Brasil. Então, eu não sei como o PSDB vai conseguir se livrar do
Serra ou se o Serra vai conseguir provar que tem mais qualidades para
ser candidato. Mas o PT não pode escolher adversário. Tem que enfrentar
quem aparecer, e acho que pode ganhar dos dois.”
Lula ressalta que a participação dele na campanha será diferente da
de 2010, já que Dilma passou a ser muito conhecida agora: “O que eu vou
fazer na campanha depende dela. Eu não quero estar na coordenação, eu
quero ser a metamorfose ambulante da Dilma. Estou disposto. Se ela não
puder ir para o comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se
ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu
vou para o Sudeste. Isso quem vai determinar é ela”.
Partidos e reforma
Sobre a criação de novos partidos, Lula diz que é preciso “evitar as
legendas de aluguel”. E também falou sobre a criação da Rede: “Não serei
contra, depois de tudo que fiz pela criação do PT. Eu não sei se a
Marina vai cumprir as exigências legais. Ela é uma personalidade
política do país, tem todo direito de criar um partido. Agora, tem de
ter coragem de dizer que é partido, não tem que inventar outro nome,
dizer que não é partido, é uma rede. É partido e vai ter deputado, como
todo partido”.
O ex-presidente também chamou atenção para a importância da reforma
política: “Mas acho que ela só virá quando tivermos Constituinte própria
para fazê-la. O Congresso não vai aprovar. Pode fazer uma mudança aqui,
outra ali, mas não uma reforma profunda”.
Manifestações
Para Lula, as manifestações “fizeram muito bem ao Brasil”, com
exceção dos mascarados. “Todas as reivindicações que apresentaram, um
dia nós também pedimos.”
“As manifestações nos ensinaram que o desejo do povo de mudar as
coisas é infinito. Quem consegue comprar carne de segunda passa a querer
carne de primeira. Tínhamos 48 milhões de pessoas que andavam de avião
em 2007. Em 2012, eram 103 milhões. Hoje, tem gente que entra no avião e
não sabe nem guardar a mala. Alguns acham isso ruim. Eu acho ótimo.”
Ele também rebateu as críticas de que o Brasil não poderia sediar
grandes eventos: “Veja o caso da Copa do Mundo. Todo país quer sediar
uma Copa do Mundo. O Brasil não pode. Ah, porque temos problemas de
saúde e moradia! Todos os países têm problemas, e por que não pode ter
Copa do Mundo e Olimpíada? E o quanto uma nação ganha com isso, do ponto
de vista cultural, do ponto de vista do desenvolvimento? Qual é a
denúncia contra as obras?”.
Mais Médicos
O ex-presidente ainda classificou o Mais Médicos de “coisa
fantástica” e disse que os médicos brasileiros que protestaram sabem que
cometeram um erro gravíssimo. “O (Alexandre) Padilha tem dito,
corretamente: ‘Não queremos tirar o emprego de médico brasileiro.
Queremos trazer médicos para atender nos locais onde faltam médicos
brasileiros’. Em vez de protestar, eles deveriam ter feito um comitê de
recepção aos colegas estrangeiros. E Deus queira que um dia o Brasil
forme tantos médicos que possa mandar médicos para um país africano”.
Lula conta como foi 'desencarnar' da Presidência e diz que percorrerá o Brasil por Dilma
O ex-presidente deu uma entrevista exclusiva para os Diários Associados
Tereza Cruvinel
Leonardo Cavalcanti -
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"(Sair da Presidência) foi como se me
desligassem de uma tomada. O general disse: 'Olha, daqui a três dias os
celulares serão desligados e os carros, recolhidos'. Mas levaram apenas
três minutos para me desconectarem" |
O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levanta-se em São Bernardo do
Campo às 6h, faz duas horas de exercícios físicos, toma café e chega ao
instituto que leva seu nome por volta das 9h, raramente saindo antes das
20h. Recebe políticos, empresários, sindicalistas, intelectuais,
agentes sociais e personalidades em busca de seu apoio a uma causa ou
projeto. Quase três anos após deixar a Presidência e depois da vitória
contra o câncer, Lula declara que está completamente “desencarnado” do
cargo e com a saúde restaurada, o que a voz, agora limpa das sequelas do
tratamento, confirma.
Por telefone, ele é alcançado também por
interlocutores de diferentes países, com convites para viagens e
palestras no Brasil e no exterior. No ano que vem, o ritmo vai cair,
pois ele vai ajudar, “como puder”, na campanha da sucessora, Dilma, pela
reeleição. “Se ela não puder ir para o comício num determinado dia, eu
vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela
for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste”, disse o ex-presidente.
Nas
instalações simples da casa no Ipiranga, o que denuncia o inquilino são
as fotografias nas paredes, de momentos especiais da Presidência,
selecionadas pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que continua a seu lado,
assim como os assessores Clara Ant, Luiz Dulci e Paulo Okamoto. Na sala
de trabalho, em vez das cigarrilhas, chicletes sabor canela. Foi lá que,
na quinta-feira, Lula recebeu os Diários Associados para a sua primeira
grande entrevista depois de deixar o governo. Em duas horas ele falou
de tudo: da vida no poder e fora dele, da disputa eleitoral do ano que
vem, passando por espionagem, Mais Médicos, mensalão e novos partidos.
Lula
também falou, pela primeira vez, sobre a Operação Porto Seguro, a
investigação da Polícia Federal que revelou um esquema de favorecimentos
em altos cargos do governo federal e provocou a demissão de Rosemary
Noronha, a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São
Paulo. E disse ter saudades de Brasília: “O nascer e o pôr do sol no
Alvorada são inesquecíveis”.
Deixar de ser presidente trouxe alívio ou pesar?Não
é fácil falar sobre isso. Eu achava que seria simples deixar a
Presidência. O (João) Figueiredo, que saiu pela porta dos fundos, até
pediu para ser esquecido. Quando a pessoa não sai bem, quer esquecer
mesmo. Mas eu saí no momento mais auspicioso da vida de um governante.
Eu brincava com o Franklin (Martins): se eu ficar mais alguns meses, vou
ultrapassar os 100% de aprovação. Foi como se me desligassem de uma
tomada. Num dia você é rei, no outro dia não é nada. Depois de entregar o
cargo, cheguei a São Bernardo e havia um comício, organizado por amigos
e pessoas do sindicato. O Sarney me acompanhou. Antes, visitei o Zé
Alencar, choramos juntos. Eu fiquei danado da vida porque achava que ele
devia ter ido à posse e subido a rampa de maca, mas os médicos não
deixaram. Participei do comício e quando deram 11h da noite eu subi para
o apartamento. Ao me despedir dos que trabalharam comigo na segurança e
voltariam a Brasília, o general me disse: “Olha, presidente, daqui a
três dias os celulares da Presidência serão desligados e os carros serão
recolhidos”. Mas levaram apenas três minutos para me desconectarem.
Este é o lado hilário da coisa. Mas ser ex-presidente é um aprendizado
sobre como se comportar, evitando interferir no novo governo. Quem sai
precisa limpar a cabeça, assimilar que não é mais presidente. Mas é
difícil sair de um dia a dia alucinante, acordar de manhã e perguntar: e
agora?
Mas como conseguiu resolver o “desligamento”?Entre
março de 2011 e a descoberta do meu câncer, em outubro, eu fiz 36
viagens internacionais, visitei dezenas de países africanos e
latino-americanos. Eu queria ficar fora do Brasil para vencer a tentação
de ficar dando palpites. Decidi voltar para o instituto, que eu já
tinha, e comecei a trabalhar aqui. No dia do meu aniversario fui levar a
Marisa para fazer um exame mas acabaram descobrindo o câncer em mim. E
aí foi um ano de tortura. Nunca pensei que fosse tão difícil fazer
quimioterapia e radioterapia. A doença, a internação, o fato de não
poder falar ajudaram no desligamento. Fui desencarnando e hoje isso está
bem resolvido na minha cabeça. Este ano, no evento dos 10 anos de
governos do PT, quando eu disse que a Dilma era minha candidata, eu
queria tirar de vez da minha cabeça a história de voltar a ser
candidato. Antes que os outros insistissem, antes que o PT viesse com
gracinhas, antes que os adversários da Dilma viessem para o meu lado, eu
resolvi dar um basta e fim de papo.
Mesmo com eventuais “volta, Lula”, com manifestações, crises?Mesmo.
Hoje há pessoas defendendo o fim da reeleição. Eu sempre fui contra a
reeleição, mas hoje posso dizer que ela é um beneficio, uma das poucas
coisas boas que copiamos dos americanos. Em quatro anos, você não
consegue realizar uma única obra estruturante no país. Depois, o eleitor
pode julgar o governante no meio do período. Bush pai não se reelegeu,
Carter não se reelegeu. Mas foi bom para os Estados Unidos o Clinton ter
governado oito anos.
O senhor não ficou tentado a buscar o terceiro mandato, quando o deputado Devanir apresentou aquela emenda?Eu
fui contra. Chamei o partido e disse: ‘Não quero brincar com a
democracia. Se eu conseguir o terceiro, amanhã virá alguém querendo o
quarto, o quinto’. Sou amplamente favorável à alternância no poder, de
pessoas e de segmentos sociais. Comigo, pela primeira vez um operário
chegou à Presidência. Com a Dilma, a primeira mulher. Quer mais mudança
do que isso? Quero que o povo continue mudando. Para errar ou acertar,
não importa.
Deixar o poder traz mais liberdade?Eu
nunca tive liberdade, nem antes nem depois. Fiquei oito anos em
Brasília sem ir a um restaurante, a um aniversário, a um casamento,
porque tinha medo daquele mundo futriqueiro de Brasília. Mesmo hoje,
prefiro passar o fim de semana em casa, de bermudas.
O que considera como mudanças importantes deixadas por seu governo?As
coisas que foram feitas, se em algum momento foram negadas, a verdade
foi mais forte que a versão. A ONU acaba de reconhecer, com dados
irrefutáveis, que o Brasil foi o país que mais combateu e reduziu a
pobreza nos últimos 10 anos. Eu queria provar que, quando o Estado
assume a responsabilidade de cuidar dos pobres, isso tem efeitos. Tenho
muito orgulho de ter sido um presidente que, sem ter diploma
universitário, foi o que mais criou universidades no Brasil, o que mais
fez escolas técnicas, o que colocou mais pobres na universidade... Já
houve presidentes da República que tinham diplomas e mais diplomas,
fizeram muito pouco pela educação. A outra coisa de que muito me orgulho
é de ter sido o primeiro presidente que fez com que o povo se sentisse
na Presidência.
E o que o senhor considera o maior erro de seu governo?Certamente
cometi muitos erros. Os adversários devem se lembrar mais deles do que
eu. Mas fiz as coisas que achava que poderia fazer. Há quem me pergunte
se não me arrependo de ter indicado tais pessoas para a Suprema Corte.
Eu não me arrependo de nada. Se eu tivesse que indicar hoje, com as
informações que eu tinha na época, indicaria novamente.
E com as informações atuais?Eu
teria mais critério. Um presidente recebe listas e mais listas com
nomes, indicados por governadores, deputados, senadores, advogados,
ministros de tribunais. E é preciso ter quem ajude a pesquisar e avaliar
as pessoas indicadas. Eu tinha o Márcio Thomaz Bastos no Ministério da
Justiça, o (Dias) Toffoli na Casa Civil... Uma coisa que lamento é não
ter aprovado a reforma tributária, e tentei duas vezes. Hoje estou
convencido de que não poderá ser feita como pacote, mas fatiada, tema
por tema. Eu mandava um projeto com apoio de todo mundo, mas as forças
ocultas de que falava o Jânio se apresentavam nas comissões do Congresso
e paravam tudo. Eu receava também que segundo mandato fosse repetitivo,
com ministros não querendo trabalhar. Foi aí que tivemos a ideia do
PAC. Mas acho que poucos conseguirão repetir o que fizemos entre 2007 e
2010. Era o time do Barcelona jogando. Tudo fluiu bem. Posso ter errado,
mas não tenho arrependimentos. Tenho frustração de não ter feito mais.
Voltando à indicação dos ministros do STF. Hoje, se o senhor pudesse voltar no tempo...Nem podemos pensar nisso. Eu não sou mais presidente, eles já estão indicados e vão se aposentar lá.
O senhor continua fazendo palestras?Tenho
feito, mas vou reduzir. No ano que vem vou me dedicar um pouco à
campanha. Vocês sabem que um ex-presidente da Republica não tem
aposentadoria. Não tendo aposentadoria de outra origem, terá que ser
mantido pelo partido dele ou terá que se virar. Mas você só é convidado
para fazer palestras se tiver tido êxito no governo. O Fernando Henrique
inovou e passou a fazer palestras. O PT ofereceu-me um salário e eu
agradeci. Eu mesmo ia tratar da minha sobrevivência.
O que acha das críticas de que existiria conflito de interesses quando as empresas têm contratos com o governo?Acho
uma cretinice. Primeiro porque não faço nada além do que eu fazia como
presidente. Eu tinha orgulho de chegar a qualquer país e falar da soja,
do etanol, da carne, da fruta, da engenharia, dos aviões da Embraer...
Eu vendia isso com o maior prazer do mundo. Com orgulho. Eu achava que
isso era papel do presidente da República. Se eu puder vender as
empresas brasileiras na Nigéria, no Catar, na Líbia, no Iraque, na
África, eu vou vender. Estas críticas também refletem o complexo de
vira-lata. É não compreender o sentido disso. Tenho orgulho de saber que
quando cheguei à Presidência não havia uma só fábrica brasileira na
Colômbia e hoje existem 44. Havia duas no Peru e hoje são 66. De termos
ampliado nossa presença na Argentina ou na África. Se não formos nós,
serão os chineses, os ingleses, os franceses. Todas as empresas,
inclusive as de jornais e de televisão, têm lobistas em Brasília. Mas
são chamados de diretores corporativos ou institucionais. Agora, se
alguém faz pelo país, é lobista. Faz parte da pequenez brasileira. Veja o
caso da Copa do Mundo. Todo país quer sediar uma Copa do Mundo. O
Brasil não pode. Ah, porque temos problemas de saúde e moradia! Todos os
países têm problemas, e por isso não pode ter Copa do Mundo e
Olimpíada? E o quanto uma nação ganha com isso, do ponto de vista
cultural, do ponto de vista do desenvolvimento? Qual é a denúncia contra
as obras?
Nos protestos, a crítica era ao custo das obras…Ora,
se em 1950 o Brasil pôde fazer um estádio para a Copa do Mundo, em 2013
não podemos fazer outros? Pergunto: qual é a denuncia? Eu deixei dois
decretos, um sobre a Copa e outro sobre a Olimpíada, que estão no site
da CGU. Perguntem ao Jorge Hage onde tem corrupção na Copa. O TCU
designou um ministro, o Valmir Campelo, encarregado de fiscalizar
especificamente os gastos com a Copa. Perguntem a ele onde há corrupção.
A Copa está marcada e tem que ser feita com a maior grandeza. Se alguém
praticar corrupção, que seja posto na cadeia.
Falando nas manifestações, o que mudou com elas no Brasil?Eu
acho que fizeram muito bem ao Brasil. Com exceção dos mascarados. Todas
as reivindicações que apresentaram, um dia nós também pedimos. Veja o
discurso do (Fernando) Haddad na campanha de São Paulo: “Da porta da
casa para dentro a vida melhorou, mas da porta para fora ainda precisa
melhorar”. Hoje, muito mais gente anda de carro, mas o transporte
público não melhorou. Eu andava de ônibus lotados como latas de sardinha
em 1959, e continua a mesma coisa. O povo nos disse o seguinte: “Já
conquistamos algumas coisas e queremos mais”. As pessoas querem mais,
mais salário, mais transporte, melhorarias na rua, e isso é
extraordinário. Nem dá mais para ficar dividindo tarefa: isso é com o
prefeito, isso com o governador, aquilo com o presidente. Agora é tudo
junto.
E o programa Mais Médicos, é uma boa solução?É
uma coisa fantástica, mas vai fazer com que o povo fique ainda mais
exigente com a saúde. O sujeito vai subir o primeiro degrau. Vai ter um
médico que vai lhe pedir os primeiros exames, e a saúde vai ser problema
outra vez. Discutir saúde sem discutir dinheiro, não acredito. E não
adianta dizer, como fazem os hipócritas, que o problema é só de gestão.
Chamem os 10 melhores gestores do planeta e perguntem como oferecer
tomografia, ressonância, tratamento de câncer sem dinheiro. O hipócrita
diz: “Eu pago caro por um plano de saúde, porque o SUS não me atende”.
Mas, quando ele vai fazer a declaração de renda, desconta tudo do
imposto a pagar. Então quem paga a alta complexidade para ele é o povo
brasileiro. E aí vem a Fiesp fazer campanha para acabar com a CPMF. Não
foi para reduzir custos, mas para tirar do governo o instrumento de
combate à sonegação.
O Mais Médicos é uma marca de governo para Dilma?Os
médicos brasileiros que protestaram sabem que cometeram um erro
gravíssimo. O (Alexandre) Padilha tem dito, corretamente: “Não queremos
tirar o emprego de médico brasileiro. Queremos trazer médicos para
atender nos locais onde faltam médicos brasileiros”. Em vez de
protestar, eles deveriam ter feito um comitê de recepção aos colegas
estrangeiros. E Deus queira que um dia o Brasil forme tantos médicos que
possa mandar médicos para um país africano. É admirável que um país
pequeno como Cuba, que sofre um embargo comercial há 60 anos, tenha
médicos para nos ceder.
Na semana passada, foram criados
dois partidos políticos, houve um grande troca-troca de deputados, para
lá e para cá. Como o senhor vê isso?O fato de você
legalizar um partido é o menos importante. Levar 10, 15 deputados,
também. Eu quero saber é se na próxima eleição estes partidos passarão
pelo teste das urnas.
Marina Silva talvez não consiga registrar o partido dela…Quando
nós fomos construir o PT, as exigências legais eram até maiores. Na
primeira eleição, eu achava que seria eleito governador de São Paulo. Eu
era uma figura estranha, um metalúrgico, levava muita gente aos
comícios. Fiquei em quarto lugar. O Estadão fez uma pesquisa, dizendo
que eu tinha 10%. Eu logo xinguei a imprensa burguesa (risos). E eu tive
exatamente 10% (risos). Então, essas pessoas que estão criando partidos
vão ter de trabalhar muito. E precisamos evitar as legendas de aluguel.
Não serei contra, depois de tudo que fiz pela criação do PT. Eu não sei
se a Marina vai cumprir as exigências legais. Ela é uma personalidade
política do país, tem todo o direito de criar um partido. Agora, tem de
ter coragem de dizer que é partido, não tem que inventar outro nome,
dizer que não é partido, é uma rede. É partido e vai ter deputado, como
todo partido. Mas o que vai contar nas eleições de 2014 são os partidos
existentes: o PT, o PMDB, o PSB, o PSDB e outros mais.
Agora, sem a candidatura de Marina, a disputa presidencial se alteraria, não?Ela
ainda tem tempo. Ela tem de assistir ao dia final do julgamento com a
ficha de outro partido do lado. Eu acho que a Marina tem o direito de
ser candidata. Marina é um quadro político importante para o país. Caso
ela não consiga o partido e não seja candidata, será importante saber
para onde vão os votos dela. Ninguém pode perder o pé da realidade do
país, achar-se melhor que o Congresso, que lá só tem corrupto, como vejo
alguns dizerem.
O senhor mesmo já falou, quando disse que no Congresso havia 300 picaretas...O
Congresso é a cara da sociedade brasileira. Ulysses Guimarães dizia:
“Toda vez que a sociedade começa a falar em muita mudança no Congresso, o
Congresso piora”.
Quase 300, na realidade 280 deputados,
foram responsáveis de alguma forma pela absolvição do deputado Natan
Donadon em plenário...Veja que eu não errei. O que
acontece no Congresso acontece num clube de futebol, acontece no
condomínio em que a gente mora, na sauna... Você tem gente de qualidade,
você tem gente de menos qualidade, gente comprometida com os setores
mais à esquerda, gente comprometida com os setores mais à direita. Se as
pessoas fossem de direita ou de esquerda, era melhor do que serem
simplesmente fisiológicas. O que eu acho que mata na política é o
fisiologismo. E você não vai acabar com isso. É uma cultura política que
está estabelecida no mundo, não é só no Brasil. E não é uma questão
nacional, senão a Itália não tinha o Berlusconi.
Mas o senhor defende a reforma política não é buscando superar estes problemas?Eu
defendo a reforma política, mas acho que ela só virá quando tivermos
Constituinte própria para fazê-la. O Congresso não vai aprovar. Pode
fazer uma mudança aqui, outra ali, mas não uma reforma profunda. Defendo
o financiamento público porque eu acho que é a forma mais barata e mais
honesta de fazer campanha. Por que os empresários não defendem o
financiamento público? Não seria melhor para eles não ter que dar
dinheiro para candidato? Mas eles preferem que os políticos dependam
deles. Eu li a biografia do Juscelino, os dois volumes do (Getúlio)
Vargas, do Lira Neto (escritor cearense), estou lendo a biografia de
Napoleão Bonaparte e a do Padre Cícero. A política é sempre a mesma. Nos
Estados Unidos, Abraham Lincoln precisou vencer os mesmo obstáculos.
Penso que com partidos mais sérios e valorizados, com mais seriedade nas
campanhas, a política vai se qualificando e motivando mais. Eu sempre
digo aos jovens: mesmo que você não acredite em mais ninguém, e ache que
todos são corruptos, não desista. O político honesto que você procura
pode estar dentro de você. Ao invés de negar a política, entre na
política.
O momento mais delicado da Dilma ocorreu
durante as manifestações. E naquele momento o PMDB, o principal aliado
do PT, tentou emparedar a presidente no Congresso...O
ideal de um partido político é eleger um presidente da República, eleger
a maioria dos governadores, eleger a maioria dos senadores, a maioria
dos deputados federais. Isso é o ideal. Não parece maravilhoso? Pois
bem, em 1987, o PMDB teve isso. O PMDB elegeu 306 constituintes e 23
governadores. O (José) Sarney teve moleza? Não teve. O principal
adversário do Sarney era Ulysses Guimarães. Por isso eu prezo a
democracia. Eu fico imaginando se o PT tivesse 400 deputados, 79
senadores. Iria ser fácil? Temos de aprender a lidar com a realidade.
Angela Merkel acabou de ganhar as eleições na Alemanha, mas, para
governar, terá que fazer aliança.
E a divisão interna no PT, entre lulistas e dilmistas?Se
houver alguém que se diz lulista e não dilmista, eu o dispenso de ser
lulista. A Dilma é a presidente da República e ela representa o PT. Eu
não estou pedindo que as pessoas gostem de Dilma. Eu quero que as
pessoas a respeitem na função institucional e saibam que o PT está lá
para apoiá-la. O povo de Brasília votou no (José Roberto) Arruda porque
acreditou que o Arruda ia fazer as mudanças prometidas. Não deu certo.
Você vai dizer que o eleitor do Roriz era pior do que o eleitor do
Agnelo? Não era. O eleitor vota esperando que as coisas melhorem. Se
tivermos agora como candidatos Dilma, Aécio, Eduardo Campos e Marina, o
Brasil está qualificado. Todos candidatos de centro-esquerda para a
esquerda.
O senhor tentou evitar o rompimento de Eduardo
Campos com o governo. Agora que aconteceu, como ficará este
relacionamento? Ele pode sair do campo de sua influência, o campo da
esquerda?Eu não tenho influência. Mas eu gostaria que não tivesse acontecido o que aconteceu.
Quem errou?Não
sei, acho que todo mundo errou. E eu posso estar errado também. Pode
ser que o governo e o Eduardo estejam certos no rompimento, e eu errado.
Mas eu não dou de barato que o Eduardo é candidato. Ele tem potencial?
Ele tem estrutura, sabedoria política? Tem. Ele pode ser candidato, como
o Aécio, a Marina. Eu só acho que foi um prejuízo para a gente ter o
PSB, e sobretudo o Eduardo Campos, do outro lado. Isso aconteceu apenas
quando o Garotinho foi candidato contra mim, em 2002. Se ele vai ser
candidato, nós temos de ter uma regra de comportamento. Se a eleição não
terminar no primeiro turno, poderemos ter aliança no segundo turno. Mas
eu não dou de barato que as coisas estão definidas na eleição. Nem para
o Eduardo Campos ser candidato, nem para o Aécio ser candidato. Sabe-se
lá o que o Serra vai tramar contra o Aécio? Nem para a Marina. Eu acho
que a gente tem de ver o seguinte: temos de esperar, até março. São mais
seis meses pela frente, até as pessoas anunciarem de fato suas
candidaturas. Sei apenas que, entre todos, a Dilma é a que tem mais
credenciais e é mais qualificada para governar o Brasil. Eu vou
percorrer o Brasil como se eu fosse candidato.
Qual será a diferença, na disputa com o PSDB, em ter o Aécio como candidato, e não o Serra?Eu
acho que vai trazer mais dificuldades para o PSDB. O Aécio vai ter que
se tornar conhecido. O Serra já é conhecido, tem o recall de outras
disputas. Não é fácil criar um candidato num país do tamanho do Brasil.
Então eu não sei como o PSDB vai conseguir se livrar do Serra ou se o
Serra vai conseguir provar que tem mais qualidades para ser candidato.
Mas o PT não pode escolher adversário. Tem que enfrentar quem aparecer, e
acho que pode ganhar dos dois.
Sua participação na campanha da Dilma agora será diferente da que teve em 2010?Tem
de ser diferente. Em 2010 a Dilma não era conhecida. Fizemos uma
campanha para que ela se tornasse conhecida, e para mostrar ao eleitor o
grau de confiança que eu tinha nela. Obviamente que depois de quatro
anos de governo a Dilma passou a ser muito conhecida e conseguiu
construir a sua própria personalidade. Então já tem muita gente que vai
votar na Dilma independentemente de o Lula pedir. Naquilo que eu tiver
influência, nas pessoas que eu tiver influência, eu vou pedir para votar
na Dilma. O que eu vou fazer na campanha depende dela. Eu não quero
estar na coordenação, eu quero ser a metamorfose ambulante da Dilma.
Estou disposto. Se ela não puder ir para o comício num determinado dia,
eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela
for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste. Isso quem vai determinar é
ela. Eu tenho vontade de falar, a garganta está boa. Eu estou com mais
disposição, mais jovem. Apesar da idade, eu estou fisicamente mais
preparado. Estou com muita saudade de falar. Faz tempo que eu não pego
um microfone na rua para falar. Conversar um pouco com o povo
brasileiro. Vou ajudar. Se for importante ficar quieto, eu vou ficar
quieto. A única coisa que eu não vou fazer é cantar, porque eu sou
desafinado, mas no resto ela pode contar comigo.
A
prorrogação do julgamento do mensalão, levando as prisões de petistas
para o próximo ano, em plena campanha, pode atrapalhar os candidatos do
PT e a própria Dilma?Eu não acredito, não. As pessoas
têm o hábito de menosprezar a inteligência do povo. A história não é
contada no dia seguinte, a história é contata 50 anos depois. E eu acho
que a história vai mostrar que, mais do que um julgamento, o que nós
tivemos foi um linchamento, por uma parte da imprensa brasileira, no
julgamento. Eu tenho me recusado a falar disso porque sou ex-presidente,
indiquei os ministros. Vou falar quando o julgamento terminar. Uma
coisa eu não posso deixar de criticar. Se pegar o último julgamento
agora (dos embargos infringentes), o que a imprensa fez com o Celso de
Mello foi uma coisa desrespeitosa à instituição da Suprema Corte, que é o
último voto. Ou seja, depois dela, ninguém mais pode falar. Eu fiquei
irritado certa vez, quando eu era presidente, o (Sepúlveda) Pertence
tomou uma decisão e alguém escreveu que José Dirceu tinha ganho no
tapetão, sem nenhum respeito a uma figura como o Pertence. Veja a
arrogância e a petulância de algumas pessoas. Elas amanhã poderão ser
julgadas e vão querer o direito de defesa. A sociedade brasileira já
aprendeu a separar o joio do trigo, inclusive pelo que tentaram fazer
comigo em 2006, na campanha. Ninguém poderia ter sido mais violento
comigo do que foi o (Geraldo) Alckmin. Todo mundo sabe o que aconteceu
na véspera da eleição, quando o delegado da Polícia Federal mentiu que
tinham roubado a fita (na realidade, um CD), sendo que ele mesmo fez a
entrega para quatro jornalistas. (Aqui, Lula se refere ao “escândalo dos
aloprados” e ao vazamento das fotos do dinheiro usado para comprar
falsos dossiês contra José Serra e Geraldo Alckmin.) Todo mundo sabe o
que houve na eleição do (Fernando) Haddad. Aquele julgamento (do
mensalão) no meio da eleição, qual era o objetivo? Tudo isso o povo
percebe.
Então o senhor acha que não terá efeito?O
povo sabe separar as coisas. Agora, o que não se pode é negar o direito
das pessoas de exigirem provas. Eu sinceramente tenho muita vontade de
falar, mas eu preciso me calar. Alguns companheiros estão condenados. Se
amanhã a Justiça falar que absolveu, estarão condenados do mesmo jeito.
Ninguém se dá conta do que aconteceu com a família das pessoas, com os
filhos das pessoas. Esta substituição da informação pela versão que
interessa não pode ser adequada à construção de um país democrático.
O
tema econômico da hora são as concessões. Na eleição, a oposição não
vai explorá-las como uma forma de privatização feita pelo PT, que
combateu as privatizações tucanas?Não é privatização.
Deixa eu dizer uma coisa: é urgente mudar a Lei 8.666/93, que regula as
licitações nesse país, se quisermos que as coisas aconteçam. Hoje, para
fazer uma obra, são tantos os obstáculos, como eu já disse…TCU, Ibama,
CGU, Iphan… Uma verdadeira máquina de fiscalização que emperra a máquina
da execução. Então, é melhor passar pelo crivo uma só vez e entregar o
serviço para a iniciativa privada explorar, com mais facilidade e
rapidez. A segunda coisa é que o Estado também não tem recursos. As
concessões são um convite à iniciativa privada, que pode suprir a
deficiência do Estado para investir. A Dilma estava na Casa Civil, nós
reuníamos os ministros e órgãos envolvidos nos projetos. Eu falava todos
os palavrões que tinha de falar, mas as coisas não andavam. Um problema
aqui, outro ali. Temos que encontrar uma solução. A Dilma anunciou as
concessões em junho do ano passado e os leilões só estão saindo agora.
Se estivéssemos em 1955, começando a construir Brasília, nem a picada
para o avião do JK pousar tinha saído.
Como o senhor
avalia a decisão da CGU de pedir a destituição do serviço público da
ex-chefe do Gabinete da Presidência de São Paulo, Rosemary Noronha, por
11 irregularidades, incluindo propina, tráfico de influência e
falsificação de documentos?Ela já estava demitida. O que a CGU fez foi confirmar o que todo mundo já sabia o que ia acontecer.
Mas tudo ocorreu dentro de um escritório da Presidência, em São Paulo...Deixa
eu falar uma coisa. A CGU julgou um relatório feito pela Casa Civil. E,
pelo o que eu vi, do relatório, ele confirma as conclusões da Casa
Civil. Todo servidor que comete algum ilícito tem de ser exonerado. O
que valeu para o escritório vale para qualquer lugar no Brasil, no setor
público. Vale para banco, vale para a Receita Federal. Vejo isso com
muita tranquilidade. (Lula se vira para o assessor de imprensa e
pergunta) “Não foi exonerado esses dias um companheiro que trabalhava
com a Ideli (Salvatti)? (Lula se refere ao assessor da Subchefia de
Assuntos Federativos Idaílson Vilas Boas Macedo, após notícias de que
faria parte do esquema de lavagem de dinheiro descoberto pela Polícia
Federal na Operação Miqueias.)
O que o senhor achou da reação do governo brasileiro em relação à espionagem norte-americana?Dilma
agiu certo. Não podia aceitar a ideia que o (Barack) Obama tentou
passar, de que não aconteceu nada. Com aquele jeitão imperial do Obama
falar.
Quase três anos depois de deixar a Presidência, como o senhor gostaria de ser lembrado?O
que me importa é a forma como serei lembrado pelas pessoas. Algo que me
marcou foi meu último encontro com os cantadores de material reciclado e
moradores de rua de São Paulo. Uma menina, afrodescendente, pegou o
microfone e perguntou: “Presidente, você sabe o que mudou na minha vida
nestes oito anos?” Eu não sabia. E ela disse: “Não foi o dinheiro que eu
ganhei, nem as cooperativas que organizei. Foi o direito de andar de
cabeça erguida que o senhor me restituiu. Hoje, não tenho vergonha de
andar com o carrinho catando papelão na rua. Me sinto tão importante
quanto os que passam de carro ao meu lado”. Nada é mais gratificante que
isso. Foi o que me inspirou a pedir ao Fernando Morais para tentar
fazer uma biografia do meu governo, conversando com quem ele quiser:
banqueiro, dono de jornal, metalúrgico, bancário, catador de papel.
Ouvir o que as pessoas pensam é mais importante, pois todo mundo tem
tendência a falar bem de si mesmo.