Cena do filme "A Onda"
“Caralho. Esse tem culhão.”
A
reação do roqueiro Roger, no Twitter, ao artigo de Antonio Prata na
Folha foi entusiasmada. Prata escreveu uma coluna chamada “
Guinada à Direita”. Confessava que, às vésperas de completar 40 anos, havia tomado juízo e arejado as ideias.
“A
rubra súcia domina o governo, as universidades, a mídia, a cúpula da
CBF e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, na Câmara. O pensamento
que se queira libertário não pode ser outra coisa, portanto, senão
reacionário”, escreveu.
“Quando
terroristas, gays, índios, quilombolas, vândalos, maconheiros e
aborteiros tentam levar a nação para o abismo, ou os cidadãos de bem se
unem, como na saudosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que nos
salvou do comunismo e nos garantiu 20 anos de paz, ou nos preparemos
para a barbárie”.
Mais: “O branco encontra-se escanteado”.
“Contra
o poder desmesurado dado a negros, índios, gays e mulheres (as feias,
inclusive), sem falar nos ex-pobres, que agora possuem dinheiro para
avacalhar, com sua ignorância, a cultura reconhecidamente letrada de
nossas elites, nós, da direita, temos uma arma: o humor.”
E
ainda: “No pé que as coisas estão é preciso não apenas ser reacionário,
mas sê-lo de modo grosseiro, raivoso e estridente. Do contrário,
seguiremos dominados pelo crioléu, pelas bichas, pelas feministas
rançosas e por velhos intelectuais da USP”.
Era
uma farsa. Uma boa provocação. Ainda que o autor tivesse deixado de
ser, como dizia, meio intelectual, meio de esquerda, aquilo era um
evidente exagero apocalíptico.
Mas
a reação ao amontoado de clichês direitosos foi espantosa. Prata teve
de escrever no Painel do Leitor que estava sendo irônico. “A intenção,
ao criar tal persona retrógrada, racista, machista e homofóbica, era
apontar tais preconceitos em nossa sociedade. Parece que funcionou, pois
a maioria dos e-mails equivocados que recebi me parabenizava pela
‘coragem’ de ‘assumir’ essas deprimentes opiniões”.
Roger
(que mais uma vez virou motivo de piada) não estava sozinho. Centenas
de pessoas se sentiram à vontade para disparar obtusidades do mesmo
quilate.
Na seção de cartas:
“Realmente
é essa gentalha, protegida por um poder totalitário instalado em nossa
nação há mais de uma década, que impede o pleno desenvolvimento do país.
Parabéns. Aguardo ansioso por novas colunas raivosas.”
No Facebook:
“Ele
diz que os índios lá estão, agora, improdutivos e nus, catando piolho e
tomando 51. Cade a ironia ai? Por acaso alguém já viu algum índio
produzir algo útil e bom para a sociedade nas terras deles?”
Tá tudo dominado
“A
mídia não fala nada sobre a implantação do comunismo no Brasil que vem
sendo desenvolvida a (sic) mais de 30 anos no Foro de São Paulo”.
“Sim,
o mundo tá sendo dominado por gays, pois a mídia tá empurrando isso
goela abaixo na sociedade. Com mensagens subliminares, lavagem cerebral.
Por quê? Pq tem gente assim por trás da mídia. Imagina se a maioria
dessa pessoas fossem pedófilas? Ou se fossem necrófilas?".
“O único poder capaz de impedir que o comunismo se instale no Brasil e não nos torne escravos são os militares”.
“Não
importa se é ou não um texto irônico, o importante é que tudo isso que
foi dito é verdade! O pior cego é aquele que não quer ver!”
E por aí afora. Prata abriu uma caixa de pandora. Eu me lembrei do filme “A Onda”.
Conhece?
Se passa numa escola na Alemanha. Os alunos têm de escolher entre duas
disciplinas: anarquia e autocracia. O professor Rainer Wenger decide
formar um modelo de governo fascista na classe para mostrar, na prática,
como ele se organiza. Dá o nome de “A Onda” ao movimento. Os jovens
escolhem uniforme e saudação.
Da
escola, a coisa se espalha para a cidade. Eles começam a gostar de ser
subjugados e de subjugar os outros em nome de uma ideia. Depois de
algumas situações limite, Wenger acha que provou seu ponto e resolve dar
sua experiência por encerrada. Claro que aí já é tarde demais.
Prata
tinha de se explicar. A burrice e a paranóia estão por aí, cheias de
amor pra dar, à procura de um motivo. Como naquele aforismo de Charles
Colton: “Há fraudes tão bem elaboradas que seria estupidez não ser
enganados por elas”.
Fonte: DCM
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