Feliz ano velho
Pego emprestado o título do romance de Marcelo Rubens Paiva para tentar definir o que sinto neste final de 2018
31 de dezembro de 2018, 20h51
Há vários dias estou em busca do que dizer para vocês neste final de 2018, como quem medita à beira do abismo. Não temos, nenhum de nós do campo progressista, qualquer ilusão de que 2019 será um ano bom para o nosso país. Ou algum indício.
Teremos anos difíceis pela frente, não faz falta bola de cristal para prever. Economicamente, ao contrário da aposta alta que fizeram nele, Bolsonaro será um desastre para todas as camadas da população, a não ser para os rentistas, que vão ganhar muito dinheiro em seu governo, e para os ocupantes do topo da pirâmide, que se tornarão ainda mais ricos do que no ano passado. Estes, sim, têm razão para soltar fogos e se desejar feliz ano novo.
Haverá perdas de direitos individuais e os índices de violência com armas de fogo crescerão, assim como o desemprego e o subemprego –isto é, até as estatísticas começarem a ser manipuladas, como fazia a outra ditadura. Para piorar as coisas, os militares de agora são aliados de fundamentalistas religiosos, uma mistura explosiva que não pode resultar em nada a não ser no aumento dos ataques violentos a cidadãos LGBTs e às mulheres. Junto com os ruralistas, essa turma pretende “evangelizar” indígenas ao mesmo tempo que cobiçam suas terras. Tenebroso.
Bolsonaro será um desastre para todas as camadas da população, a não ser para os rentistas e para os ocupantes do topo da pirâmide, que se tornarão ainda mais ricos. Estes, sim, têm razão para soltar fogos
Não tenho neste final de ano palavras positivas para oferecer, porque o futuro me parece tão tremendamente sombrio… Mergulhamos num passado que pensávamos haver deixado para trás. Por isso a frase que mais me percorre a cabeça neste momento é o título do romance de Marcelo Rubens Paiva, uma das minhas primeiras leituras na adolescência, e que foi lançado justamente em 1982, quando o país começava a lutar pela redemocratização: Feliz Ano Velho.
Foi através do livro de Marcelo e outros daquele período que fui tomando conhecimento sobre a violência da ditadura militar, capaz de arrancar dele seu pai, o deputado federal Rubens Paiva, e nunca mais devolver. Em janeiro de 1971, homens da Aeronáutica armados com metralhadoras invadiram a casa da família e levaram o deputado do PTB preso. Foi a última vez que foi visto com vida. A viúva, Eunice, morta no último dia 13 de dezembro, jamais pôde enterrar o marido. O crime de Rubens Paiva? Fazer oposição à ditadura.
Agora teremos no poder um presidente que elogia a tortura e que ameaça a oposição abertamente: “Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria. Ou vão para fora ou vão para a cadeia”. Com a maior desenvoltura, generais circulam por toda parte, a exemplo do vice Mourão, dão entrevistas aqui e acolá, como grandes protagonistas da posse. Na manhã do dia 1º de janeiro em Brasília, os tanques voltarão a reinar em nosso país. É inegável.
Temos ótimos nomes no Congresso. Mas haverá Congresso? Da última vez que esta gente ocupou o poder não teve. E os parlamentares que se rebelaram ou desapareceram ou foram “para fora”. Quem nos garante que agora será diferente?
Amanhã, os fantasmas do passado que nos assombrava sairão das tumbas. Tudo pode acontecer daqui para a frente, não somos os Estados Unidos que têm suas esferas de proteção e Estados com leis próprias, o que de certa forma resguarda os cidadãos norte-americanos da possibilidade de Trump despirocar de vez. Aqui, não, somos um país pequeno, provinciano, propício a tiranos de farda.
É claro que vamos lutar no Congresso. Temos algumas boas novidades no Congresso, inclusive. Mas haverá Congresso? Da última vez que esta gente ocupou o poder não teve Parlamento, eles o fecharam. E os parlamentares que se rebelaram ou desapareceram ou foram “para fora”. Quem nos garante que agora será diferente?
Feliz ano velho. Não há o que festejar a não ser estarmos com saúde e vivos. Sobrevivemos e estamos dispostos a lutar.
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