quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

POLÍTICA - Todo militar precisa de um inimigo.

COM LULA PRESO E A OPOSIÇÃO DE FÉRIAS, O INIMIGO AGORA É A IMPRENSA

No dia da posse, o primeiro Twitter do novo presidente foi para atacar a revista Veja com uma saudação militar: “Selva!”.
Era o primeiro sinal do que viria pela frente: durante toda a terça-feira da cobertura da posse, os jornalistas foram confinados em chiqueirinhos, sem direito de ir e vir, vigiados por agentes de segurança, sem comida nem água, fazendo filas nos banheiros e sentados no chão.
Com Lula preso e a oposição ainda de férias, como não pode viver sem inimigos, o presidente Jair Bolsonaro escalou a imprensa como inimiga do regime.
Não chega a ser uma novidade para quem viveu como jornalista os 21 anos da ditadura militar.
Mas, mesmo naquela época, não me lembro de ter recebido um tratamento tão desumano.
Jornalistas da Espanha e da China abandonaram a cobertura em Brasília por total falta de condições de trabalho, mas os brasileiros resistiram até o fim, e alguns até pareciam felizes ao entrar no ar.
Só os jornalistas mais antigos estranharam o tratamento e não acharam nada normal o que estava acontecendo.
O problema é que agora tudo no Brasil virou o “novo normal”, já que rapidamente as instituições se adaptaram à nova ordem implantada pelo novo presidente.
Nem tudo que é novo é necessariamente bom. Já tem muita gente com saudades do Temer e até do general Figueredo, que pelo menos era engraçado.
O último general-presidente também vivia às turras com a imprensa, mas não chegava a torturar os jornalistas em serviço.
Certa vez, arrisquei fazer uma pergunta para ele de supetão, na saída de uma cerimonia oficial em Lisboa, onde não havia outros repórteres.
Em vez de chamar a segurança, botou a mão no meu ombro, e deu um sorriso esperto:
“Não vem, não. Sem entrevista. Tá querendo passar a perna nos teus colegas?”
Essa gente que entrou agora está sempre de cara emburrada, já repararam?
Parece que eles estão permanentemente em posição de combate, olhando de lado, ariscos, prontos para matar ou morrer.
Só dão um sorriso quando o protocolo exige ou estão cercados de apoiadores querendo fazer uma “selfie”.
Imbuídos da certeza de que estão salvando o país, acham que jornalistas servem apenas atrapalhar o trabalho deles.
O que os novos donos do poder querem são elogios, não perguntas difíceis.
É só o começo, mas já dá para assustar. Como será daqui a seis meses?
A exceção à regra é o midiático ex-juiz Sergio Moro, agora ministro, que adora uma entrevista coletiva com jornalistas amigos.
E os terroristas que ameaçavam a festa da posse? Já foram presos?
Militares, como sabemos, sempre precisam de um inimigo para justificar a própria existência.
Sobrou para os jornalistas, mas não entendo isso: a maior parte dos veículos de mídia já apoia o novo governo, alguns até com entusiasmo.
Vida que segue.

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