As ameaças recorrentes para o desmonte da Petrobrás
Em 29 de abril de 1938, o Presidente Getúlio Vargas – seguindo o exemplo do general Lázaro Cárdenas,
que nacionalizou o petróleo do México – criou o Conselho Nacional do Petróleo; e entregou a sua presidência ao general Júlio Caetano Horta Barbosa. Em 1944, sob pressão da americana Standard Oil (hoje, Exxon Mobil), insatisfeita com as ações nacionalistas de Barbosa, pressionou tanto o Governo de Vargas que o general Horta Barbosa acabou solicitando exoneração do cargo.
Em 1947, o Clube Militar promoveu uma palestra do general Juarez Távora, de viés nacionalista até então, para falar sobre a questão petróleo. “Para decepção de nós, nacionalistas, que comparecemos em massa, a conferência do general; este simplesmente encampou a ideia de concessões ao capital estrangeiro. Antes que as ideias do general Távora tomasse corpo, o grupo nacionalista do Clube Militar promoveu uma palestra com o general Horta Barbosa e este desmontou, ponto por ponto, o argumento do general Távora”.
O sucesso foi tão grande que, uma semana depois, a palestra foi repetida com a casa cheia e deflagrou o maior movimento da nossa história – “O petróleo é nosso” –, com participação de todos os segmentos do país: trabalhadores; estudantes; militares; professores; movimentos sociais, e o povo em geral.
Em 1953, o movimento se tornou vitorioso e foi proclamada a Lei no 2.004/53, que criou o Monopólio Estatal do Petróleo – da União – e criou a Petrobrás para exercê-lo. No ano seguinte, o então senador Assis Chateaubriand, dono de um império da mídia, Diários Associados, apresentou um Projeto de Lei para derrubar a Lei no 2.004. Não conseguiu. Em 1993, o Centrão inventou uma reforma constitucional para mudar a Ordem Econômica da Constituição Federal de 1988 e, entre outros, derrubar o monopólio estatal do petróleo.
O Governo de Itamar Franco mandou que as estatais enviassem empregados qualificados para o Congresso, a fim de dar informações consistentes aos parlamentares. Este movimento foi vitorioso e conseguimos derrotar o Centrão. Assim, o lesa--pátria foi adiado.
Em 1995, como Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso emitiu um decreto que impedia a ida de empregados de estatais ao Congresso para falar com parlamentares. Assim – com as artimanhas, como compra de votos, liberação de emendas e outros atos não republicanos – FHC alterou o capítulo 5 da Ordem Econômica, mudando, entre outros, o conceito de empresa brasileira de capital nacional e de empresa brasileira de capital estrangeiro.
Com isto: abriu o subsolo brasileiro para empresas estrangeiras e as incluiu como aptas a tomar empréstimos do BNDES para compra de empresas nacionais; quebrou o monopólio da navegação de cabotagem, permitindo que embarcações estrangeiras entrassem nos nossos rios e levassem nossas riquezas; quebrou os monopólios do gás canalizado, das telecomunicações e o da União sobre o Petróleo.
Em 1997, FHC enviou e fez aprovar no Congresso o Projeto de Lei que se transformou na Lei no 9.478/97 – francamente inconstitucional, em seu artigo 26 –, que gera o pior contrato da indústria mundial do petróleo: todo o petróleo produzido passa a ser de quem o produzir, fazendo com que a União receba apenas entre 30 e 40% de impostos e royalties. Enquanto, no mundo, os países produtores/exportadores ficam com mais de 80% do petróleo que for produzido em seu território.
Em 1998, FHC emitiu o decreto Repetro, que permite a isenção de impostos para empresas estrangeiras fornecedoras de equipamentos para a área de petróleo. Mas não isentou as empresas nacionais de impostos estaduais, gerando a quebra das 1.600 empresas que a Petrobrás ajudara a se formar: fornecia tecnologia e comprava equipamentos que fabricavam.
Este Repetro, além que inviabilizar as 1.600 empresas, inviabilizou cerca de 3.000 empresas subfornecedoras criadas por aquelas. De 1999 a 2003, Pedro Parente era do Conselho de Administração da Petrobrás, tendo chegado à sua presidência. Neste período, junto com Henri Philippe Reichstul, comandou um plano de desnacionalização da Companhia que chegou a mudar o seu nome para Petrobrax. Eles venderam 36% das ações da Petrobrás, na Bolsa de Nova Iorque, por 5 bilhões de dólares (nós, da Aepet, calculamos que elas valiam mais de 100 bilhões de dólares).
Hoje, os acionistas compradores são donos de 36% das reservas do Pré-sal que a Petrobrás detém, sem terem pagado por isto. Fez ainda uma troca de ativos com a espanhola Repsol para privatizar a refinaria REFAP, do Rio Grande do Sul, que deu um prejuízo à Petrobrás de mais de 2 bilhões de dólares.
Neste período, o número de acidentes – que, pela série histórica (17 acidentes de 1976 a 1998), era menos de um por ano – passou a 63 em dois anos. A Aepet, após o acidente com a Plataforma P-36, denunciou ao Ministério Público uma possibilidade de os acidentes serem uma forma de chantagem para jogar a empresa contra a opinião pública e justificar a sua desnacionalização. O MP não fez a investigação que nós pedimos, mas os acidentes caíram drasticamente.
Em 2016, Michel Temer assumiu a Presidência do Brasil em de Dilma Rousseff, derrubada por ele, Eduardo Cunha e outros da sua gangue. Assim que assumiu, segundo o jornalista Glenn Greenwald, no Youtube, Temer foi aos Estados Unidos negociar, com a cúpula do governo americano, a entrega das riquezas do Brasil.
Na volta, nomeou Pedro Parente para a presidência da Petrobrás para retomar o processo de desnacionalização iniciado por ele entre 1999-2003. Parente não se fez de rogado: iniciou um processo de venda de ativos que – conforme mostrado no voto da Aepet, proferido na Assembleia de acionistas ocorrida em 26 de abril de 2018 – deu à Petrobrás um prejuízo superior a 200 bilhões de reais.
Alguns exemplos: – Venda da malha de gasodutos do Sudeste e sua empresa operadora, a NTS – 100% Petrobrás. Vendeu para o Grupo Brookfield, ex-Brascan, que na década de 90 deu um golpe no Governo ao vender a Light e a Eletropaulo, no último ano da concessão (passaria de graça para o Governo) para a União por US$ 1,5 bilhão.
A Petrobrás alugou os gasodutos, mas recebeu um valor líquido que deu para pagar apenas 18 meses de aluguel. No contrato de aluguel por 20 anos, Petrobrás vai pagar R$ 3 bilhões por ano. Ou seja, vai perder 3 bilhões por ano. Mais grave: existe, no contrato de aluguel (que a Petrobrás pagava à então sua empresa NTS), uma cláusula denominada “ship or pay”: usando ou não a capacidade máxima dos gasodutos, a Petrobrás pagará pelo máximo. Como a rede é dimensionada para crescimento de 10 anos, hoje a capacidade utilizada é bem menor do que a total. Como ela pagava esta capacidade à NTS, 100% de sua propriedade, não havia problema. Agora ela pagará à empresa internacional Brookfield, cuja reputação não é das melhores.
– Venda do campo de Carcará, um dos melhores do Pré-sal, por sua pressão superior e uma excelente qualidade do petróleo. O campo tem uma reserva estimada de 3 bilhões de barris.
A Petrobrás vendeu 66% (cerca de 2 bilhões de barris) por US$ 2,5 bilhões; ou seja, US$ 1,25 por barril. E ainda deixou de manter a área norte, que tem uma reserva ainda maior e que poderia ter adquirido no leilão, mas nem concorreu;
– Venda de percentual dos campos de Iara e Lapa (cerca de 1,05 bilhão de barris), campos estes já produzindo e com todo o sistema de infraestrutura já montado;
– Venda da Gaspetro para a Mitsui, por menos da metade do seu valor de mercado. A Mitsui, mesmo citada na Lava Jato, foi agraciada com este presente;
– Venda da Liquigás para a Ultrapar, cujo presidente do Conselho de Administração era o Sr. Ivan Monteiro, que saiu de lá para ser o diretor financeiro da Petrobrás e foi um dos artífices da venda. Felizmente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, CADE, suspendeu o negócio, porque a Ultrapar iria se tornar dona absoluta do mercado.
Ao combater esse processo a Aepet constatou um absurdo que ocorre na comercialização do gás liquefeito do Petróleo, GLP, que é o principal produto da Liquigás e um combustível com alto conteúdo social, usado pelos brasileiros para preparar seus alimentos: a estrutura de preços é uma imoralidade, pois no preço final do botijão vendido, a Petrobrás que explora, produz, transporta e refina o petróleo para obter o gás fica com 32%; os impostos ficam com 18%. Mas o distribuidor do GLP fica com absurdos 50%, só para engarrafar o gás e vender. Isto significa que o GLP pode ter uma redução de preço de cerca de 40% e ainda dar lucro.
Por último, a política de preços estabelecida pelo senhor Parente foi com intuito de prejudicar seriamente a Petrobrás jogando-a contra a opinião pública: ele estabeleceu preços acima do mercado internacional, tornando as importações vantajosas. Com isto, a Petrobrás perdeu quase 30% do seu mercado, ficando com suas refinarias ociosas. De março a setembro de 2017, perdeu R$ 7,5 bilhões com essa ociosidade, além de ter levado os caminhoneiros à greve com elevado prejuízo para toda a Nação. A importação de diesel elevou de 41 para 84% das exportações dos EUA para o Brasil.
A Aepet publicou vários artigos mostrando que a Petrobrás não precisava vender ativos, pois sua dívida foi feita para montar sistemas de produção do Pré-sal, que hoje estão produzindo mais da metade da produção nacional e mais importante: a geração operacional de Caixa iria pagar facilmente a dívida. Esta dívida poderia ser reduzida, mesmo sem a entrada no caixa dos US$ 11,81 bilhões. Na realidade, as privatizações tiveram influência pouco relevante na redução do endividamento líquido da companhia, como se verá a seguir. A venda de ativos respondeu por 25,65% da redução da dívida líquida, entre 2015 (final de 2014) e 2019 (final de 2018).
Cerca de três quartos (74,35%) da redução da dívida se deveu à geração operacional de caixa da Petrobrás. Logo, sem vender qualquer ativo, a dívida líquida da Petrobrás teria sido reduzida de US$ 115,4 para US$ 81,19 bilhões, no período citado; e o indicador de alavancagem (dívida liquida / EBITDA ajustado) seria de 2,58 – resultado próximo da meta arbitrada pela direção da companhia de 2,50.
Lembrando que, em 2014 a Petrobrás captou no mercado, com bancos de primeira linhae taxas baixas, US$ 15 bilhões, sendo parte com prazo de 20 anos e a outra parte com prazo de 30 anos.
Em 2015, a Petrobrás captou US$ 2,5 bilhões (J.P. Deutsche Bank), com prazo de 115 anos! Portanto, fica claro que a opção de vender ativos é muito pior do que rolar a dívida: que pode ser efetivada com juros menores que 6% ao ano; ao invés de vender ativos que rendem de 20 a 30% ao ano.
Quanto à venda de refinarias, outro absurdo:
O somatório do lucro operacional do Abastecimento (refino) da Petrobrás – entre os anos de 2015 e 2017 – registrou US$ 23,7 bilhões, em valores corrigidos para 2018; enquanto a Exploração/Produção obteve US$ 9,4 bilhões no mesmo período, quando o preço do petróleo médio foi de US$ 52,68 por barril.
A privatização de refinarias, terminais, dutos e distribuidora traz prejuízos ainda mais graves à resiliência e sobrevivência da Petrobrás, com preços baixos de petróleo, do que possíveis benefícios pela redução dos gastos com juros decorrentes da possível antecipação da redução da dívida.
Cabe acrescentar que a produção da Petrobrás chegará aos 5,2 milhões de barris por dia, em 2026. A capacidade de refino atual do País é de cerca de 2,3 milhões de barris por dia. Logo é necessário mais do que dobrar a capacidade de refino nacional
Portanto, há que se incentivar a construção de novas refinarias pelas demais empresas e não vender as refinarias da Petrobrás a preço de banana.
Se isto for efetivado – venda de ativos –, a Petrobrás perde capacidade de geração operacional de caixa; portanto de pagar a dívida. A venda já efetivada de ativos reduziu a capacidade de Geração Operacional de Caixa de R$ 167 bilhões no planejamento para o período de 2017 a 2021, para R$ 142 bilhões de 2012 a 2022 e para R$ 114 bilhões no período de 2019 a 2023.
É o desmonte da companhia que fica ainda mais evidente no caso do seu fundo de pen-são: ele está sendo destruído para que o Cartel do Petróleo compre a Petrobrás – com sua tecnologia para explorar o Pré-sal; e livre de compromisso com aqueles que a levaram à condição de uma das maiores empresa do setor petróleo.
Publicado em Legados Trabalhistas