terça-feira, 31 de agosto de 2021

Um pouco de história: Rupturas.

 

Rupturas

Hoje, quando completam cinco anos da deposição por motivações políticas de uma presidente legitimamente eleita, Carta Maior rememora a série de rupturas vividas desde Getúlio Vargas. 2016 e 2018 não foram pontos fora da curva

 
31/08/2021 17:25

(Arte/ Alessandra Monterastelli)

Créditos da foto: (Arte/ Alessandra Monterastelli)

 
É bastante provável que todos nós já tenhamos nos perguntado como chegamos aqui. Por que a cada momento somos tomados de assalto por ameaças de todos os tipos? Por que, nos últimos tempos, só fizemos descer, como sociedade, degraus e mais degraus na escala civilizatória? Por que o sobressalto tem sido nosso estado de espírito habitual?

Talvez tenhamos ficado tão mal-acostumados com o período de certa normalidade em termos de democracia, que até chegamos a acreditar que era para valer.

Não era.

Nunca foi.

Nossa história de rupturas não começou com o golpe contra a Presidente Dilma Rousseff, nem com o impedimento de Lula da corrida presidencial de 2018.

Precisamos fazer o tempo voltar 67 anos e rememorar as sucessivas Rupturas ao longo desse período. Sempre que vamos galgar um novo patamar de desenvolvimento econômico e social, alinham-se elites econômicas, políticas, militares, imprensa, igreja, os conservadores em geral, e a potência imperial. É consenso entre os historiadores que o suicídio do presidente Vargas, em agosto de 1954, atrasou o golpe por 10 anos. A reação do povo, temporariamente, conteve o golpismo.

Sete anos se passaram até assistirmos a nova efervescência golpista. Jânio Quadros renunciava e seu vice João Goulart era impedido de assumir. Não importava se tinha sido eleito, se tinha recebido os votos necessários que o levariam à cadeira presidencial com a renúncia. Como se dissessem: “Goulart não é dos nossos”, armaram o golpe.

Não contavam que um certo governador gaúcho os enfrentaria, mobilizaria a resistência e garantiria a posse de Jango. O golpe, entretanto, logrou retirar poder do presidente e transformar o regime em parlamentarista. 1961 foi o ano que assistiu a essa destacada vitória da resistência.

O povo brasileiro expressou seu desejo soberano de ter uma verdadeira democracia, ao rejeitar esmagadoramente o parlamentarismo.

Isso bastou para que os golpistas se alinhassem novamente rumo ao 1º. de abril de 1964, com a justificativa de combater o comunismo e a corrupção, atendendo os interesses do império.

Dissidências internas ao poder encaminharam uma ruptura dentro da ruptura, ou um golpe dentro do golpe. As trevas desabaram sobre nossas cabeças. Era dezembro de 1968 e aquela “breve pausa” terminou por durar 21 anos e custar muitas vidas.

Um civil, embora não eleito pelo povo, voltaria a “comandar” o país somente em 1985. O otimismo com a nova Constituição e com a volta da democracia escondeu que a tutela militar prosseguia, que o poder econômico ainda ditava as regras e era sobrerrepresentado nos Três Poderes, que a imprensa detinha força para tronar e destronar quem não rezasse a cartilha da aliança conservadora, sancionada pelo beneplácito do império.

No interregno da democracia que se seguiu, uma vez terminada a ditadura, o primeiro presidente eleito pelo povo que ousou alterar a distribuição de renda foi Lula. Aliás, o governo Lula foi mais longe, resolveu tirar do papel os direitos sociais inscritos na Constituição de 1988, na prática, ignorados pelos presidentes anteriores.

A resposta de que estava contrariando os interesses da aliança conservadora veio pela Ação Penal 470. A interpretação de leis com intuito precípuo de punir os adversários políticos, convertidos em inimigos, foi um dos métodos usados para trocar de presidente. Os ardis ali inaugurados voltariam alguns anos depois na forma da operação Lava Jato.

Ainda não se falava em lawfare, mas foi o que ali se praticou. O STF condenou e prendeu lideranças importantes, manchou reputações em flagrante desatendimento ao devido processo legal. Não logrou, todavia, destruir politicamente o presidente Lula.

Foi ferido, sangrou, mas resistiu e a verdade prevaleceu. Lula é reeleito em 2006 e as pesquisas apontavam para a sua vitória em 2018, não tivesse sido afastado da disputa e trancafiado sem justa causa por um juiz suspeito, incensado pela imprensa e legitimado pelos tribunais superiores.

Mais uma trágica ruptura na nossa frágil democracia que descambaria no governo Bolsonaro.

Hoje, quando completam cinco anos da deposição por motivações políticas de uma presidente legitimamente eleita, Carta Maior rememora a série de rupturas vividas desde Getúlio Vargas. 2016 e 2018 não foram pontos fora da curva.

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Leia os textos do especial 'Rupturas':

Brizola durante o exílio no Uruguai, em 1974 (Foto de Ricardo Chaves)''A questão central da política brasileira era e continua sendo: você é contra ou a favor da Petrobras?''
As palavras do título são de Leonel Brizola Neto, vereador pelo Psol, em sessão na Câmara Municipal do Rio de Janeiro às vésperas do golpe de Estado contra Dilma Rousseff, em 2016. À época, ele citava o avô, Leonel Brizola (1922 - 2004), por ter sido pioneiro em denunciar o entreguismo da elite local aos interesses estrangeiros, e um dos maiores defensores de nossa democracia, líder da Campanha da Legalidade.

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(Montagem com fotos de ShutterStock via Veja/bit.ly/3DI9ecv)Economia brasileira pós golpe: 5 anos de retrocesso
Quando, pelas mãos de Temer e do MDB, veio à luz o projeto de governo denominado Ponte para o Futuro, tornou-se previsível a regressão que o golpe imporia ao Brasil. Ninguém, entretanto, nem mesmo os mais pessimistas, imaginava as léguas que nossa sociedade retrocederia. Por César Locatelli e José Celso Cardoso Jr.

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(Marcello Casal/EBC)A comunicação pública e o golpe
Uma das primeiras vítimas do golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff foi a comunicação pública. Ainda pouco consolidada, instalada com abrangência nacional em 2007 com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), tornou-se alvo prioritário dos novos detentores do poder federal. Por Laurindo Lalo Leal Filho

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 13 livros para entender o golpe de 2016
A partir de obras escritas no calor da hora, denunciando o desmonte; e de estudos recentes que trazem informações e balanços comparativos, seleção ajuda a compreender o que fizeram com o país nos últimos cinco anos. Por Tatiana Carlotti

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O cinema do golpe
Reavivar a memória: vale ver ou rever documentários que retratam a origem da dimensão do desastre político e social do país com o golpe ilegal da Presidenta Dilma Rousseff em 2016. Por Léa Maria Aarão Reis

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E não ficou pedra sobre pedra...
Alguns aspectos do livro 'Brasil: cinco anos de golpe e destruição', organizado pela Fundação Perseu Abramo. Por César Locatelli 

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