sábado, 13 de agosto de 2022

The Intercept_Brasil: Jovem Pan foi um sucesso para o Google.

 

Sábado, 13 de agosto de 2022Jovem Pan foi um sucesso para o Google

A big tech ensinou a direita a lucrar.

Em outubro de 2020, pingou na minha caixa de entrada o comunicado "Jovem Pan é case de sucesso no Google News Initiative". No texto, a assessoria de imprensa da emissora afirmava que "o jornalismo digital da Jovem Pan" figurava como destaque do programa de financiamento de projetos jornalísticos da big tech. O case era o Jovem Pan News, programa do YouTube – plataforma do Google – que se tornaria o embrião do canal de televisão. "O jornalismo só é válido se for compartilhado. É uma honra para a Jovem Pan ser um dos cases da Iniciativa do Google. Além da plataforma reconhecer o esforço e o trabalho da Pan e a credibilidade do nosso jornalismo, ela é capaz de disseminar todo o nosso conteúdo em grande escala", declarou Claudine Bayma, diretora de marketing da emissora, no comunicado enviado à imprensa.Na época, pedi mais informações à assessoria. Fui solenemente ignorada. Nos meses seguintes, a Jovem Pan se consolidou como principal porta-voz do bolsonarismo no YouTube. É o maior canal de extrema direita monitorado pela Novelo Data, empresa de análise de dados que monitora centenas de canais desde 2018. Agora, uma extensa reportagem de Ana Clara Costa na revista Piauí mostra que o Google, de fato, teve um papel determinante na consolidação do canal. A gigante de tecnologia despejou, em dezembro de 2018, 300 mil dólares para impulsionar o jornalismo da Jovem Pan por meio do Google News Initiative. Deu muito certo. Segundo a reportagem, o sucesso levou o Google a convidar em 2019 o dono da emissora, Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, e o presidente executivo Roberto Araújo para fazerem uma apresentação na sede da multinacional, em Palo Alto, nos EUA. Os dois conseguiram barganhar o direito de vender publicidade em seus vídeos, além de uma tolerância maior com violações nas políticas de conteúdo da empresa. Discurso de ódio e desinformação, por exemplo. À Piauí, o YouTube negou que exista tratamento diferenciado para a Jovem Pan. Os afagos foram mútuos. Embora o Google prefira publicamente destacar como seu projeto financia iniciativas de combate à desinformação, no ano passado, por ironia, um enorme anúncio da empresa na contracapa da própria revista Piauí afirmava em letras garrafais: "juntos, valorizamos o jornalismo de qualidade". Nele, a companhia destacava os projetos jornalísticos "de qualidade" que haviam sido beneficiados pelo seu financiamento. A Jovem Pan estava entre eles. Hoje, o programa da Jovem Pan "Os pingos nos Is", principal difusor do bolsonarismo nas redes e elogiado pelo presidente, chega a 100 milhões de visualizações por mês. Para os negócios do Google, é claro, a explosão de audiência de um canal é excelente. Além de todo o marketing positivo que o sucesso de um canal viabilizado por sua iniciativa pode gerar, há ainda a verba dos anúncios. Ela é diretamente relacionada à quantidade de cliques – portanto, à audiência – e dividida entre a empresa e o canal. Mais audiência, mais cliques, mais grana. Em novembro de 2019, mostramos no Intercept como, na época do impeachment de Dilma Rousseff, o Google treinou blogueiros antipetistas para otimizarem seus anúncios no AdSense, seu sistema de anúncios direcionados, e conquistarem mais audiência. Espalhando fake news, eles conseguiam até R$ 25 mil por mês em anúncios. No YouTube, a ordem de grandeza é outra: o lucro do canais chega à casa dos milhões de reais por ano, segundo um inquérito do Supremo Tribunal Federal que investigava os atos antidemocráticos. Alguns dos canais que mais lucram hoje são dos blogueiros que, no passado, aprenderam a tirar máximo proveito das lições e agrados do Google. Agora, ainda segundo a Piauí, o Google vê a Jovem Pan como um problema – justamente pelo fato de a emissora estar na linha de frente da defesa do bolsonarismo. Pode ser tarde demais. 

Tatiana DiasEditora Sênior

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