sábado, 8 de outubro de 2022

 


Sexta-feira, 7 de outubro de 2022Contragolpe | Traidores e traídos no segundo turno

Um terreno minado num Brasil à flor da pele.

Quando a cliente de um salão em São Paulo comentou que o governador Rodrigo Garcia tinha acabado de anunciar apoio “incondicional” ao presidente Jair Bolsonaro, a manicure não se conteve. “Traidor! Ele me traiu!”, exclamou ela, que votou em Garcia e no ex-presidente Lula no último dia 2. O tucano calcou toda a sua propaganda eleitoral no primeiro turno dizendo que não era “nem de esquerda e nem de direita”. “É para a frente que eu vou”, dizia o seu jingle de campanha. Na hora agá do segundo turno, não resistiu à ideia de um eventual cargo ministerial e anunciou na última terça a sua adesão ao presidente. O efeito de seu gesto sobre os quase 4,3 milhões de eleitores é uma incógnita. A jovem trabalhadora do salão, como se vê, é uma que não quer mais ouvir falar no nome do tucano tão cedo.Há dores muito difíceis de superar, e a traição é uma delas. Nos dias seguintes à eleição, outras surgiriam em um Brasil à flor da pele. Sergio Moro, agora senador eleito pelo Paraná, é um dos que decepcionou aliados que o tinham na mais alta conta ao declarar apoio a Jair Bolsonaro. Foi o caso da entidade Transparência Internacional - Brasil, que atua pelo incentivo de políticas de anticorrupção e foi uma das maiores entusiastas, por aqui e no exterior, da operação Lava Jato durante os seus anos de reinado.A ONG expressou “repúdio” ao gesto de Moro e ao do ex-procurador Deltan Dallagnol, agora eleito deputado também pelo Paraná, a favor do presidente. Antipetistas roxos, eles justificaram sua adesão ao mandatário em nome da luta contra a corrupção — do PT, e não os malfeitos no estado de modo geral. “Associar a luta contra a corrupção ao apoio ao candidato Jair Bolsonaro é prestar imenso desserviço à causa e desvirtuar o que ela fundamentalmente representa”, afirmou a entidade em nota, citando os episódios de corrupção no governo Bolsonaro. “Denunciamos ao mundo, em diversos relatórios, o desmanche, sem precedentes, dos arcabouços legais e institucionais anticorrupção que o país levou décadas para construir”.Diogo Mainardi, fundador do site Antagonista e militante assumido da Lava Jato, também não escondeu o choque com o anúncio de Moro. “Falhei miseravelmente", disse ele em um tuíte sobre o seu empenho pessoal nos últimos anos. Mainardi chamou Moro para ser colunista quando ele deixou o cargo de ministro da Justiça, após o ex-juiz sair atirando contra o governo Bolsonaro em 2020, e foi um dos maiores cabos eleitorais de sua falida campanha a presidente.No Brasil dos últimos anos, o eleitor tem demonstrado que é capaz de perdoar um corrupto, mas não um político visto como traidor. Joice Hasselmann e Alexandre Frota se elegeram deputados na onda bolsonarista de 2018 e depois romperam com o presidente. Perderam o prestígio junto aos eleitores de Bolsonaro e também à oposição, que diverge de suas propostas. Não conseguiram se eleger este ano. Joice concorria a deputada federal, e Frota a deputado estadual, os dois por São Paulo. Boa parte da decadência tucana também pode ser explicada por traições, dentro e fora do partido. O ex-governador do PSDB João Doria perdeu grande parte do seu capital político quando abandonou a prefeitura em abril de 2018, apenas 15 meses após ser eleito em primeiro turno, para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes, com Rodrigo Garcia como vice. O então prefeito havia garantido que ficaria até o final do mandato, mas não cumpriu o compromisso, atraído pela ambição de ser governador. Venceu Márcio França por pequena margem – mas com votos do interior paulista. A capital não perdoou Doria por abandonar a prefeitura, dando vitória a França. O tucano ainda adotou o slogan “Bolsodoria”, para tirar uma casquinha do sucesso de Bolsonaro. Duas traições no mesmo gesto. Ao romper com o presidente no primeiro ano do seu governo, perdeu o prestígio geral dos bolsonaristas que comungavam do mesmo antipetismo que ele. Rejeitado por todos os lados, não conseguiu dar voo a uma candidatura presidencial este ano. São poucos os eleitores que gostam de acompanhar a política partidária do dia a dia. Mas todos são passionais em suas escolhas, com uma expectativa alta sobre a lealdade nas relações e a coerência do discurso de seus eleitos. Muitos brasileiros que votaram no PT no passado se sentem traídos pelos episódios do mensalão e da corrupção descoberta nas investigações da Lava Jato. Algumas acusações foram parte do espetáculo lavajatista para ganhar prestígio com a prisão de Lula, mas é inegável que houve corrupção. Hoje, são também estes eleitores que o partido de Lula encara num momento decisivo. Uma executiva com quem conversei, por exemplo, sabia desde o princípio que votaria no petista contra Bolsonaro. Mas não quis endossá-lo logo no primeiro turno por achar que ele não merecia essa deferência. “Não quero dar esse recado”, disse ela, que votou em Simone Tebet no último domingo. A eleitora era uma das que usava os broches de estrelinhas do PT no peito e distribuía folhetos de candidatos do partido voluntariamente nas eleições de 2002. Sua mágoa com o PT, após vê-lo envolvido em corrupção, nunca mais se apagou. Só com a democracia sob perigo ela decidiu que vai votar, ainda que contrariada, em Lula outra vez. A campanha do petista agora precisa se equilibrar numa corda bamba para não cair diante da boa chance de ganhar a eleição presidencial no segundo turno. Seja para acolher eleitores como a executiva, que não gostam de Lula mas vão engolir o "sapo barbudo" para derrotar Bolsonaro, seja para manter os pés no chão com a vantagem de 6 milhões de votos no primeiro turno. Depois que as pesquisas eleitorais confundiram candidatos e eleitores, qualquer projeção é vista com muita parcimônia. A mais recente, do instituto Ipec, mostrou uma vantagem para Lula: 51% contra 43% de Jair Bolsonaro. O entorno do petista, porém, já admite mais votos para o presidente do que o levantamento, divulgado na quarta-feira, dia 5, captou. Aqui, o risco é se deixar trair pelo “já ganhou”.

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