domingo, 9 de outubro de 2022

Viva Che!

 

22 h 
"Traidor", eu disse a ele, "o senhor é um traidor". Mostrei uma página recortada de um jornal cubano: ele aparecia vestido de pitcher, jogando beisebol. Lembro que ele riu, rimos; se me respondeu alguma coisa, não sei. A conversa ia saltitando, feito bolinha de pingue-pongue, de um tema a outro, de um país a outro, de uma a outra lembrança, saudades da terra dele a experiências da revolução, brincadeiras: "Oque acontece com minha a mão?" "Está maldita" "Maldita?" "Claro que sim: sua mão cumprimentou Frondizi, e Frondizi caiu; cumprimentou Jânio Quadros, e aconteceu a mesma coisa com ele. Ainda bem que eu não tenho de onde cai", eu comentava, fazendo cara de preocupado, e ele ria, franzia as sobrancelhas, sentava, levantava, caminhava pela sala, deixava cair a cinza do seu charuto Cazador e me apontava, com ele, o peito. Com espírito discutidor e nada professoral, recorria, às vezes, a um quadro negro para explicar uma ideia mais complexa, rabiscando com um pedaço de giz: a polêmica ao redor do cálculo econômico e a vigência ou a caducidade da lei do valor na sociedade socialista, ou o sistema de retribuição pelas normas de produção. Era cáustico feito um rio-platense, agressivo e, ao mesmo tempo, fervoroso como um cubano, sincero: generoso com sua verdade, mas em guarda, disposto a mostrar os dentes por ela. Uma força profunda e bela nascia nele, sem cessar, lá de dentro; se delatava, como todos, pelos olhos. Tinha, lembro bem, um olhar puro, limpo, como recém-amanhecido: essa maneira de olhar dos homens que acreditam.
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Texto de Eduardo Galeano sobre Che Guevara, assassinado na Bolívia pelo imperialismo 55 anos atrás enquanto lutava por um mundo sem explorados e exploradores.
Viva os que lutam!
Viva a revolução socialista!
Viva Che!

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