Bresser Pereira.
A agência que substituir o FMI deverá alertar os países que ultrapassarem o limite de déficit em conta corrente.
NOS PRÓXIMOS dias os líderes políticos e econômicos dos grandes países reunir-se-ão para discutir uma nova Bretton Woods, ou seja, uma nova arquitetura e um sistema de regulação mais rigoroso para o sistema financeiro mundial. Aproveitarão também para repassar as medidas que já tomaram para garantir a solvência e para aumentar a liquidez dos bancos.
Nesse ponto, o essencial já foi decidido e está sendo implementado: a recapitalização dos bancos. O crédito, porém, está demorando a ser restabelecido, dada a natural desconfiança dos bancos em relação às demais empresas. Nos Estados Unidos, o Fed vem se encarregando de agir nessa direção; no Brasil, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) já revelou essa disposição, embora aqui o problema dos grandes bancos não seja grave.
Entrementes as previsões quanto às conseqüências reais da crise estão se agravando. O JPMorgan prevê para 2009 queda de 0,5% no PIB dos países ricos e crescimento de 4,2% no dos emergentes. Para o Brasil, as previsões estão tendendo para 2%. Nouriel Roubini fala em estag-deflação. Embora não tenha dúvida quanto à recessão dos países ricos e à diminuição das taxas de crescimento dos emergentes, creio haver excesso de pessimismo. No momento em que as medidas que estão sendo tomadas fizerem efeito -e farão- deixará de haver motivo para a retração violenta da atividade econômica que está sendo prevista.
Como aconteceu em 1929, a crise financeira terá conseqüências reais, mas não serão tão graves porque, ao contrário do que ocorreu naquela época, os governos agora agiram com rapidez e competência para enfrentá-la. Deverão, adicionalmente, tomar medidas fortes para neutralizar a natural contração real da demanda. Medidas dessa natureza começaram a ser tomadas ainda pelo governo Hoover depois de 1929, mas eram tímidas; as políticas mais fortes vieram com Roosevelt, mas em 1933 o desastre já estava feito.
O que constituirá uma nova Bretton Woods em vez de meros remendos à desgovernança montada desde 1971? Nessa questão, é preciso diferenciar o crédito interno a empresas do crédito externo a países para cobrir déficits em conta corrente. No crédito interno, o essencial é uma regulação muito maior sobre os bancos de varejo, ao mesmo tempo em que se tomem medidas duras para reduzir a desintermediação financeira -ou seja, a concessão de crédito por agências que não são bancos comerciais. É necessário também limitar os bônus dos agentes financeiros, porque são uma causa maior de especulação irresponsável.
No plano internacional, o fundamental é limitar o crédito dado aparentemente a empresas, mas que, na verdade, financia déficits em conta corrente. Em Bretton Woods não havia essa preocupação, e o Banco Mundial foi criado para viabilizar déficits em conta corrente ou `crescimento com poupança externa`.
Recentemente, ficou afinal claro que os países não crescem com poupança externa, mas com um bom sistema de crédito interno e com suas próprias poupanças. Os déficits em conta corrente são apenas causa de substituição da poupança interna pela externa, e por crises do balanço de pagamentos. A agência internacional que substituir o FMI (Fundo Monetário Internacional) deverá ter como uma de suas atribuições principais alertar publicamente os países que ultrapassarem o limite, a ser convencionado internacionalmente, de déficit em conta corrente.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA - professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de `Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994`.
Internet: www.bresserpereira.org.br.
Fonte:AEPET.
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