Ricardo Carneiro.
A todos, exceto os beneficiários de sempre, deve estar ocorrendo perguntar o que nos torna tão particulares a ponto de irmos na contra-mão das decisões dos principais bancos centrais do mundo, cuja atitude, diante da ameaça de uma crise de grande intensidade, tem sido a de reduzir suas taxas de juros básicas. A análise é de Ricardo Carneiro.
Os brasileiros, que por ofício ou necessidade, acompanham a evolução das economias internacional e brasileira devem estar dando tratos a bolas para entender a recente decisão do Banco Central do Brasil em manter a taxa de juros, no extravagante patamar de 13,75% ao ano. A todos, exceto os beneficiários de sempre, deve estar ocorrendo perguntar o que nos torna tão particulares a ponto de irmos na contra-mão das decisões dos principais bancos centrais do mundo, cuja atitude, diante da ameaça de uma crise de grande intensidade, tem sido a de reduzir suas taxas de juros básicas, algumas das quais já em níveis negativos, como no caso americano.
O caso é grave não só porque o Brasil trilha um caminho oposto ao das principais economias globais, mas, também, porque ao manter a taxa de juros realiza uma política contraditória com o conjunto das medidas postas em prática pelo Governo, após o agravamento da crise. Não custa aqui relembrar a oportunidade e intensidade dessas iniciativas – várias delas emanadas do próprio Banco Central - mormente na área monetária e creditícia: redução dos compulsórios; venda de divisas no mercado à vista e de proteção contra a variação cambial; alimentação das linhas de crédito ao comércio exterior com reservas internacionais; garantia de volume de crédito para várias atividades por meio dos bancos públicos.
O sentido da política é inequívoco: diante de uma manifestação aguda de aversão ao risco detonada pelo aprofundamento da crise, evitar que esta exacerbação da preferência pela liquidez dos agentes e, principalmente, dos bancos, se transforme numa severa contração do crédito. Ora, mas se é isto que se quer evitar, qual o sentido de manter a taxa de juros em patamar tão elevado? Não seria mais lógico e coerente reduzir a taxa de juros e desestimular a corrida dos agentes em direção aos títulos públicos – no caso do Brasil generosamente remunerados e sem riscos?
Custa a crer que o Banco Central a esta altura do campeonato esteja preocupado com o crescimento muito rápido da demanda agregada. Como todos os indicadores estão demonstrando, diante da trajetória do crédito a sua forte desaceleração será praticamente inevitável. O crédito tem ficado escasso e mais caro por conta da instabilidade macroeconômica e a postura dos bancos. No caso do crédito corporativo observa-se ademais uma clara contração acompanhada de desaceleração dos novos empréstimos às famílias.
Certamente também não deve ser objetivo do BC evitar ataques especulativos contra a nossa moeda. Dado o estado de aversão ao risco dos investidores internacionais a tentativa de segurá-los aqui por meio de maiores taxas de juros, será inócua. No caso brasileiro é preciso lembrar que uma parcela desses investidores tem perfil especulativo e foi atraída para cá exatamente por diferenciais elevados de taxas de juros, que agora não os satisfazem mais. Nesse caso, as medidas deveriam se restringir à regulação da volatilidade excessiva e a prevenção da formação de posições especulativas por parte dos investidores nacionais e estrangeiros com perfil de aplicadores de longo prazo.
Diante das evidências discutidas acima a preservação da taxa de juros pelo BC revela-se enigmática. Não é possível acreditar que num momento de crise tão grave, e de riscos de uma forte recessão global, o BC tenha apostado em uma redução ainda maior do crescimento para assegurar que no futuro longínquo a taxa de inflação se mantenha exatamente dentro da meta. Isto sem contar que outro efeito perverso da manutenção das taxas será a preservação dos juros pagos pelo setor público reduzindo a potência de uma eventual ação anticíclica. É necessário reafirmar que se a crise se agravar, a ampliação do gasto público será o nosso principal instrumento para minimizá-la. Logo, a quem interessa a postura do BC?
* Ricardo Carneiro é Professor Titular do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da UNICAMP.
Fonte:Agência Carta Maior.
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