sábado, 30 de maio de 2009

CHINA - Cara a cara com Mao Tse Tung

Também estive lá em 1979, onde passei 15 dias numa viagem de serviço, quando era empregado da Petrobrás Comércio Internacional.Com relação ao texto abaixo, discordo em várias afirmações do mesmo.Como pode o Grande Timoneiro, como Mao é chamado na China, ser tão venerado até hoje e ao mesmo tempo ser responsabilizado pela morte de 70 milhões de chineses? Também dizer que com Mao foram 27 anos de atraso, é desconhecer o que era a China antes da revolução. Se o autor considerasse como atraso só o período da chamada "Revolução Cultural", tudo bem.Também afirmar que com Mao ocorreu a destruição da história e cultura milenar é "forçar muito a barra". Carlos Dória


André Boaventura

-Façam fila! Câmeras fotográficas nem pensar! E silêncio!

Assim é o clima entre os visitantes prestes a entrar no Mausoléu de Mao Tse Tung, no coração de Pequim. Placas e soldados deixam bem claro o comportamento solene necessário em lugar tão sagrado para os chineses.

O prédio, feito em arquitetura de linhas retas e ângulos de 90 graus, bem ao estilo "caixotão" comunista, foi construído para homenagear os pais da revolução socialista. Estou longe de ser um bom fotógrafo, mas pelo retrato aí, dá pra ter uma idéia. Na sala principal, o "grande timoneiro" Mao repousa em sono eterno.

O mausoléu fica ao sul da Praça da Paz Celestial, famosa nas imagens do estudante chinês enfrentando os tanques de guerra em 89. A sede do partido comunista também fica lá.

Muito perto, ao norte, está a Cidade Proibida, cartão postal mais conhecido de Pequim, com aquela foto enorme de Mao na entrada. A imagem é bem conhecida, não? Se alguém pudesse caminhar do corpo de Mao Tse Tung até a entrada central da Cidade Proibida, reservada antigamente apenas para os Imperadores, perceberia que é uma linha reta perfeita. Tudo muito simbólico.

Eu estava particularmente ansioso para aquele momento. No Brasil, ouvimos muito falar em Mao Tse Tung mas nunca pensamos, um dia, poder estar frente a frente ao corpo do próprio.

Minha curiosidade era grande também com o corpo embalsamado. Seria como os bonecos de cera do museu londrino Madame Tussauds?

Os 27 anos de governo de Mao representaram um enorme atraso para o país. Professores, cientistas e artistas forçados ao trabalho pesado no campo e nas indústrias. A Cultura e a História milenar foram destruídas em nome de uma nova ideologia.

Mais de 70 milhões de chineses morreram de fome ou nos campos de concentração sob seu comando. Um currículo sanguinário.

No entanto, Mao é celebrado ainda hoje como o maior herói do país. Seu rosto está em todas as notas de dinheiro. Duvida? Olha a prova aí.

Quase todo nativo sonha estar na fila onde eu me encontrava naquele dia frio de janeiro. Como os muçulmanos rumam à Meca, é esperado do chinês que visite o túmulo ao menos uma vez na vida. Todos caminhando com passos lentos, um atrás do outro, para prestar homenagem ao corpo do ditador.

Na porta, alguns chineses vendiam flores para serem ofertadas dentro do prédio.

Se você não está nem aí para a fila ou para a visita turística, é melhor ficar longe do Mausoléu. Militares circulam e desconfiam, a todo momento, de pessoas que estejam ali perto sem a intenção clara de entrar.

Eis que chegou o grande momento. Em fila indiana, entrei em silêncio na sala do corpo de Mao Tse Tung. Ele jazia numa redoma de vidro, coberto por uma bandeira com a foice e o martelo. Salão escuro, com luz apenas no grande líder deitado, e nos quatro soldados que ficam de prontidão 24 horas por dia. Rosto pálido, olhos fechados. Não é permitido tirar fotos, mas é pra isso que serve a internet. Veja como é aqui .

Não é permitido demorar-se muito ali. Há muita gente do lado de fora. Eu ainda tive sorte, pois aguardei apenas 10 minutos. O normal é que a espera passe de uma hora.

Mas a surpesa maior estava prestes a acontecer. Com um passo para fora do salão, toda aquela experiência de solenidade e respeito se despedaçou feito vaso de porcelana.

Uma gritaria frenética contrastou com o clima macabro do quarto ao lado: chineses, em banquinhas e quiosques, vendiam todo o tipo de objeto com a foto do ditador: chaveiros, copos, toalhas, camisetas, calendários. Tudo ainda dentro do mausoléu.

Quem gritava mais alto chamava a atenção de mais turistas. Chegavam até a puxar os clientes pelos braços, na ânsia de vender os produtos.

Aquilo me impressionou. Era a antítese de toda a ideologia que Mao Tse Tung pregou em vida. O capitalismo mais ralo girando a todo vapor enquanto o líder comunista repousava no salão adjacente.

Que ironia! Seu rosto era o mote de cada bugiganga. Vendiam os objetos de Mao e trocavam-nos pelas notas de dinheiro... de Mao! Ele se tornou a marca maior do capitalismo do seu país.

Além da contradição de sistemas econômicos, aquela experiência representou um profundo desrespeito à memória daquele que os chineses dizem tanto prezar.

Quer dizer que é proibido tirar fotos ou falar alto no recinto onde dorme o governante, mas a feira-livre a poucos metros do corpo é incentivada?

Mao Tse Tung é o símbolo mais forte da contradição que vive aquele país.

Uma nação que ainda não encontrou o equilíbrio entre sua cultura milenar, o sistema político comunista e o fascínio com a invasão das "Nikes", "Mcdonald's" e outras marcas internacionais.

*André Boaventura é jornalista, faz curso de mandarim há 4 anos e esteve duas vezes na China em 2008. É autor do blog De vez em quando .
Fonte:Blog SRZD

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