sexta-feira, 31 de julho de 2009

ECONOMIA - O futuro mais além do varejo.

Carlos Lessa (Valor Econômico)

É alvissareira a notícia da recuperação das vendas de varejo. O IBGE atribui este desempenho ao fato de que a massa salarial está, neste ano, acima da verificada no mesmo período do ano passado, apesar de a taxa de desemprego ter aumentado. Foi notável o crescimento do varejo de eletrodomésticos, refletindo as isenções de IPI. É significativo que, no varejo, o segmento que permanece deprimido seja exatamente o dos estabelecimentos que vendem equipamentos e material para escritório, informática e comunicação; em maio deste ano permanecem 11% menores que em setembro de 2008. Este segmento tem nas empresas o mercado principal, o que indica a fraqueza relativa do investimento produtivo.

Em contraponto ao bom desempenho do varejo, temos um quadro desfavorável de contração de 27% da corrente de comércio brasileira em 2009. A soma de importações e exportações está 27% inferior à registrada no mesmo período em 2008. O superávit comercial caiu menos que as importações. Este é um resultado previsível com a continuidade da crise mundial e com a debilidade do investimento produtivo das empresas instaladas no Brasil.

Duas perguntas necessitam ser estrategicamente respondidas. A crise mundial será resolvida com rapidez por um G-20 efetivo ou o dinamismo mundial permanecerá com o `G-2` (binômio EUA-China)? Não é previsível nenhuma retomada próxima de dinamismo nos EUA. As famílias americanas estão contendo gastos e a evolução do déficit fiscal americano não poderá manter a taxa de crescimento de 2009. O crescimento chinês se alimentou do endividamento dos EUA. Ouvi de Antonio Napole a bela imagem de `irmãos siameses ligados pelo fígado` ao binômio EUA-China. Podem vir a se odiar, mas são inseparáveis em um horizonte previsível. Tanto na China quanto nos países de sua diáspora (Taiwan, Tailândia, Filipinas etc) estão instaladas milhares de filiais americanas. Sete mil na China, 1.800 somente em Hong-Kong. Taiwan é uma `maquila` mais relevante que a do México. Li sobre a estimativa que mais de 40% das exportações chinesas são realizadas por filiais americanas instaladas na China. O binômio estará por trás de uma lenta recuperação da economia mundial e a desordem financeira potencial poderá estourar outras `sub-bolhas` que não a do subprime imobiliário. A situação dos cartões de crédito nos Estados Unidos é extremamente inquietante.

A opção estratégica chinesa é estimular seu mercado interno. É fácil deduzir que procurará modificar a estrutura de suas reservas em títulos de dívida americana. A China tentará ocupar os vazios criados pela debilidade parcial dos Estados Unidos. Na África Subsaariana irão se multiplicar projetos de pacotes chineses e provavelmente será estimulada a constituição de uma nova diáspora chinesa na África. Angola, nação com petróleo, está recebendo uma onda de empresas chinesas apoiadas diretamente pelo Banco Industrial da China. Uruguai, Argentina e Chile são objeto de desejo para a China, os dois primeiros como ofertantes de alimentos e matérias primas agropecuárias e o Chile como uma nova plataforma para o Pacífico. É fácil entender a oferta chinesa de um pacote - que inclui mão-de-obra - para a construção de um novo túnel pelos Andes. O vácuo dos EUA seria o espaço para a ampliação da China e, se o Brasil não abrir os olhos, o sonho do Mercosul será mais um registro frustrado. Talvez a opção geopolítica da Argentina venha a ser a opção primário-exportadora para a China, em vez de ser como um Canadá sofisticado intimamente articulado com o Brasil.

O Brasil, com suas potencialidades, poderá, via estímulo de nosso mercado interno, consolidar o Mercosul. Para a Argentina, sofisticada prestadora de serviços, uma crescente interarticulação industrial Brasil-Argentina será altamente estimulante a opção de vir a ser o Canadá sul-americano. O crescimento do Brasil pelo mercado interno ampliará, de forma espetacular, o comércio brasileiro com a América do Sul.

O Brasil pode, pela economia do petróleo e por uma conversão radical de nossa matriz de transporte fazendo crescer as infraestruturas ferroviária e aquaviária como grandes troncos de integração brasileira e sul-americana, projetar um crescimento sustentado acima de 5% ao ano.

O Brasil tem a fantástica potencialidade de elevar substancialmente a produtividade macroeconômica pela matriz de transporte reduzindo o peso da modalidade rodoviária, e ampliar a disponibilidade de energia pro habitante sem escorregar para a opção etílica-petroleira, pois podemos dispor do crescimento da economia do petróleo sem expandir a termoeletricidade. Afinal, somos, dos grandes países, o único que dispõe de enorme potencial hidráulico como fonte de energia elétrica.

Não tem sentido tentar preservar o modelo de República Velha. O Brasil pode, com a industrialização retomada para o mercado interno, crescer sua pauta de exportação de produtos industrializados.

O sonho do G-20 talvez venha a se materializar em um futuro remoto, porém o Brasil pode retomar o desenvolvimento do passado e superar a mediocridade dos últimos 25 anos. A crise abriu janelas ideológicas para formularmos um projeto nacional não neoliberal.

Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira da UFRJ.

Publicado originalmente: Valor Economico - 29/07/09./AEPET

Nenhum comentário: