quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CRISE DA DÍVIDA - A emergência de um movimento de massas.

Do ''Ocupa Wall Street'' ao ''Ocupa América'': a emergência de um movimento de massas

“Enquanto alguns jovens foram inspirados pela ocupação da Praça Tahrir e pelos indignados/as de Espanha, este é um movimento essencialmente americano sobre problemas americanos. A turma do ‘Ocupa Wall Street’ está furiosa com as corporações e muitos estão revoltados com o governo também, são geralmente hostis aos Republicanos e estão desapontados com os Democratas. Frustrados/as com a situação econômica e política, querem taxar os ricos, querem parar as execuções das hipotecas, querem empregos para si e para todos os outros desempregados/as. Muita gente exige o fim das guerras no Iraque e no Afeganistão”.

O comentário é de Dan la Botz publicado no sítio Europe Solidarie Sans Frontièrs e traduzido e reproduzido pelo síto esquerda.net, 18-10-2011.

Eis o artigo.

Um punhado de pessoas jovens iniciou o “Ocupa Wall Street” em meados de setembro como um protesto contra bancos e grandes grupos econômicos que se tornaram ricos enquanto a maior parte de americanos se tornaram mais pobres. Em algumas semanas tinham atraído centenas e depois milhares para as marchas e manifestações na cidade de Nova Iorque - uma delas tendo levando à prisão de centenas na Ponte de Brooklin.

A toada do movimento “somos os 99%” ressoou não só pelo desfiladeiro de Wall Street como pelo país fora”. Agora há imensos grupos “Ocupa” através dos Estados Unidos que acampam em lugares públicos, marchando e reunindo-se em grandes e pequenas cidades contra a ganância dos grandes grupos.

“Ocupa Wall Street” e seus sucessores, que na quase totalidade começaram com a juventude branca, tornaram-se não só maiores como mais diversos, atraindo gente de todas as carreiras profissionais e de cada segmento da sociedade. Eles estão tornando verdadeiro o que entoam: “É este o aspecto que a democracia tem”.

Enquanto alguns jovens foram inspirados pela ocupação da Praça Tahrir e pelos indignados/as de Espanha, este é um movimento essencialmente americano sobre problemas americanos. A turma do “Ocupa” está furiosa com as corporações e muitos estão revoltados com o governo também, são geralmente hostis aos Republicanos e estão desapontados com os Democratas. Frustrados/as com a situação econômica e política, querem taxar os ricos, querem parar as execuções das hipotecas, querem empregos para si e para todos os outros desempregados/as. Muita gente exige o fim das guerras no Iraque e no Afeganistão.

Uma organização impressionante

Enquanto a maior parte dos que estão no Parque Zuccotti são de Nova Iorque, outros vieram sós ou aos pares de todo o país para tomar posição contra a ganância corporativa. Os visitantes estão impressionados com a organização: a cozinha, o centro médico, o centro de meios de comunicação, as palestras diárias. Intelectuais como Joseph Stiglitz, antigo economista chefe do Banco Mundial; Jeffrey Sachs, Professor de Harvard e conselheiro especial do secretário geral das Nações Unidas; e Barbara Ehrenreich, feminista e autora. Há agora também um jornal, The Occupied Wall Street Journal [1], que planeja em breve passar a ser nacional. Dezenas de milhares de dólares foram recolhidos através de pequenas contribuições tanto através do ''Ocupa Wall Street'' como do jornal.

O movimento pacífico teve encontros com a polícia tanto na cidade de Nova Iorque como noutras grandes e pequenas cidades, mas forjou o seu avanço. Houve dezenas de detenções não só na cidade de Nova Iorque como em Boston, Seattle, Des Moines e contudo, isto não esmoreceu o movimento crescente. O fim-de-semana de 8-9 de outubro viu uma enorme manifestação de 10 000 em Portland e um protesto de tamanho considerável com 750 em Cincinnati. Enquanto, como habitualmente, as coisas nas duas costas podem ser maiores, movendo-se mais rapidamente e mais radicais, o movimento também tocou a região "só de passagem" do oeste central.

Em Chicago protestos anteriormente planeados pelo Sindicato Internacional dos Empregados de Serviços (SEIU), outros sindicatos e grupos cidadãos arrastaram milhares para manifestações contra instituições financeiras que acabaram a fundir-se com Ocupar Chicago, um desenvolvimento que tanto pode fortalecer como afundar o movimento “Ocupa” daí.

Utópico e inspirador

“Ocupa” é em parte uma junção de ativistas. Observando qualquer das manifestações em qualquer cidade em qualquer dia vemos passar nas t-shirts e casacos todos os logótipos de todos os movimentos que atingiram o país na década passada: anti-guerra, LGBTQ, execuções de hipotecas e ativistas de direitos civis.

Marchando entre eles estão outros novos no movimento, operários e empregados de serviços, por enquanto sem os seus logos, palavras-de-ordem e estandartes, empunhando cartazes pintados à mão com palavras-de-ordem como “Criem Empregos”, “Reformem Wall Street”, “Taxem mais os Ricos” e “O povo é demasiado grande para falir” (uma referência ao argumento de que o governo dos Estados Unidos teve de salvar os bancos porque eles serem “demasiado grandes para falir”). O sentido de esperança que o movimento está a criar foi expresso por um cartaz em Wall Street que dizia: “Esta é a primeira vez que me sinto com esperança há muito tempo”.

O movimento tem um caráter utópico. Muitos dos implicados querem não só superar os efeitos imediatos da crise econÔmica - querem uma vida melhor, um país melhor, um mundo melhor. O movimento enquanto tal não tem nenhuma ideologia. Isto é o populismo de tipo ala esquerda: o povo contra as grandes empresas e um mau governo. Embora haja anarquistas e eles lhe tenham dado um pouco do seu estilo, não é um movimento anarquista. Embora haja alguns socialistas, o movimento não é de modo nenhum socialista. O que é possivelmente melhor e mais excitante neste movimento é a confluência de muitos movimentos sociais com gente da classe média e da classe trabalhadora que chegou à Wall Street ou à Rua Principal de alguma outra grande ou pequena cidade para dizer “estamos fartos”. O utopianismo do movimento inspirou gente comum a dizer, “podemos viver de forma diferente, temos de fazê-lo e fá-lo-emos.”

Mais ou menos um mês depois do movimento “Ocupa”, os sindicatos começaram a ganhar interesse. Em Nova Iorque os sindicatos reuniram milhares de membros para uma marcha importante em outubro. Aproximadamente ao mesmo tempo, Richard Trumka, o líder do AFL-CIO [2] exprimiu-se publicamente a favor do movimento, tal como líderes de vários sindicatos nacionais e locais. Contudo o AFL-CIO e o movimento “Ocupa” permanecem desconfiados um em relação ao outro.

O objetivo principal do AFL no próximo ano é ajudar Obama e os Democratas a ganhar as eleições de novembro de 2012 e tanto o AFL como os Democratas gostariam de compreender como tirar partido do “Ocupa” para os seus objetivos políticos. Muitos no movimento “Ocupa” gostariam de ter mais trabalhadoras/es envolvidos, os sindicatos envolvidos, mas temem a mão pesada da burocracia sindical. E alguns, antes do mais, temem a perda da sua independência política em favor de funcionários de sindicatos e de Democratas.

“Ocupa Wall Street” e a política

O Partido Republicano, naturalmente, detesta a política do “Ocupa”. O líder da maioria da Câmara dos Representantes Eric Cantor referiu-se aos Ocupantes como "populacho". Aludindo ao presidente Barack Obama disse “Alguns nesta cidade perdoam 'lançar americanos contra americanos'”. Mitt Romney, o principal concorrente à nomeação presidencial Republicana disse “penso que é perigosa esta guerra de classes”. O que quer que possam dizer aos meios de comunicação, o verdadeiro medo dos Republicanos é que o “Ocupa Wall Stree”t possa impulsionar os Democratas, se bem que esperando que o radicalismo do movimento empurre estes seus oponentes para a esquerda, custando-lhes votos ao centro.

O Comitê de Campanha para o Congresso do Partido Democrático e o think-tank Centro para o Programa Americano gostaria de atar os laços Democratas ao “Ocupa Wall Street”, acreditando que o movimento poderia soprar vento nas velas do partido para 2012. Outros líderes do partido temem que a identificação com o movimento desloque o partido para a esquerda e para longe do centro, onde acreditam que os eleitores estão. E ainda mais importante, alguns líderes do Partido Democrata argumentam que apoiar um grupo que está a atacar Wall Street pode resultar em menos doações dos bancos e grandes grupos econômicos que financiam os democratas. Bernie Sanders, o único independente no Senado que se denomina a si próprio socialista (embora pertença ao grupo parlamentar dos Democratas) falou ao movimento “Ocupa” através dum artigo de opinião apelando ao governo para quebrar os bancos, apoiar as pequenas empresas e impedir a especulação na indústria do petróleo. Esse era o programa do Partido Progressista de 1912, o programa tradicional do populismo americano, mas passa completamente ao lado do espírito radical deste movimento.

Alguns democratas gostariam de ver o “Ocupa Wall Street” tornar-se no seu Tea Party [4], o grupo de direita que trouxe nova vitalidade aos republicanos. Mas os ativistas do “Ocupa Wall Street” mantiveram a distância em relação aos Democratas recusando-se a fornecer-lhes uma plataforma para os seus candidatos. Por exemplo, quando o deputado John Lewis, uma lenda do movimento dos direitos civis e congressista liberal afroamericano da Geórgia apareceu em “Ocupa Atlanta”, não lhe foi permitido falar. Aparentemente, até agora, o movimento está empenhado em defender a sua independência.

Notas:

1 - Trocadilho irônico com o nome de The Wall Street Journal, neste momento parte do grupo do magnata Rupert Murdoch
2 - A maior federação de sindicatos dos EUA, representando cerca de 11 milhões de trabalhadores/as [adaptado de Wikipedia].
3 - Organização que faz investigação e se envolve na defesa de ideias em áreas como políticas sociais, estratégia política, economia, questões militares ou tecnológicas; pode estar ligados a partidos políticos, governos, grupos de pressão, grandes grupos económicos ou serem independentes deles [adaptado de Wikipedia].
4 - Movimento populista norte-americano considerado em geral como conservador. Defende redução dos gastos governamentais, oposição à cobrança de impostos em vários graus, redução da dívida nacional e do déficit orçamental federal e adesão a uma interpretação do sentido original da Constituição [adaptado de Wikipedia].

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