O homem que permitiu que houvesse Lula: Zé Ibrahim (1946-2013)
3 de maio de 20132
Ele elevou o movimento sindical a um novo patamar no auge da ditadura.
Morto esta semana aos 66 anos, José Ibrahim foi um heroi esquecido do sindicalismo brasileiro.
Aos 21 anos, foi ele que comandou, em 1968, a primeiro grande rebelião sindical no Brasil contra a ditadura militar de 1964: a greve histórica de Osasco.
Zé Ibrahim era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Ele derrotara nas urnas o chamado “peleguismo” – funcionários patronais postos nos sindicatos para controlar os funcionários.
As greves eram proibidas, e os trabalhadores não tinham, portanto, como reagir à corrosão salarial provocada pela inflação.
Foi um período de brutal concentração de renda.
José Ibrahim se tornara uma celebridade na resistência alguns meses antes da greve. Ele foi vital num dos mais audaciosos desafios à ditadura militar, no dia Primeiro de Maio de 1968.
Parece história de cinema.
O governador de São Paulo Roberto de Abreu Sodré (indicado pela ditadura militar, sem eleições) preparara uma festa na Praça da Sé, em conjunto com os sindicatos pelegos.
Zé Ibrahim foi um dos líderes de uma ação de sabotagem espetacular. Militantes sindicais e estudantes romperam o cordão de isolamento, tomaram o palanque quando o governador já estava no local e puseram fogo nele. Abreu Sodré teve que se esconder dentro da igreja da Sé, bem como os sindicalistas pelegos. “Então, nós fizemos a nossa manifestação”, lembraria, anos depois, Ibrahim.
Mas sua obra magna viria depois: a greve de Osasco, iniciada no dia 16 de julho de 1968. Mais de 6 mil trabalhadores participaram do movimento e tomaram várias fábricas da cidade.A polícia, com a ajuda do Exército, invadiu as fábricas. Um dos chefes da greve, Zequinha Barreto, iniciou uma insólita pregação aos soldados. Disse que eles também eram filhos de trabalhadores, e deviam desobedecer a seus chefes.
Numa entrevista, José Ibrahim relembraria, muitos anos depois, o episódio. “O Barreto aproximou- se da cerca e fez um discurso para os soldados, conclamando-os a não acatar as ordens, a não reprimir os trabalhadores. Foi uma cena impressionante, toda a massa se colocou atrás dele e os soldados vacilaram. A oficialidade da Força Pública teve que usar a firmeza para fazê-los avançar (…). Houve muito combate corpo a corpo, os operários estavam dispostos a brigar (…). “
José Ibrahim acabaria preso em 1969. “Fui torturado, vários dias”, disse. No mesmo ano, em setembro, o embaixador americano foi sequestrado e ele foi um dos prisioneiros políticos trocados pela libertação do diplomata.
Ficou fora do país por dez anos.
“Nunca criei raízes nos países pelos quais passei, Cuba, Chile e Bélgica”, disse ele numa entrevista. “Eu trabalhava para sobreviver e estudava. Sempre gostei muito de estudar e ler.”
Voltou com a anistia, em 1979. Foi para Osasco e se reincorporou à vida sindical. Logo teve seus primeiros contatos com a turma do ABC, liderada por Lula. Foi um dos fundadores do PT, e nele ficou sete anos.
Depois do exílio, jamais teve a proeminência de antes no movimento sindical. O eixo do sindicalismo mudara para São Bernardo e para Lula.
Seus dias de glória sindical tinham ficado para trás.
Zé Ibrahim viveu seus últimos anos no ostracismo. Mas sua morte como que acordou muitos brasileiros para a importância do papel épico que ele, tão garoto, desempenhou na resistência à ditadura com seu lendário Grupo de Osasco.
Zé Ibrahim como que permitiu que houvesse Lula.
Numa de suas últimas entrevistas, ele disse: “Temos que avançar muito mais. Temos um longo caminho pela frente para mudar várias coisas no Brasil. Avançamos pouco, acho que poderia ter sido mais, mas temos que continuar acreditando nas mudanças.”
Este artigo é dedicado à memória de Emir Macedo Nogueira (1927-1982), que foi professor de português de José Ibrahim e de Zequinha Barreto, do chamado Grupo de Osasco, no colégio Ceneart.
Morto esta semana aos 66 anos, José Ibrahim foi um heroi esquecido do sindicalismo brasileiro.
Aos 21 anos, foi ele que comandou, em 1968, a primeiro grande rebelião sindical no Brasil contra a ditadura militar de 1964: a greve histórica de Osasco.
Zé Ibrahim era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Ele derrotara nas urnas o chamado “peleguismo” – funcionários patronais postos nos sindicatos para controlar os funcionários.
As greves eram proibidas, e os trabalhadores não tinham, portanto, como reagir à corrosão salarial provocada pela inflação.
Foi um período de brutal concentração de renda.
José Ibrahim se tornara uma celebridade na resistência alguns meses antes da greve. Ele foi vital num dos mais audaciosos desafios à ditadura militar, no dia Primeiro de Maio de 1968.
Parece história de cinema.
O governador de São Paulo Roberto de Abreu Sodré (indicado pela ditadura militar, sem eleições) preparara uma festa na Praça da Sé, em conjunto com os sindicatos pelegos.
Zé Ibrahim foi um dos líderes de uma ação de sabotagem espetacular. Militantes sindicais e estudantes romperam o cordão de isolamento, tomaram o palanque quando o governador já estava no local e puseram fogo nele. Abreu Sodré teve que se esconder dentro da igreja da Sé, bem como os sindicalistas pelegos. “Então, nós fizemos a nossa manifestação”, lembraria, anos depois, Ibrahim.
Mas sua obra magna viria depois: a greve de Osasco, iniciada no dia 16 de julho de 1968. Mais de 6 mil trabalhadores participaram do movimento e tomaram várias fábricas da cidade.A polícia, com a ajuda do Exército, invadiu as fábricas. Um dos chefes da greve, Zequinha Barreto, iniciou uma insólita pregação aos soldados. Disse que eles também eram filhos de trabalhadores, e deviam desobedecer a seus chefes.
Numa entrevista, José Ibrahim relembraria, muitos anos depois, o episódio. “O Barreto aproximou- se da cerca e fez um discurso para os soldados, conclamando-os a não acatar as ordens, a não reprimir os trabalhadores. Foi uma cena impressionante, toda a massa se colocou atrás dele e os soldados vacilaram. A oficialidade da Força Pública teve que usar a firmeza para fazê-los avançar (…). Houve muito combate corpo a corpo, os operários estavam dispostos a brigar (…). “
José Ibrahim acabaria preso em 1969. “Fui torturado, vários dias”, disse. No mesmo ano, em setembro, o embaixador americano foi sequestrado e ele foi um dos prisioneiros políticos trocados pela libertação do diplomata.
Ficou fora do país por dez anos.
“Nunca criei raízes nos países pelos quais passei, Cuba, Chile e Bélgica”, disse ele numa entrevista. “Eu trabalhava para sobreviver e estudava. Sempre gostei muito de estudar e ler.”
Voltou com a anistia, em 1979. Foi para Osasco e se reincorporou à vida sindical. Logo teve seus primeiros contatos com a turma do ABC, liderada por Lula. Foi um dos fundadores do PT, e nele ficou sete anos.
Depois do exílio, jamais teve a proeminência de antes no movimento sindical. O eixo do sindicalismo mudara para São Bernardo e para Lula.
Seus dias de glória sindical tinham ficado para trás.
Zé Ibrahim viveu seus últimos anos no ostracismo. Mas sua morte como que acordou muitos brasileiros para a importância do papel épico que ele, tão garoto, desempenhou na resistência à ditadura com seu lendário Grupo de Osasco.
Zé Ibrahim como que permitiu que houvesse Lula.
Numa de suas últimas entrevistas, ele disse: “Temos que avançar muito mais. Temos um longo caminho pela frente para mudar várias coisas no Brasil. Avançamos pouco, acho que poderia ter sido mais, mas temos que continuar acreditando nas mudanças.”
Este artigo é dedicado à memória de Emir Macedo Nogueira (1927-1982), que foi professor de português de José Ibrahim e de Zequinha Barreto, do chamado Grupo de Osasco, no colégio Ceneart.
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