O BRASIL E A MACONHA URUGUAIA
(JB) - Uma delegação governamental brasileira, composta de
autoridades do Governo Federal e do estado do Rio Grande do Sul, pretende
visitar o Uruguai, nos próximos dias, para – segundo informam os jornais -
“alertar” as autoridades de Montevideo a respeito do projeto de lei que
legaliza a venda e o cultivo de maconha que está para ser votado este mês
naquele país.
O Brasil estaria preocupado – e para isso tentando se meter
em um assunto que só interessa ao povo uruguaio – com as consequências do
projeto para o país de Mujica e os “outros nações da região”.
Do ponto de vista do Brasil – mergulhado em uma pandemia de
crack e em uma guerra tão inútil, quanto mal sucedida, contra uma praga que já
contaminou toda a sociedade - não dá para perceber em que aspecto a venda de
maconha no Uruguai poderia piorar ainda mais a situação.
E muito menos que tipo de “orientação”, o Brasil poderia dar,
nesse aspecto, ao governo de Pepe Mujica.
Será que o Brasil vai ensinar ao Uruguai a defender suas
juízas para que elas não sejam assassinadas, ao descobrir que dezenas de policiais, trabalhando em um mesmo
bairro, recebiam regularmente dinheiro
de traficantes de drogas?
Ou será que vai propor à polícia uruguaia que use kits de
teste, para evitar prender automaticamente qualquer um que esteja portando um
papelote, ou uma “pedra”, mesmo que ali só haja anfetamina misturada com pó de
mármore e bicabornato de sódio?
Será que iremos ensinar o Uruguai a não perder, em confrontos
relacionados à repressão ao tráfico de drogas, em apenas três cidades, quase
2.000 pessoas assassinadas por ano?
Ou será que vamos ensinar a solucionar os problemas de
superlotação, de péssima condição e das mortes por problemas de saúde e de
violência nas cadeias uruguaias?
Como mostram estas poucas perguntas - irônicas, está claro -
há uma série de assuntos, entre eles
corrupção, tráfico de drogas, violência, situação carcerária, procedimento
legal no momento da prisão, etc, em que o Brasil não está em condições de dar
lições a ninguém.
E muito menos ao povo uruguaio, um país que tem uma cultura e
uma qualidade de vida – para ficar apenas em dois aspectos – muitíssimo
superior às que nós temos aqui.
Para resolver o problema de drogas no Brasil e em outros
países, é preciso, primeiro – como está fazendo o Uruguai - parar de
relativizá-las hipocritamente.
O cigarro e a bebida – considerando-se o câncer, a violência
e os acidentes de trânsito - matam tanto, direta e indiretamente, quanto a
maconha, o crack e a cocaína, por exemplo.
Toda substância que afeta a mente e o comportamento é droga.
Nunca vi ninguém deixar de fazer bêbado, o que faria sob o efeito de outras
drogas, até porque o álcool é a droga de entrada, a partir da qual o usuário é
apresentado às outras.
Um sujeito, sob o efeito de cocaína, pode matar a família a
pauladas, em São Paulo, do mesmo jeito que outro faz o mesmo a machadadas, no
interior da Bahia, depois de passar a noite bebendo pinga e fumando cigarro de
palha.
Ora, se sequer proibimos a publicidade de álcool na
televisão, como queremos nos meter nos assuntos internos de terceiros países
para influenciar o que eles vão fazer com relação á maconha?
No Uruguai, e em alguns estados norte-americanos, cansados de
armar a polícia gastando milhões, sem nenhum resultado palpável a não ser
milhares de mortos e cadeias superlotadas, transformadas em universidades do
crime, o que fizeram os governos?
Optaram por controlar e taxar a produção e a venda de
maconha, tirando das mãos dos traficantes e dos corruptos que vivem à custa
deles, e colocando nas mãos do estado, milhões de dólares que podem, por meio
dos impostos, beneficiar a toda a sociedade.
O proibicionismo radical e intolerante, em um mundo em que a
Europa e os EUA já descriminalizaram, de
fato, a maconha – e a situação pré-existente não piorou em razão disso - é
anacrônico e descabido, e só serve para manter em funcionamento um estado
repressivo fundamentalista no qual uma multidão de espertos explora a
ignorância alheia e sobrevive da indústria do medo e da violência.
Se não se tivesse ido com tanta sede ao pote, a repressão ao
tráfico de cocaína, antes restrito a pequena parcela dos jovens da classe
média, talvez não tivéssemos hoje o fenômeno do crack.
Incomodados no seu “negócio”, os traficantes resolveram
trocar o pequeno atacado por uma droga de varejo, para consumo de massa, que,
pela disseminação e a quantidade de usuários, não pudesse ser rastreada ou
controlada.
Hoje, até eles estão sendo alijados do processo. Até porque o
que se está vendendo nas ruas é uma série de produtos químicos altamente
tóxicos, que em suas diversas composições, muitas vezes não têm nem traço de
cocaína.
Se esse fosse o caso, a produção boliviana não daria para
abastecer nem o estado de São Paulo.
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