Se é ruim uma sociedade em que só alguns falam, que não se fale só com alguns
Eleito homem novo, Fernando Haddad deu de comer aos 'terroristas' da
desinformação e não inovou na relação com a mídia. Não adianta reclamar
num dia para, no outro, escolher a Folha como interlocutor
por João Peres, da RBA publicado 11/11/2013 08:28, última modificação 11/11/2013 09:40
CC / WIKIPEDIA
Não deixa de surpreender a afirmação do prefeito de São Paulo, Fernando
Haddad (PT), de que sua gestão é vítima do que classificou como
monopólio da informação. “Nós não podemos ter uma sociedade monolítica
em que só alguns falam. E esses alguns têm o pensamento único e só o
pensamento deles que vale. Tudo que difere do que eles pensam está
errado”, disse, na última sexta-feira, durante entrevista coletiva. “É o
império da comunicação, querendo ditar a política pública em São Paulo.
Mas comigo isso não vai funcionar.”
O
que surpreende, no entanto, é a gestão privilegiar os tradicionais
veículos comerciais – cuja credibilidade está em decadência – e explorar
de pouco a nada as novidades possíveis do mundo da informação. Haddad
está na vida pública há tempo suficiente para conhecer essa deformação
da democracia brasileira. Como ministro da Educação, sofreu com
campanhas anti-Enem. Como integrante da gestão de Marta Suplicy na mesma
prefeitura que ora ocupa, viu de perto o potencial difamador dos
veículos tradicionais.
Ainda
assim, apostou todas suas fichas naqueles que agora acusa de serem
promotores do terrorismo da desinformação. Eleito "homem novo" há um
ano, o petista imprimiu em seu primeiro ano de gestão uma política de
comunicação que não deixa a dever à lógica de mão única do século 20.
Todos os dias, deu de comer àqueles que agora o golpeiam.
O
prefeito será homem novo se transformar em atos concretos a
insatisfação recém-externada. Dois dias depois de ser sacaneado pela Folha de S.Paulo com
a manchete “Prefeito sabia de tudo, fiscal preso em gravação” (o fiscal
se referia ao ex-prefeito Gilberto Kassab), Haddad concedeu entrevista à
mesma Folha –
na qual é visível e risível o desinteresse dos entrevistadores nas
apurações da Controladoria Geral do Município, obra do atual prefeito.
Há
uma enorme gama de possibilidades, que inevitavelmente passa por
imprimir uma política de comunicação do século 21. O prefeito não
explorou em nada as redes sociais desde que se elegeu – repetindo Dilma,
que só voltou a se valer destes canais recentemente, ainda sob o choque
das manifestações de junho. A página da prefeitura na rede não
comunica, é difícil de entender. Para piorar, é antiquada em termos de
exploração de tecnologias. Na falta de cadeias nacionais de rádio e TV,
vídeos seriam apenas uma das ferramentas capazes de quebrar o
intermediário “terrorista”.
A
onda de notícias contrárias ao reajuste do IPTU, medida que vai
beneficiar com isenção mais da metade da população de São Paulo, piorou a
avaliação pessoal do prefeito, mostrarão as pesquisas de opinião. Ao
imposto veio se somar a distorção em torno da operação que resultou na
prisão de quatro auditores fiscais que podem ter desviado R$ 500 milhões
dos cofres da endividada administração municipal.
O
esquema só foi descoberto porque a Controladoria Geral do Município
(CGM) foi atrás de evidências que o antecessor ignorou. Mas Folha, Estadão e
Globo, novamente, transformaram o prefeito em suspeito de tolerância
com os desvios. E aí, sim, é de surpreender que Haddad tenha impresso em
São Paulo, centro nacional de difamação da classe política, um projeto
comunicacional tímido e antiquado.
Basicamente,
o prefeito repetiu em sua gestão a marca comum de quase todas as
administrações do PT país afora – Planalto incluído – ao acreditar que
poderia, por dentro da mídia tradicional, disputar o discurso
supostamente formador de opinião pública.
Não
existe nada de "novidadeiro" na campanha que estes veículos adotam
contra o IPTU, ainda menos na distorção de fatos investigados pela CGM.
Não é preciso sentir na pele o "terrorismo da desinformação”" para saber
que ele existe. Cada vez mais setores da sociedade se dão conta de que a
mídia tradicional atende a interesses tradicionais, ou seja, de
especuladores do mercado financeiro e de elites agrárias e industriais.
Haddad
não é o primeiro a se desencantar. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva há algum tempo vem pregando a necessidade de criar novos canais de
comunicação com a sociedade, entendendo que não adianta esperar dos
atuais veículos massivos de imprensa uma conduta “republicana”.
Neste
sentido, Haddad fará bem se olhar mais para o Sul e menos para o
Centro-oeste. Quando a presidenta da Argentina, Cristina Fernández de
Kirchner, decidiu enfrentar o poder dos donos das grandes extensões de
terra em um país basicamente agroexportador, notou que seu amigo – a
imprensa tradicional argentina, liderada pelo grupo Clarín – era mais
fiel ao inimigo. E decidiu bancar o debate sobre a Lei de Meios
Audiovisuais, aprovada e sancionada em 2009, e que apenas no último mês
entrou plenamente em vigor, com uma decisão da Corte Suprema de Justiça
que determina que o Clarín cumpra a legislação, considerada plenamente
constitucional.
O
prefeito não tem como fazer uma lei com esse alcance. Mas pode imprimir
uma mudança de hábitos. Chegado novembro, nota-se que a diferença de
tratamento entre mídia tradicional e nova mídia no Palácio Anhangabaú
não sofreu mudança considerável. A desatenção não se restringe ao
prefeito: é um defeito que alcança secretarias importantes. Que o diga
esta RBA,
representante da nova mídia com cobertura diária de temas municipais e
não raras vezes prejudicada – e, por extensão, seus leitores – pelo
déficit de atendimento que move algumas autoridades municipais.
Um déficit do qual não se ressentem Folha, Estadão ou
a Globo, com seu SPTV, entre outros intermediários “terroristas”.
Haddad deu um primeiro passo ao dizer que um império da comunicação quer
ditar as políticas públicas em São Paulo. Falta agora fazer cumprir a
segunda parte de sua fala: a de que, com ele, não vai funcionar. Faltam
três anos de mandato. Dá tempo.
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