terça-feira, 4 de outubro de 2016

POLÍTICA - "Dois pesos, duas medidas".


Nos bastidores do jornalismo, uma lição prática — e assustadora — sobre o “dois pesos, duas medidas”

            



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por Luiz Carlos Azenha
Em 2005, como repórter da TV Globo de São Paulo, fiz uma de minhas primeiras reportagens investigativas depois de retornar ao Brasil vindo da posição de correspondente da emissora em Nova York.
O produtor era Luiz Malavolta. Foi sobre uma empresa de seguros, a Interbrazil, que participou de um esquema de financiamento de campanha do PT em Goiânia, via caixa dois.
Viajei para a capital de Goiás com o produtor Robson Cerântula.
Constatamos a partir de testemunhas que, de fato, o esquema tinha existido. Adhemar Palocci, o Paloção, irmão do então ministro Antonio Palocci — à época, homem forte do governo Lula — foi citado como o caixa do PT em Goiás.
Tentamos ouví-lo em Brasília, sem sucesso — ele ocupava então o cargo de diretor de Engenharia da Eletronorte.
O motivo do caso ir parar em Brasília é que foi “abraçado” por uma das três CPIs que, simultaneamente, investigavam o mensalão petista e o governo Lula.
Uma “embaixatriz” da Globo na capital me conduziu a gabinetes de parlamentares que poderiam ter interesse no assunto. Como, pessoalmente, faço questão de não estabelecer relações promíscuas de fonte com autoridades — que, em minha opinião, acabam contaminando a independência do repórter –, fui levado a tiracolo: conversei brevemente com Aloizio Mercadante, Heráclito Fortes, ACM Neto, parlamentares que supostamente tinham trânsito com o jornalismo da emissora.
O dono da Interbrazil não atendeu à primeira convocação para depor. Acabou sendo levado pela PF, numa espécie de condução coercitiva. Assisti ao depoimento: em outras palavras, ele disse que de fato tinha doado por fora ao PT, especialmente em material de campanha, mas que fizera o mesmo para muitos candidatos de outros partidos. Seguiu-se uma longa lista: PSDB, PMDB, PP, etc.
Como a Interbrazil tinha sofrido intervenção, ele se dispôs a fazer levantamento nos arquivos da empresa sobre todos os que tinham recebido contribuições. Ele não admitiu, mas obviamente o dinheiro foi dado a título de abrir portas para a seguradora no mercado, especialmente nas apólices de empresas públicas.
A CPI pretendia convocar Adhemar Palocci para depor, mas o requerimento foi derrotado depois que o ministro da Fazenda ameaçou renunciar se isso acontecesse — Palocci, como amigo do mercado, tinha então relação “amigável” com a Globo.
Para minha surpresa, depois do registro do depoimento do dono da seguradora, a emissora simplesmente desistiu do caso. Não se interessou em correr atrás daqueles arquivos que, revelados, poderiam comprometer outros partidos além do PT. Existe uma grande diferença entre “ouvir dizer” e vivenciar pessoalmente uma situação. Ali ficou límpido, cristalino: dois pesos, duas medidas.
Eu e Malavolta ainda pretendíamos investigar um dirigente da Susep, a Superintendência de Seguros Privados — indicação do PT — sobre o qual havia alguns indícios, mas desistimos depois que ele apareceu em carne e osso na redação da TV Globo de São Paulo, para cumprimentar nosso chefe hierárquico. Ao que parece ele tinha muita intimidade com os negócios do Banco Roma, que pertenceu à família Marinho.
Mais tarde, através do Malavolta, fiquei sabendo que a investigação da Interbrazil tinha tido origem no alto escalão da emissora, a partir de araponga baiano que, segundo ele, era ligado ao deputado ACM Neto.
Desde então, olho com grande desconfiança para “vazamentos”. A quem interessam? A quem servem?
Num deles, relativo à Operação Castelo de Areia, recebi os relatórios da Polícia Federal sobre apreensões feitas na contabilidade paralela da empreiteira Camargo Corrêa. Ali constava uma anotação sobre o blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo, que supostamente teria recebido apoio publicitário da empresa por interferência do tucano Andrea Matarazzo. Descartei a informação, por julgar o valor irrelevante — era uma reportagem de TV de alcance nacional.
Como era período pré-eleitoral, eu e o editor da reportagem decidimos não focar em nomes, mas no fato de que a empreiteira fazia os pagamentos a um verdadeiro zoológico: Abelha, Macaco, Gambá e assim por diante. Pré-Lava Jato, a Castelo de Areia apenas confirmou o que eu tinha visto no caso da Interbrazil: o financiamento empresarial a políticos via caixa dois é amplo, geral e irrestrito. Não foi inventado pelo PT, embora seja compreensível a decepção dos eleitores com um partido que se dizia “diferente de tudo o que está aí”.
A Castelo de Areia levantou graves suspeitas sobre as obras do Metrô e do Rodoanel, em São Paulo, estado que é governado pelo PSDB desde Mário Covas. Mas… a operação foi anulada na Justiça. Nunca ficamos sabendo quem eram as pessoas por trás de todos aqueles codinomes.
Hoje a Polícia Federal diz que Feira é o marqueteiro João Santana e Italiano o ex-ministro Palocci. Ele nega. Duas pessoas ligadas ao PT. Mas, e o Abelha? E o Santo? E o Careca?
Hoje tenho o costume de ler na íntegra todos os relatórios divulgados pela Polícia Federal. Na medida do possível, tento ouvir na íntegra os depoimentos dados à Lava Jato.
Constato a imensa distância que existe entre o conjunto das informações obtidas pela PF e o resumo que aparece nos jornais ou nas emissoras de TV.
De um lado, informações que me parecem relevantes são descartadas. Do outro, depoimentos sem nenhum suporte factual, como o que Marcos Valério deu à Lava Jato, se transformam em manchetes: Lula e o PT teriam sido chantageados, o que é uma forma oblíqua de insistir que ambos estão envolvidos na morte do ex-prefeito Celso Daniel, o que já foi descartado por ao menos duas investigações.
Mas, em tempo de redes sociais, o que vale são as manchetes. É o jornalismo declaratório em ação: Donald Trump desconfia que Obama não nasceu nos Estados Unidos. É o suficiente para fazer uma não notícia sobreviver por quatro, cinco anos… como aconteceu no caso de Trump. Aliás, foi o “ato inicial” da carreira política dele.
Muitas vezes o problema começa já na análise das informações colhidas pela PF. Os analistas enxergam suspeita em todas as menções a Lula, por exemplo, mas não se preocupam quando MBO, o Marcelo Bahia Odebrecht, cita Aécio Neves, Alckmin ou a Globo. Reproduzimos aqui trechos dos relatórios referentes a anotações feitas por Marcelo em seu celular.
Captura de Tela 2016-09-29 às 20.03.19É preciso saber, sim, o que MBO quis dizer quando escreveu “coordenação lista $ com PT”, mas notem que logo abaixo ele escreve: “Aecio Neves?”.
O “DGI Chaves vs Lula” aparece destacado pelo analista, mas e o “Alckimin vs AR”?
E o “Darc vs Edu Campos”, ou o “Emb vs Globo”, ou o “PAN vs Globo”? O que significa “apoio a ANeves?”
Meu ponto é que os recursos da Polícia Federal são finitos e, como vi acontecer dentro da TV Globo (veja em O que eu pretendia dizer na TV sobre as ambulâncias de Serra), muitas vezes a distorção se dá pelas escolhas: onde se concentra os recursos da investigação.
Espero que não seja o caso, lamentaria se fosse: investigações politicamente dirigidas, que buscam atender a demanda de um público que, por força do bombardeio midiático, já condenou antecipadamente todos os remotamente ligados ao PT.
Continuamos aguardando, por exemplo, que a Operação Caça Fantasmas, da Polícia Federal, amplie seu escopo para descobrir porque uma herdeira de Roberto Marinho pagou as taxas de manutenção de três empresas offshore à Mossack & Fonseca, a fábrica de empresas laranjas do Panamá — “a serviço de ditadores e delatores”, como destacou o insuspeito O Globo — quando as empresas nominalmente são ligadas a Lucia Cortês Pinto, uma modesta moradora do bairro do Grajaú, no Rio de Janeiro. As empresas são a Vaincre LLC, a Juste e a AA Plus. Esperaremos sentados.

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