O analfabetismo político funcional
Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
O nível de conflagração política no país tem gerado uma falsa ideia de que há uma divisão racional entre diferentes visões de mundo. O Brasil não está dividido entre esquerda e direita, com suas ponderações que incorporam o centro como agente suavizante, de um lado ou de outro. O que se observa, na troca de ódios que alimenta o dia a dia da nação, é uma regressão ao nível da irracionalidade.
Muitos acreditam que ainda vale a pena conversar com amigos e familiares, colegas de trabalho e pessoas com as quais se relacionam informalmente, para apresentar seus pontos de vista e avançar até um consenso possível ou uma respeitosa discordância. Não estamos mais, infelizmente, nesse patamar. O sarrafo da inteligência já desceu ao nível do analfabetismo político funcional. Agora é hora da disputa de projetos para o país. A continuidade do golpe ou a reversão a um projeto popular interrompido.
Grande parte das pessoas não precisa de argumentos, bastam ideias soltas, afirmações rasteiras, slogans preconceituosos, vômitos moralistas, frases feitas. É o típico repertório de Bolsonaro e Daciolo. O capitão e o cabo, seguindo a vertente autoritária que sustenta seu modo de ser, se dão por satisfeitos com comandos curtos, típicos dos treinamentos que se dão no nível medular, sem chegar ao cérebro. Tudo que é mais complicado é jogado no colo de Deus ou do posto Ipiranga.
Estão na disputa exatamente para consolidar essa divisão. Ficam responsáveis pela pauta moralista, chauvinista e retrógrada, deixando as questões fundamentais do país na mão de especialistas convocados no mercado. São como aqueles peixes sem capacidade própria de sobrevivência, que ficam em torno de tubarões, alimentando-se de suas sobras. Com a diferença que pensam que são tubarões.
Fossem apenas os candidatos, teríamos um cenário lamentável. Mas são mais que isso: são candidatos, sobretudo Bolsonaro, que conquistam boa parte do eleitorado. Isso aponta para uma cadeia de transmissão dessa lógica de desvalorização das ideias. A agenda desses postulantes é o que menos importa. Eles se firmam em chavões irresponsáveis e no descrédito com a política. Quando se tornam relevantes numericamente, o alerta precisa acender.
A extrema direita entrou na eleição inflada pela mídia para assumir a linha auxiliar de combate ao PT e às esquerdas. A ideia era juntar o ideário liberal em economia, elevado à posição de verdade absoluta pela mídia comercial, com a estratégia pit bull no tocante a temas relativos a segurança e direitos humanos. Na hora certa, os boçais seriam descartados.
O que ocorreu foi que a incapacidade de sustentar um candidato viável de suas hostes, somado ao incentivo à estupidez, gerou um revés praticamente incontornável. Por outro lado, a crença na destruição da esquerda, sobretudo a partir do discurso moralizante anticorrupção do “país que eu quero para o futuro”, começou a fracassar em razão da recuperação da memória social e do sentimento real de perda. De emprego, saúde, segurança e direitos trabalhistas.
Está claro que a situação está péssima e que já foi melhor há não muito tempo. Nessa hora, não há manchete canalha ou comentarista de TV a cabo que convença que a economia está reagindo bem e que os empregos estão voltando. A persistência do voto declarado em Lula, mesmo preso e com jornadas incessantes de desmoralização, se explica. Como também se explicam as investidas judiciais extremamente politizadas e o acirramento da partidarização da mídia.
Nos dois acasos, o cidadão acompanhou nos últimos dias fatos patéticos. Na Justiça, o açodamento em tentar impedir o registro da candidatura petista com declarações histéricas de ministros das cortes superiores. Falou-se até em cobrar pelo prejuízo financeiro de realizar uma eleição num Estado que se diz democrático. Rosa Weber, assumindo a presidência do TSE, disse que não precisa esperar pedido de impugnação para agir, se prontificando a fazer de ofício o que não fez em outra ação no STF, quando votou contra a própria convicção. A PGR não esperou nem o sol se pôr para se manifestar, disputando as primícias com o MBL e Alexandre Frota.
A imprensa secundou a farsa, transformando o histórico episódio de um registro de candidatura feito por dezenas de milhares de cidadãos em marcha que atravessou o país em um ato de balbúrdia. E fez mais: a publicação de um artigo de Lula no New York Times deu vazão a um misto de dor-de-cotovelo e ridículo. No jornal O Globo, a colunista Miriam Leitão publicou coluna em que apontava o que faltou no texto de Lula. A Folha de S. Paulo foi ainda mais longe e convocou um jornalista gringo para escrever o artigo que deveria ter sido escrito por Lula.
Além de não engolirem o fato de serem furados por um jornal do lado de cima dos trópicos, não foram capazes de ler o que estava escrito, propondo derivativos. Os jornais brasileiros prezaram sempre por escrever a história que preferem registrar como plausível, no lugar de reportar a realidade como ela simplesmente é. Em lugar da manifestação da opinião livre, a copidescagem do real. O NYT não é petista, é apenas um jornal, o que parece inaceitável para a mídia brasileira.
A eleição tem um duro caminho pela frente. Nada está garantido até agora, nem mesmo a liberdade de voto. Mas muito mais duro será reverter, no novo governo que se espera legitimamente eleito, a situação a que chegamos. Não estaremos - e os EUA nos mostram que essa é uma realidade universal - livres dos imbecis e suas ideias tóxicas. O que precisamos apenas é de maturidade suficiente para que não sejam levados a sério ou se revelem como ameaça aos valores mais básicos da civilização.
Muitos acreditam que ainda vale a pena conversar com amigos e familiares, colegas de trabalho e pessoas com as quais se relacionam informalmente, para apresentar seus pontos de vista e avançar até um consenso possível ou uma respeitosa discordância. Não estamos mais, infelizmente, nesse patamar. O sarrafo da inteligência já desceu ao nível do analfabetismo político funcional. Agora é hora da disputa de projetos para o país. A continuidade do golpe ou a reversão a um projeto popular interrompido.
Grande parte das pessoas não precisa de argumentos, bastam ideias soltas, afirmações rasteiras, slogans preconceituosos, vômitos moralistas, frases feitas. É o típico repertório de Bolsonaro e Daciolo. O capitão e o cabo, seguindo a vertente autoritária que sustenta seu modo de ser, se dão por satisfeitos com comandos curtos, típicos dos treinamentos que se dão no nível medular, sem chegar ao cérebro. Tudo que é mais complicado é jogado no colo de Deus ou do posto Ipiranga.
Estão na disputa exatamente para consolidar essa divisão. Ficam responsáveis pela pauta moralista, chauvinista e retrógrada, deixando as questões fundamentais do país na mão de especialistas convocados no mercado. São como aqueles peixes sem capacidade própria de sobrevivência, que ficam em torno de tubarões, alimentando-se de suas sobras. Com a diferença que pensam que são tubarões.
Fossem apenas os candidatos, teríamos um cenário lamentável. Mas são mais que isso: são candidatos, sobretudo Bolsonaro, que conquistam boa parte do eleitorado. Isso aponta para uma cadeia de transmissão dessa lógica de desvalorização das ideias. A agenda desses postulantes é o que menos importa. Eles se firmam em chavões irresponsáveis e no descrédito com a política. Quando se tornam relevantes numericamente, o alerta precisa acender.
A extrema direita entrou na eleição inflada pela mídia para assumir a linha auxiliar de combate ao PT e às esquerdas. A ideia era juntar o ideário liberal em economia, elevado à posição de verdade absoluta pela mídia comercial, com a estratégia pit bull no tocante a temas relativos a segurança e direitos humanos. Na hora certa, os boçais seriam descartados.
O que ocorreu foi que a incapacidade de sustentar um candidato viável de suas hostes, somado ao incentivo à estupidez, gerou um revés praticamente incontornável. Por outro lado, a crença na destruição da esquerda, sobretudo a partir do discurso moralizante anticorrupção do “país que eu quero para o futuro”, começou a fracassar em razão da recuperação da memória social e do sentimento real de perda. De emprego, saúde, segurança e direitos trabalhistas.
Está claro que a situação está péssima e que já foi melhor há não muito tempo. Nessa hora, não há manchete canalha ou comentarista de TV a cabo que convença que a economia está reagindo bem e que os empregos estão voltando. A persistência do voto declarado em Lula, mesmo preso e com jornadas incessantes de desmoralização, se explica. Como também se explicam as investidas judiciais extremamente politizadas e o acirramento da partidarização da mídia.
Nos dois acasos, o cidadão acompanhou nos últimos dias fatos patéticos. Na Justiça, o açodamento em tentar impedir o registro da candidatura petista com declarações histéricas de ministros das cortes superiores. Falou-se até em cobrar pelo prejuízo financeiro de realizar uma eleição num Estado que se diz democrático. Rosa Weber, assumindo a presidência do TSE, disse que não precisa esperar pedido de impugnação para agir, se prontificando a fazer de ofício o que não fez em outra ação no STF, quando votou contra a própria convicção. A PGR não esperou nem o sol se pôr para se manifestar, disputando as primícias com o MBL e Alexandre Frota.
A imprensa secundou a farsa, transformando o histórico episódio de um registro de candidatura feito por dezenas de milhares de cidadãos em marcha que atravessou o país em um ato de balbúrdia. E fez mais: a publicação de um artigo de Lula no New York Times deu vazão a um misto de dor-de-cotovelo e ridículo. No jornal O Globo, a colunista Miriam Leitão publicou coluna em que apontava o que faltou no texto de Lula. A Folha de S. Paulo foi ainda mais longe e convocou um jornalista gringo para escrever o artigo que deveria ter sido escrito por Lula.
Além de não engolirem o fato de serem furados por um jornal do lado de cima dos trópicos, não foram capazes de ler o que estava escrito, propondo derivativos. Os jornais brasileiros prezaram sempre por escrever a história que preferem registrar como plausível, no lugar de reportar a realidade como ela simplesmente é. Em lugar da manifestação da opinião livre, a copidescagem do real. O NYT não é petista, é apenas um jornal, o que parece inaceitável para a mídia brasileira.
A eleição tem um duro caminho pela frente. Nada está garantido até agora, nem mesmo a liberdade de voto. Mas muito mais duro será reverter, no novo governo que se espera legitimamente eleito, a situação a que chegamos. Não estaremos - e os EUA nos mostram que essa é uma realidade universal - livres dos imbecis e suas ideias tóxicas. O que precisamos apenas é de maturidade suficiente para que não sejam levados a sério ou se revelem como ameaça aos valores mais básicos da civilização.
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