Entendo a preocupação do Gerson. Explico porque.
Comecei minha militância política ainda quando cursava o antigo ginasial.
Já escrevi várias vezes que acompanhei meu avô paterno, nas reuniões que ele
participava no Clube Militar, onde se discutia a criação da Petrobras.
Quando aconteceu o golpe de 64, fazia faculdade de economia e já participava da
militância política, apoiando o governo do Jango.
Desde que o golpe aconteceu, comecei a temer delações e perseguições, já que me
envolvi na militância estudantil contra a ditadura. Isto aconteceu depois do golpe
dentro do golpe que foi a decretação do AI-5, em 1968.
Nessa época, trabalhava no extinto DNER, como um simples escrevente datilógrafo,
função que acredito não exista mais no serviço público federal.
Abaixo de mim, só quem servia café e os faxineiros.
À noite fazia faculdade.
Era uma época em que eu vivia discutindo política em todos os ambientes, inclusive
no ambiente de trabalho.
Num belo dia, no início de 1969, meu chefe me chamou à sua sala, e me comunicou
que eu fui citado numa relação de comunistas do DNER.
Tomei um susto, pois nem sabia e nem conhecia algum comunista que trabalhasse
no DNER.
Fiquei indignado e comecei a imaginar quem poderia ter me delatado como
comunista.
Até hoje minha suspeita é sobre um colega com o qual discutia muita política e que
me chamava de "karloff". O cara era fã do Carlos Lacerda e leitor assíduo da Tribuna
da Imprensa.
O considerava meu amigo e várias vezes almoçávamos juntos. Nunca consegui a
certeza de que tenha ele sido meu delator e muito menos por que fez isso.
Nunca revelei a ninguém, por motivo de segurança, que estava envolvido no
combate à ditadura, com funções bem delimitadas, que consistiam basicamente
em panfletar nos locais de mais afluência de público e participar de reuniões com
entidades de esquerda onde eram discutidas estratégias de combate à ditadura.
Levei muita porrada e detido algumas vezes pelo antigo DOPS, quando era pego
panfletando ou quando os locais onde nos reuníamos, era invadido pela polícia do
Lacerda.
Voltando a delação, ela me custou o emprego e a pecha de comunista que nunca fui.
Sou sim uma pessoa de esquerda que se intitula socialista.
Fui demitido, sem conhecer as outras pessoas chamadas de comunista.
Agora, com a forte possibilidade do Bolsonaro ganhar, corro o risco de ser delatado,
já que tenho um blog, no qual me declaro socialista.
Esta será uma palavra maldita, assim como gay, LGBT, negro, esquerdista,
ambientalista, etc, etc.
Na época da ditadura, muitas vezes a pessoa era delatada, porque o delator não ia
com a sua cara, ou para agradar os milicos empregados no serviço público.
Certamente terei que encerrar o meu blog e criar um outro sem nenhum viés
político.
Nunca imaginei que aos 78 quase 79 anos, fosse passar por isso de novo.
O Bolsonaro já disse que não vai admitir nenhum tipo de ativismo.
Quem for para a rua para criticar o governo será reprimido como faziam os militares
no golpe de 64.
Isso é uma ditadura, já que só quem pensa igual a ele poderá se manifestar.
Quem pensa diferente será tratado como inimigo.
Não consigo entender porque as pessoas não perceberam o perigo da eleição de
uma pessoa tão primária como o Bolsonaro.
Mais importante do que eleger um petista é a defesa do regime democrático.
Quem votar no Bolsonaro porque não gosta do PT, vai repetir o que aconteceu com
a eleição do prefeito aqui no Rio.
Para evitar a eleição do Freixo, um candidato de esquerda, os eleitores do nosso
Estado ajudaram a colocar no poder o Marcelo Crivella ao invés de votar no
candidato do PSol.
"GUARDE ESSA CARTA"
Gerson Carneiro é leitor e colaborador do Viomundo há quase dez anos.
No primeiro turno dessas eleições, ele votou em candidatos do PT, de cima a baixo, como invariavelmente faz.
Porém, como milhares de brasileiros, Gerson enfrenta um drama político familiar neste momento.
Seu irmão Pedrinho, apaixonado pelo exército brasileiro e evangélico, declarou voto no neofascista Jair Bolsonaro.
Nesta sexta-feira, 12/10, bem cedinho, Gerson mandou-lhe então uma carta, que abaixo reproduzimos:
Meu irmão Pedrinho,
Eu vou te falar uma coisa muito séria.
Isso aqui é uma carta que estou escrevendo.
Você tem sua liberdade de escolha que eu respeito muito.
Eu também tenho.
E na minha liberdade eu penso e digo o que penso.
Tenho vinte mil seguidores no facebook e com eles eu dialogo todos os dias.
Com eles eu falo coisas sérias, conto piadas, dou risada, choro, me emociono, me divirto.
Muitos deles eu já conheço pessoalmente. Sem eles, eu poderia ser um sujeito depressivo.
Caso os militares venham assumir o poder, a primeira coisa que eu vou fazer é encerrar minha conta no facebook e perder o contato com meus amigos.
Porque com os militares no poder eu não vou ter mais liberdade de dizer o que penso e dialogar livremente com meus amigos como hoje eu ainda consigo fazer.
Caso eu não encerre minha conta no facebook, eu vou correr o risco de perder meu emprego, ser torturado, ser assassinado, e ser desaparecido.
Moro em um lugar onde muitas pessoas foram torturadas e desaparecidas simplesmente por dizer o que pensavam.
Ou simplesmente porque os militares julgaram que a pessoa dizia o que pensava, muitas vezes a pessoa nem dizia nada. Mas os militares achavam que ela era subversiva. Ser subversivo é pensar e dizer o que é proibido pensar e dizer.
E muitas vezes as pessoas torturadas e desaparecidas eram delatadas por parentes, vizinhos, colegas do trabalho que por algum motivo, ou por nenhum motivo, não gostavam delas por simplesmente elas pensarem diferente.
Isso pode vir a acontecer comigo. E não é porque sou um vagabundo. Eu não sou vagabundo.
A violência contra os que pensam diferente, especialmente contra os que têm ideologia esquerdista iguais a mim está cada dia mais aumentando. E as autoridades estão incentivando.
Caso ocorra algo comigo nesse sentido, eu quero que você lembre que a tua admiração pelo Exército brasileiro — mais do que pela liberdade das pessoas –, contribuiu para esse estado de coisas.
Mas saiba que você é livre para fazer as tuas escolhas e eu respeito.
Porém, é muito importante para mim que eu deixe isso registrado.
Quero que você saiba que eu tenho uma admiração pela liberdade de pensar e falar infinitivamente maior do que a admiração que eu tenho pelo Exército brasileiro.
Por fim, digo que nossos pais foram perseguidos, sim.
A perseguição aos nossos pais se deu através de duas formas:
1. Eles não podiam pensar e falar o que pensavam. Quantas vezes papaim e mãinha falaram sobre Política com a gente?
Ao menos comigo papaim e mãinha nunca conversaram sobre Política.
Pelo contrário, foram até humilhados por seu Edinho, que era o vereador sabe tudo da cidade e que, na verdade, não passava de um vagabundo. E achava que detinha o direito exclusivo da fala.
O Anselmo, filho do Edinho, arrogante, chegou até a puxar revólver para papaim. Eu, aos onze anos de idade, testemunhei isso.
2. Nossos pais sempre foram obrigados a viver na pobreza.
Na Barra do Mendes chegamos a trocar pedra por comida.
Mãinha só foi viajar de avião e conhecer o mar muito tempo depois de os militares saírem do poder.
Papaim não chegou a viajar de avião e nem conheceu o mar.
Guarde esta carta com você. Pode ser nossa despedida.
Um forte abraço, meu irmão.
12.10.2018. Gerson Carneiro.
Seis horas depois meu irmão respondeu:
“Ideologia eu quero uma pra viver” Cazuza
PS de Gerson Carneiro: Depois que eu publiquei a carta aqui no Viomundo, minha irmã Solange postou uma foto do nosso álbum de família com a mensagem que faço questão de compartilhar com vocês:
Iolanda, eu [Solange] e Gerson. Irmã e irmão. Éramos crianças caladas na época da ditadura militar (sim, era ditadura, não era um “movimento”).
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