Se não é caso de impeachment, só pode ser de interdição por uma junta médica.
No dia em que o Brasil amanheceu desmilinguindo, com novos recordes de mortos e contaminados pelo coronavírus, o povo saindo novamente às ruas, no pico da pandemia, e encerrando a quarentena por conta própria, o preço dos alimentos disparando, os miseráveis se aglomerando em filas intermináveis na frente das agências da Caixa para escapar da fome, com congestionamentos voltando às grandes cidades, as UTIs dos hospitais públicos lotadas e com filas na porta, o presidente da República saiu do Palácio da Alvorada hoje cedo, sem falar com os jornalistas, e foi praticar tiro ao alvo no estande General Darcy Lázaro, em Brasília.
Dá para acreditar? Foi ele mesmo quem divulgou o vídeo nas redes sociais: “Aí, dez tiros, o pior foi 8. Tá bom, né? Depois de 30 anos inativo. Bom dia a todos”.
Devem ser os quase 30 anos em que Bolsonaro passou inativo no fundão do baixo clero na Câmara, sem dar tiros nem aprovar qualquer projeto, depois de ser afastado do Exército, aos 33 anos.
Bolsonaro venceu, tinha motivos para comemorar. Nomeou para o Ministério da Justiça e o comando da Polícia Federal dois amigos do peito, garantindo a retaguarda, e convenceu boa parte da população que esse negócio de pandemia era bobagem.
Por todo o país, prefeitos e comerciantes se uniram para acabar com essa história de isolamento social, seguindo a mensagem do grande líder do rebanho: o importante é levar vantagem em tudo.
Com as investigações sobre a sua família no STF e em várias instâncias da Justiça, agora sob os cuidados de um delegado que foi o seu chefe de segurança na campanha eleitoral, e de demitir os dois ministros mais populares do governo, inclusive o da Saúde, em plena pandemia, Bolsonaro agora acha que pode tudo.
Estava tudo muito bem planejado. Depois de fechar negócio com a turma do Centrão, no escurinho do Planalto, o capitão correu em seguida para o “Forte Apache”, o Quartel General do Exército em Brasília, para garantir o apoio da tropa em sua ofensiva final contra a democracia e a Constituição. Moro caiu com um peteleco.
Agora, com tudo sob seu controle, cercado dos filhos e de generais de pijama, Bolsonaro pode tranquilamente praticar tiro ao alvo às 7 da manhã, sem dar a menor bola para o que está acontecendo no país, com as tragédias humanas se sucedendo por toda parte.
O alvo somos todos nós, que não fazemos parte da seita bolsonarista, sem chance de que algo possa mudar tão cedo.
Com 33% da população ainda achando que o governo dele é ótimo ou bom, podem morrer quantos mais milhares de pessoas forem, não importa. Os devotos da seita não vão mudar de opinião.
Desde o guru Jim Jones, o predecessor de Olavo de Carvalho, não há registro na história de um povo que tenha caminhado tão mansamente para o suicídio coletivo.
Até países como a Alemanha, tão competentes no combate à pandemia, já se arrependeram de ter afrouxado esta semana o isolamento social, ao notar o crescimento de novos casos de contaminação.
Aqui só querem afrouxar cada vez mais. Parceiro do negacionismo de Bolonaro no ínício da grande crise sanitária, agora até o amigão Trump resolveu cortar os voos com o Brasil.
Mas nada é capaz de mudar as certezas do “Mito”, cada vez mais cheio de si, o presidente que não descansa enquanto não promover o “liberou geral”, agora com um ministro de fachada, para o grande mago Paulo Guedes retomar os seus maravilhosos planos de crescimento da economia em “V”, com as reformas só cortando despesas e acabando com os direitos sociais, tudo em nome do equilíbrio fiscal e da alegria dos bancos.
São todos uns pândegos, gente sem nenhuma empatia, indiferentes aos sofrimentos humanos, ressentidos crônicos e vingativos, que se aprazem na “schadenfreude”, a alegria dos nazistas alemães de ver a desgraça dos outros.
Aqueles, queriam conquistar e subjugar o mundo porque se achavam uma raça superior. Essas tropas de assalto nativas, querem o quê? Estão a serviço de quem?
E o país vai se desmilinguindo a cada dia mais, gente morrendo nas filas dos hospitais, sem respiradores nas UTIs, sem vagas nos cemitérios superlotados, morrendo de fome, sem despedidas nem velórios.
Vida que segue, enquanto deixam.