O lavajatismo repete contra Bolsonaro a tática usada contra Dilma e Temer
Moro ministro da Justiça de um presidente boçal desprezado pelas corporações também foi um movimento tático
O lavajatismo repete contra Bolsonaro a tática usada contra Dilma e Temer
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Do DISPARADA
Sérgio Moro e a Globo são a vanguarda dirigente de um partido populista que atende pelo nome de lavajatismo. A organização estratégica, a disciplina tática, e a atuação coordenada e metódica do Partido da Lava-Jato impressiona. Eles têm os instrumentos de consenso e coerção para obter hegemonia. A imprensa, as redes sociais, e o monitoramento de big data, os mandados de prisão e os vazamentos, e claro, muito apoio do imperialismo. Eles têm calendários de longo, médio e curto prazo para tomada do poder, enquanto já ocupam grandes parcelas dos aparelhos estatais e ideológicos.
Derrubar Dilma, prender Lula, eleger Bolsonaro, nomear Sérgio Moro ministro da Justiça, impedir a eleição de Renan Calheiros presidente do Senado, todos esses fatos fazem parte de uma lista de batalhas concretas do lavajatismo contra a política. Sua flexibilidade tática é pragmática. Na queda de Dilma, o PSDB, Temer e até Eduardo Cunha eram aliados objetivos conjunturais. Se o MDB, do vice e do presidente da Câmara, articulava o impeachment de Dilma no Congresso, Moro atuava com seus poderes de juiz para fustigar o desastrado governo petista. Episódio marcante foi o vazamento de um áudio da Presidente da República em conversa particular com um ex-Presidente da República. Qualquer envolvimento da presidente em exercício só poderia ser apurado pelo Supremo Tribunal Federal. Moro vazou ilegalmente a conversa de Dilma e de Lula em momento crucial para derrubá-la, enquanto a Globo novelizava os escândalos contra os petistas, e o Congresso paralisava o governo.
Já na eleição de 2018, a inviabilidade de algum candidato puro sangue ou pelo menos aliado das corporações judiciais como Álvaro Dias fez o lavajatismo apoiar objetivamente Bolsonaro, que conseguiu polarizar a eleição com antipetismo nas redes sociais, principalmente após levar uma facada e praticamente não precisar fazer campanha. A aliança da antipolítica (bolsonarismo + lavajatismo) venceu nas eleições para o Poder Executivo, inclusive em diversos estados com Wilson Witzel no Rio de Janeiro e Romeu Zema em Minas Gerais, e até na pura hipocrisia de João Doria em São Paulo, que transita em dois mundos, no mais rasteiro fisiologismo e na “nova política”. Mas no Congresso, apesar de grande avanço com eleição de muitos deputados bolsonaristas e lavajateiros, ainda permanece uma hegemonia dos partidos tradicionais, ainda que em um rearranjo com a decadência de PSDB e MDB, ascensão de DEM, PP, PSD, e profundo isolamento do PT.
Nesse cenário, Moro ministro da Justiça de um presidente boçal desprezado pelas corporações também foi um movimento tático. O chefe da Lava-Jato obteve a promessa de ser um superministro com carta branca para colocar toda a estrutura policial da União a serviço de seus interesses, ou seja, de terminar o trabalho de destruição da política iniciado com a toda poderosa “República de Curitiba”. A aliança entre bolsonarismo e lavajatismo tinha data para terminar, as eleições de 2022, quando os arautos do combate à corrupção pretendem dar mais um passo em direção ao poder. Até lá, Bolsonaro poderia tentar convencer os lavajatistas a apoiar sua reeleição nomeando Moro ministro do STF, o que daria hegemonia à facção da anti-política, que hoje é liderada por Luís Roberto Barroso, na corte. No entanto, este era apenas um plano B de Moro, que poderia ser uma importante consolidação de poder na estrutura judiciária, mas o que eles querem mesmo é a chave do cofre.
Moro presidente seria o inicio de uma nova fase na República Federativa do Brasil, para a qual Bolsonaro é o fim mórbido e transitório. O fim do poder dos políticos ligados às máquinas estaduais e partidárias, e o início da consolidação da hegemonia do poder das corporações concursadas que não se submetem ao sufrágio e ao escrutínio das populações pobres que buscam nos políticos a resolução dos seus problemas. Barroso, “teórico” defensor do ativismo judicial e da judicialização da política, chegou a dizer que o Judiciário deve cumprir o papel de “Poder Moderador”. Ele também disse que o Judiciário deve atuar para atender o “sentimento social”. Ou seja, Barroso quer que o Judiciário deixe de ser o poder contra-majoritário e torne-se um poder político que paire sobre o Executivo e o Legislativo, tutelando o que concursados corporativistas decidirem ser o interesse do povo.
Portanto, que a aliança bolsonarista-lavajatista não era eterna, todos sabiam. Mas o rompimento veio cedo e violento demais. No domingo (19/04), Bolsonaro havia mobilizado suas “tropas” digitais com atos golpistas para pressionar o Congresso liderado por Rodrigo Maia que vinha impondo limites às boçalidades do presidente no combate à pandemia e à crise econômica. Em paralelo, aliciou gente de “ilibada reputação” como Roberto Jefferson para articular um racha no centrão contra Maia. A política do baixíssimo clero e da corrupção à serviço da anti-política. Isso não foi motivo suficiente para os lavajatistas romperem com Bolsonaro. O moralismo de Moro é relativo aos interesses pragmáticos de seu partido, a Lava-Jato. Uma coisa é prender Lula e derrubar Dilma, outra é mexer com colegas de ministério em um governo de extrema-direita.
Mas na quinta-feira (23/04), Bolsonaro precisou avançar sobre seus aliados lavajatistas. Há tempos havia a demanda pela troca do diretor-geral da polícia federal, Maurício Valeixo, que é braço-direito de Moro. A família Bolsonaro, apesar de tentar esconder com patética hipocrisia, não apenas é da “velha política”, como adora as velhas práticas do peculato, mantém profundas amizades com milicianos, e tem incomum prazer na utilização de ferramentas ilegais para disputa política na internet. Com as investigações sobre Fake News e milícias digitais de difamação, os Bolsonaros ficaram encurralados. Tanto a CPI das Fake News como o inquérito sobre as milícias digitais no STF estão chegando muito perto dos filhos do presidente, principalmente do vereador Carlos que tem uma sala no Palácio do Planalto e comanda o chamado “Gabinete do Ódio”, além de diversos deputados e influenciadores digitais pagos para organizar o bolsonarismo na internet. Portanto, Bolsonaro exigiu de Moro, mais uma vez, a troca no comando da PF, o que foi novamente negado.
Moro não podia se comprometer com a obstrução que os Bolsonaros precisam para evitar uma prisão de pessoas próximas ou até na própria família. Moro, pragmático como é, ainda buscou uma composição trocando o chefe da polícia federal indicando outro quadro do lavajatismo, mas Bolsonaro precisa de um quadro do bolsonarismo no comando da PF. Estava dado o impasse precocemente insolúvel entre o bolsonarismo e o lavajatismo. Na quinta, Moro ameaçou se demitir se Valeixo fosse exonerado. Bolsonaro fingiu recuar e no dia seguinte, nesta sexta-feira (24/04), demitiu o diretor-geral da PF. Ato contínuo Moro pediu demissão.
As movimentações ao longo do dia foram violentíssimas. Pela manhã, Moro saiu do governo atirando para matar acusando Bolsonaro de mentir e cometer crimes. Segundo o ex-ministro, Bolsonaro teria exigido relatórios de investigações e a queda de Valeixo para colocar alguém que protegesse sua família. Diante da gravidade dos fatos, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, abriu inquérito para apurar os crimes relatados por Moro, deixando claro que no caso de ausência de provas, o ex-ministro é que poderia responder por denunciação caluniosa e crimes contra a honra do Presidente da República.
A tarde, Bolsonaro fez um longo, confuso e psicodélico pronunciamento acusando Moro de mentir. Segundo o presidente, Moro teria exigido a indicação ao STF em troca de aceitar a mudança no comando da PF, além de insinuar que o ex-ministro da Justiça não teria investigado como deveria o atentado de Adelio Bispo contra Bolsonaro em 2018, em contraposição ao esforço na investigação do assassinato de Marielle Franco. Bolsonaro também fez insinuações de que as investigações sobre Marielle teriam o intuito de imputar a ele envolvimento no caso. Bolsonaro ainda fez interessante acusação política questionando o fato de que todas as nomeações de Moro viriam da “República de Curitiba”, escancarando o aparelhamento político lavajatista no Ministério da Justiça, a despeito da hipocrisia repetida à exaustão das “nomeações técnicas”.
Moro, atuando de forma incrivelmente coordenada com a Globo, esperou Bolsonaro se pronunciar e mentir para iniciar o vazamento de provas. Ao invés de depor à Procuradoria-Geral da República e entregar as provas, o ex-juiz, mestre em vazamentos, entregou ao Jornal Nacional os “prints” de conversas de celular entre ele e Bolsonaro, e também entre ele e a deputada Carla Zambelli. Por mensagem, Bolsonaro dá como motivo para troca do comando da PF uma notícia de que o inquérito das milícias digitais teria identificado o envolvimento de deputados bolsonaristas. Já Carla Zambelli pede a Moro que aceite a troca do diretor-geral em troca da indicação para o STF.
O diálogo com Zambelli lembra as orientações dadas por Michael Corleone a Vincent, seu afilhado e sucessor no comando da Família Corleone, na Sicília em O Poderoso Chefão III, quando estão enfrentando poderosos rivais da máfia na política da Itália e do Vaticano. Michael manda Vincent se vender para seus inimigos para obter informações, mas avisa para o mafioso mostrar-se ofendido se alguém insinuar que ele está traindo o chefe de sua Família. Zambelli efetivamente propôs que Moro se vendesse pela vaga no STF, e o então ministro se fez ofendido como manda a boa prática mafiosa, e a deputada rapidamente se retratou da insinuação, porém insistindo na negociação.
No vazamento de 2016 contra Dilma, a conversa entre ela e Lula terminou com a despedida carinhosa do ex-presidente, “Tchau, querida!”, que foi eternizada anedoticamente na memória política daquele período. Em contraponto, Moro, que foi padrinho de casamento de Carla Zambelli em suntuosa e esquisita cerimônia maçônica, utiliza vocabulário absolutamente formal para dispensar a deputada: “Prezada, não estou à venda.”. Pelo nível das situações bizarras que Bolsonaro e sua trupe de excêntricos, da qual Zambelli faz parte, proporcionaram ao Brasil até agora, é bem possível que venham conversas cada vez mais inusitadas, e o “Prezada, não estou à venda” deve ser o primeiro de uma coleção de pérolas dos vazamentos do bolsonarismo.
Os diálogos são realmente chocantes. É até difícil comparar com Dilma avisando Lula que o “Bessias” levaria a ele sua nomeação como ministro ou Temer dizendo “tem que manter isso aí” para Joesley Batista. No primeiro caso, Dilma estava nomeando Lula em ato desesperado para que o ex-presidente fosse articular os votos para evitar o impeachment, mas que dava razão a quem acusasse o ato como obstrução de justiça para proteger Lula com foro privilegiado. Dilma nunca foi sequer denunciada por obstrução de justiça. Temer foi acusado de dar o ok para Joesley pagar propinas pelo silêncio de Eduardo Cunha. Temer também nunca foi condenado por obstrução de justiça. Dilma, sem apoio parlamentar, caiu. Temer, habilidoso líder parlamentar, não caiu.
Independentemente da legitimidade do impeachment que derrubou Dilma contra a qual não pesam provas de corrupção ou qualquer outro crime, ou da ilegitimidade do governo Temer contra o qual fortes indícios não foram capazes de condenar, o fato é que o método e a promiscuidade entre a Lava-Jato e a Globo permanecem e são uma articulação profunda de disputa pelo poder. O lavajatismo é efetivamente um partido, do qual Moro é o dirigente e líder popular e a Globo o braço de comunicação. Além disso, os lavajeteiros também têm poderosa máquina virtual que será testada agora em batalha mortal com a máquina bolsonarista, mais consolidada pois protagonista da eleição de 2018.
A questão agora é ver se Bolsonaro está mais para Dilma ou para Temer. Bolsonaro, assim como Dilma, não gosta de negociar com o parlamento, invariavelmente trata mal aliados e os políticos em geral. A diferença entre os dois é que Bolsonaro está disposto a qualquer coisa para ficar no poder. Bolsonaro vai interferir na polícia federal sem pudor para proteger seus filhos, vai mobilizar sua máquina digital com violência contra quem quer que seja, inclusive contra o “herói nacional” Sérgio Moro. E vai, inclusive e principalmente, tentar comprar o máximo de deputados possíveis do baixo clero do centrão através de Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto.
Moro e Globo deixaram claro que vão pra cima com tudo. Além da coordenação dessa sexta para pegar Bolsonaro e Zambelli na mentira em pleno Jornal Nacional, os jornalistas de política da Globonews já estão anunciando que vão se pintar para a guerra: “Esses prints não devem parar por aí”, disse Natuza Nery, e Merval Pereira “previu” que mais revelações de investigações da polícia federal virão na semana que vem. E devem vir mesmo. As corporações vão reagir à obstrução que Bolsonaro vai tentar impor. O problema do presidente é que ele irritou muito a instituição mais agressiva e mais sem controles democráticos que existe no Brasil, o Ministério Público Federal. As operações, investigações e vazamentos do MPF contra o governo Bolsonaro devem aumentar exponencialmente. O máximo que o títere que Bolsonaro colocar no comando da PF poderá fazer é avisá-lo das operações que o MPF solicitar à justiça.
A guerra vai ser longa e violenta. Com delegados e procuradores, liderados pelo chefe Moro, vazando escândalos semanalmente para a Globo, e a forças auxiliares como O Antagonista, Bolsonaro vai reagir, mas o desgaste vai ser contínuo. É uma guerra de cerco, não uma blitzkrieg. O movimento inicial de Moro foi genial. Provocou pela manhã, fez Bolsonaro mentir a tarde e o PGR abrir o inquérito, e esperou o Jornal Nacional para pegar o presidente na mentira com prova material para apresentar na investigação perante o STF. A correlação de forças para Bolsonaro no Supremo é muito ruim, a corte está rachada entre o lavajatismo e a política desde a Vaza-Jato que comprovou as conspirações entre o ex-juiz Moro e o MPF, mas os dois setores estão contra o presidente no momento. De qualquer forma, assim como no impeachment para crime de responsabilidade a ser julgado no Senado, a Câmara dos Deputados tem que autorizar uma denúncia de crime comum no STF, e por isso o desespero em rachar o centrão comprando votos. Bolsonaro pode fazer história sendo derrubado por um processo criminal inédito contra um presidente em exercício no Supremo.
Se, e quando, houver consenso no mundo político para a sucessão, bastará puxar o gatilho. Ao contrário de Dilma, não será preciso inventar crimes de responsabilidade para derrubar Bolsonaro. Ele tenta se segurar com a capacidade de mobilizar sua base social e comprar votos com cargos e o orçamento da União. É impossível prever se será suficiente diante do cerco das corporações judiciais e da Globo. A oposição de esquerda não precisa nem pensar duas vezes para saber o que vai fazer, vai apoiar a queda do presidente boçal mesmo sabendo que não terá influência nenhuma no governo seguinte, mas poderá melhorar suas condições de atuação no Congresso. Diversos pedidos de impeachment já foram feitos, e a relação da oposição com Rodrigo Maia é boa, com exceção do PSOL que não dialoga com ninguém além da esquerda.
O vice de Bolsonaro é que é um problema. Mourão não é Temer. Ele não tem apoio de ninguém, e tem um passado de defesa do golpismo militar e do autoritarismo da anti-política. Ele teria que negociar com o Congresso, com os militares remanescentes no governo Bolsonaro e com o próprio lavajatismo. O vice, apesar de general, não tem relação com os outros generais governistas que são liderados pelo grupo do general Heleno e o ex-comandante Villas Boas que puniu Mourão colocando-o para comandar uma mesa em um escritório quando na ativa. Uma cartada forte seria se aproximar de Moro convidando-o para voltar a ser ministro ou prometendo a vaga no STF. Mas isso atrapalha na relação com o Congresso, que por sua vez vive briga interna entre os políticos de alto escalão e o baixíssimo clero que quer vender-se para Bolsonaro. Qual dos setores do parlamento lideraria as conversas com Mourão? O impasse é grande, mas não pode permanecer indefinidamente. Não foi fácil derrubar Dilma. Mais difícil será derrubar Bolsonaro.
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