quinta-feira, 1 de abril de 2021

Dá para comemorar uma coisa dessa?

 


Da série "Ditadura Nunca Mais"

Via Pensar a História
As vítimas da Chacina de Quintino. Da esquerda para direita, Lígia Maria Salgado Nóbrega, Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Maria Regina Lobo Leite Figueiredo. Há 49 anos, em 29 de março de 1972, os três jovens eram assassinados pelas forças repressivas da ditadura militar no Rio de Janeiro.
Lígia Maria, Antônio Marcos e Maria Regina eram integrantes da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), uma organização da esquerda extrapartidária que participou da luta armada contra a ditadura militar brasileira. A VAR-Palmares foi criada em 1969, a partir da fusão de outros dois grupos revolucionários - o Comando de Libertação Nacional (COLINA) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização de Carlos Lamarca. O grupo conduziu uma série de ações de combate ao regime militar, que incluíam desde ações de conscientização política e cooptação de instituições para a luta contra a ditadura até o enfrentamento aberto e táticas de guerrilha.
Em dezembro de 1968, o governo militar promulgou o Ato Institucional nº. 5 (AI-5). O decreto suspendia os direitos civis e garantias constitucionais, institucionalizando o recrudescimento do autoritarismo e iniciando os chamados "anos de chumbo" - o período mais repressivo da ditadura militar, marcado pelo uso recorrente de tortura, desaparecimentos e assassinatos de opositores do regime. Malgrado a intimidação, as organizações da esquerda seguiram efetuando ações ousadas de enfrentamento à ditadura. Em 1970, James Allen da Luz, militante da VAR-Palmares, liderou o sequestro do voo 114, forçando um avião comercial da Cruzeiro do Sul a desviar sua rota até Cuba. E em 1972, Lígia Maria e outros membros da VAR-Palmares confrontaram uma força-tarefa da marinha britânica no Rio de Janeiro, alvejando o marinheiro inglês David Cuthberg. Tais ações fizeram quem que a VAR-Palmares se tornasse um dos alvos prioritários das forças repressivas do regime, que incumbiu seu órgãos de inteligência da tarefa de localizar os membros da organização.
Em 29 de março de 1972, agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) invadiram um aparelho da VAR-Palmares localizado na casa de número 72 da Avenida Suburbana 8.985, em Quintino, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Quatro militantes da VAR-Palmares estavam dentro da residência na ocasião: Lígia Maria, Antônio Marcos, Maria Regina e James Allen. Conforme a versão oficial dos militares, os agentes do DOPS teriam sido recebidos à bala quando invadiram o imóvel e revidaram em legítima defesa, matando três integrantes do grupo. Apenas James Allen, o alvo principal dos militares, conseguiu escapar.
A versão oficial dos militares foi contestada no relatório produzido pela Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, que examinou documentos e coletou depoimentos de vizinhos e do perito que examinou os corpos no Instituto Médico Legal (IML). Os laudos cadavéricos não apontavam resquícios de pólvora nas mãos dos militantes, contradizendo a versão da polícia de que os jovens teriam atirado contra os agentes. Valdecir Tagliari, médico legista que assinou o atestado de óbito das vítimas, relatou que os ferimentos eram compatíveis com tortura seguida de execução. Vizinhos que testemunharam a ação afirmaram que os jovens foram executados sumariamente com tiros na cabeça após terem se rendido aos militares. Também foram identificadas adulterações das informações nos registros militares. Lígia Maria, por exemplo, foi "morta" mais duas vezes pelos militares. Seu nome é registrado em outros dois autos de morte em confronto datados de 8 e 9 de junho de 1972, sob a alegação de "reagir à voz de prisão".
A análise do livro de diligências do DOPS também prova a responsabilidade dos militares pela morte de Wilton Ferreira, que se encontrava em um outro aparelho da VAR-Palmares no bairro de Cavalcante, invadido pela mesma equipe que realizou a chacina de Quintino. Wilton não era militante do grupo, apenas fora cooptado por James Allen para vigiar a garagem do aparelho.
Lígia Maria tinha 24 anos. Era pedagoga egressa da Universidade de São Paulo, militava no movimento estudantil e participava majoritariamente em atividades de panfletagem. Era namorada de James Allen e estava grávida de dois meses quando foi executada pelos agentes da repressão. Antônio Marcos tinha 22 anos. Era ex-seminarista e desenvolvia um trabalho comunitário no bairro de Osvaldo Cruz, junto à paróquia do Padre João Daniel. Maria Regina tinha 33 anos. Era pedagoga e integrante da Juventude Universitária Católica, atuava no Movimento de Educação de Base e trabalhava junto a comunidades indígenas assistidas pela FUNAI. Deixou duas filhas menores. James Allen da Luz morreria um ano depois em um acidente de carro no Rio Grande do Sul, em circunstâncias e data ainda não esclarecidas.

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