Finantial Times ‘imagina’ Bolsonaro no banco dos réus, em um tribunal escuro em Haia, por ecocídio
27/06/2021O crime, que ainda não existe, avança para ter definição jurídica consequente de “atos ilegais ou injustificáveis” cometidos sob o conhecimento de que havia grande probabilidade de que eles pudessem causar “danos graves e amplos ou duradouros ao meio ambiente“, mostra tradução na Folha de S. Paulo
Por Pilita Clark
25 de Junho de 2021
Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves
Imagine a cena. Jair Bolsonaro, o presidente do Brasil, é levado ao banco dos réus em um tribunal escuro em Haia, na Holanda, onde lhe dizem que suas políticas para a Amazônia foram tão destrutivas que ele é culpado do crime de ecocídio.
Meses depois, Darren Woods, executivo-chefe da companhia de petróleo ExxonMobil, enfrenta a mesma acusação no mesmo tribunal, dessa vez por perfurar em busca de mais combustível fóssil que ele sabia que apressaria a devastação ambiental.
Se isso soa bizarro, é porque no momento é. O ecocídio, ou destruição em massa do meio ambiente em tempos de paz, não existe no direito criminal internacional.
Mas a ideia avançou um pouco mais em direção à realidade nesta semana, quando um painel de advogados do mundo inteiro, copresidido pelo especialista em direito internacional Philippe Sands, revelou uma definição jurídica do crime. Ela descreve o ecocídio como “atos ilegais ou injustificáveis” cometidos sob o conhecimento de que havia grande probabilidade de que eles pudessem causar “danos graves e amplos ou duradouros ao meio ambiente”.
Se for adotada, ela situará os prejuízos ambientais graves no mesmo nível dos crimes de guerra e abrirá caminho para colocar executivos-chefes e presidentes no banco dos réus. E mesmo que isso nunca aconteça os ativistas estão apostando na simples existência legal do ecocídio para modificar o comportamento das grandes corporações, juntamente com seus financistas e suas seguradoras.
Jojo Mehta, presidente da ONG Fundação Parem o Ecocídio, que organizou o painel jurídico, diz que o grupo industrial alemão Siemens oferece um exemplo de como o crime poderia produzir decisões empresariais mais verdes. Quando ativistas climáticos atacaram a Siemens por fornecer equipamento para um empreendimento polêmico em minas de carvão na Austrália em 2019, seu então executivo-chefe, Joe Kaeser, disse que compartilhava as preocupações ambientais, mas não podia ignorar uma responsabilidade fiduciária.
Mehta acredita que o crime de ecocídio poderia levantar dúvidas jurídicas suficientes para reverter tais decisões. De maneira mais ampla, ela pensa que a medida poderá forçar uma revisão corporativa mais ampla sobre atos prejudiciais ao meio ambiente, tornando os projetos tão arriscados que se tornem “não licenciáveis e não seguráveis”.
Os esforços de sua fundação ocorrem em meio ao sucesso inesperado de um número crescente de casos jurídicos ambientais. Só no mês passado, um tribunal holandês ordenou que a Royal Dutch Shell corte suas emissões de carbono mais depressa, e a Alemanha disse que vai revisar suas metas de redução de emissões depois que o tribunal supremo do país decidiu que as leis climáticas existentes impõem um peso excessivo aos jovens. Na Holanda, o governo revelou no ano passado um pacote de medidas climáticas para acatar outra decisão judicial que considerou as leis existentes inadequadas.
Mas um crime internacional de ecocídio abriria um campo jurídico ainda maior. Incluí-lo no Estatuto de Roma, o tratado que governa o trabalho do Tribunal Penal Internacional (TPI), acrescentaria um novo crime ao direito internacional. Os defensores esperam que se torne o “quinto crime internacional”, juntamente com genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e o crime de agressão. Haveria uma grande diferença: esses quatro crimes enfocam danos a seres humanos. O ecocídio cobriria danos ao planeta.
A necessidade dessa proteção é inegável. Seis anos depois do acordo do clima de Paris, as emissões de carbono que aquecem o planeta continuam incessantes. Apesar de inúmeras promessas de governos de pôr fim ao ar poluído, aos rios tóxicos, mares com peixes dizimados e extensões de natureza desolada, a ONU diz que 1 milhão das 8 milhões de espécies de plantas e animais estão ameaçadas de extinção. Os seres humanos se tornaram uma tal força da natureza que os cientistas falam em uma nova era geológica, o Antropoceno.
Contra esse pano de fundo, Emmanuel Macron, o presidente da França, manifestou apoio ao ingresso do ecocídio na legislação internacional e pressionou para tornar o crime uma ofensa na França. O papa Francisco disse que a comunidade internacional deveria reconhecer o ecocídio como “uma quinta categoria de crimes contra a paz”.
Mas a criminalização global da destruição ambiental em massa não acontecerá rapidamente. Acadêmicos de direito dizem que seria surpreendente se os vários passos necessários para emendar o Estatuto de Roma fossem concluídos em cinco anos. Levar um caso ao Tribunal Penal Internacional também é demorado.
Uma outra complicação: nem todos os países fazem parte do Estatuto de Roma, incluindo os Estados Unidos. Os defensores do ecocídio dizem que isso talvez não importe, já que ações autorizadas em um país não membro que afetem um país membro ainda recairiam sob a jurisdição do TPI. Essa é uma distinção importante quando se trata de danos ambientais maciços.
Em última instância, o esforço para tornar o ecocídio um crime internacional poderia ser o mais importante. A lei por si só tem limites, diz Sands. “Tendo discutido casos sobre genocídio e crimes contra a humanidade, não sou muito entusiástico com a lei. Você não aprova uma lei de repente e então todos começam a ser bons uns com os outros e a parar de cometer assassinatos em massa.”
A campanha do ecocídio legal, diz ele, está contribuindo para algo que já está acontecendo. “Tem a ver com a mudança de consciência, é disso que se trata realmente.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário