quarta-feira, 28 de julho de 2021

Brasileiro não é idiota!

 

Brasileiro não é idiota! Não cai na mesma conversa duas vezes. Ou cai?, por Nadejda Marques

A preocupação de investidores americanos no Brasil continua sendo a continuidade das reformas que pulverizam os direitos trabalhistas e garantam o seu lucro e do processo de privatização, com destaque a privatização do pré-sal.

Magritte

Brasileiro não é idiota! Não cai na mesma conversa duas vezes. Ou cai?

por Nadejda Marques

Em 2002, presenciei o então candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista coletiva na sede da associação dos correspondentes estrangeiros no Rio de Janeiro. O Brasil vivia um momento de turbulência fake porque bancos e instituições financeiras escandalosamente tentavam manipular a política interna, em ano de eleição, através de instrumentos de classificação de risco e recomendação de investimentos no país.

A Merrill Lynch, corretora de valores foi uma das primeiras a rebaixar a classificação dos papéis brasileiros naquele ano. O motivo? A ascensão de Lula nas pesquisas de intenção de voto. Pouca diferença fazia o fato de que, no mesmo ano, a mesma Merrill Lynch se viu forçada a fazer um acordo e pagar US$100 milhões de multa ao Estado e à cidade de Nova York sob acusação de manipular análises financeiras.

Seguindo o exemplo, o banco de investimentos norte-americano JP Morgan também recomendou aos seus investidores uma exposição menor à Bovespa. O relatório da instituição mudava a recomendação de “overweight” (acima da média do mercado) para “market neutral” (média do mercado) com a mesma justificativa: grandes dificuldades de que o candidato governista, José Serra, subisse nas pesquisas.

Obviamente, não era por medo de Lula que Wall Street apertava as rédeas brasileiras mas sim, para garantir o seu lucro no eminente e inevitável governo do PT. Eles queriam que o Brasil voltasse a negociar com o FMI e sugeriram que Lula mantivesse Armínio Fraga na presidência do Banco Central. No Rio, naquela entrevista coletiva, Lula carismáticamente acenava e convidava o inimigo a sentar-se à mesa ao seu lado e negociar.

Diante tamanha desenvoltura, algumas das perguntas pareciam improvisadas e até mesmo preconceituosas. Lembro-me da pergunta do New York Times (que, alias, recebeu o direito de fazer duas perguntas, uma a mais do que os outros correspondentes) sobre como era a relação do PT com Cuba e com Fidel!!! Naquela altura do campeonato, que diferença faria a posição do Lula sobre Fidel??? Mas bem, Lula respondeu algo sobre a solidariedade histórica do PT à Cuba mas que também era a favor de eleições democráticas no país e seguimos com a coletiva.

No The Washington Post, eu trabalhava como pesquisadora e assistente do correspondente no Brasil. Preparávamos uma matéria sobre a influência dos mercados financeiros na política brasileira. Entrevistamos, além do Lula, o Mercadante, o Carlos Cawal, do Citibank, Bolívar Lamounier, cientista político, o Presidente da Associação Brasileira de Bancos Internacionais, o representante da Stanley Morgan para o Brasil e outros. Mas, não se publicou a matéria que originalmente havíamos sugerido. Basicamente, a matéria que saiu enaltecia o sistema neoliberal vigente enquanto afirmava que os mercados esperavam que Lula cumprisse e prosseguisse com as reformas e contratos anteriormente firmados, inclusive com o processo de privatizações. De forma indireta, insistia no discurso da incerteza frente possíveis administrações do PT e Lula. Novamente, desrespeitando a política interna oferecia munição para relatórios parciais de bancos e instituições financeiras.

De lá prá cá, o que mudou? Não muito.

A preocupação de investidores americanos no Brasil continua sendo a continuidade das reformas que pulverizam os direitos trabalhistas e garantam o seu lucro e do processo de privatização, com destaque a privatização do pré-sal. Se naquela época o discurso era camuflado de preocupação com os “fundamentos da economia”, hoje é revestido com o slogan de combate à corrupção. Minto. Esse disfarce não é de hoje! Alguém avisa ao diplomata americano que se despede dizendo estar preocupado com o “mensalão, petrolão e Lava Jato” que esse discurso é tão 2016. Repetir o papo que viabilizou um golpe é chamar brasileiro de idiota. Mas, não pense que brasileiro cai na mesma conversa duas vezes… Agradecemos a preocupacão e desejamos uma boa viagem! Ou, como comentou um vizinho meu: “see you later, but not if I see you first.”   

Nadejda Marques é PhD em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha) e trabalha com direitos humanos há mais de duas décadas. Ela é autora de Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley (2018) sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do SilícioEscreveu ainda o livro auto-bibliográfico chamado “Nasci Subversiva” sobre a ditadura no Brasil da perspectiva de uma criança.

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