sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Ponto 360: Ressaca de Vodka.

 Ressaca de Vodka

Olá, o carnaval nem chegou, mas Jair já está com dor de cabeça. Afinal a montanha russa internacional pode afetar o Brasil e ameaçar seus planos de reeleição.

.A coisa tá russa. Nove dias depois que Bolsonaro chegou à Rússia como enviado divino para a paz mundial, tiveram início os primeiros combates em território ucraniano. A verdade é que o governo já estava apreensivo com os reflexos que uma escalada no conflito europeu poderia ter por aqui. E agora as consequências começam a chegar. O primeiro impacto é a grave divergência que atingiu o governo e a diplomacia brasileira em relação ao conflito: enquanto Bolsonaro tergiversa e ganha tempo sem saber o que fazer com o apoio dado à Rússia na semana passada, Mourão e o Itamaraty condenam o que consideram um atentado à soberania ucraniana. O que, para parcela da base bolsonarista, é uma questão de princípio que separa os pró e os anti-comunistas. Outro motivo de preocupação são os impactos econômicos: nesta quinta (24) o preço do petróleo atingiu o maior valor em sete anos. E justamente agora, o arremedo de controle de preços conhecido como PEC dos combustíveis, deve ser engavetado por Arthur Lira na Câmara. Outras possíveis consequências são a elevação no preço dos alimentos, a instabilidade nas bolsas de valores e a subida do dólar. Esse coquetel soma-se às tendências inflacionistas da economia brasileira já existentes, elevando os preços internos e o custo de vida. E se a resposta do Banco Central for mais austeridade, pode-se esperar uma redução ainda maior do crescimento econômico. Ou seja, praticamente uma bomba num país em profunda crise social e onde a expectativa de vida vem se reduzindo. Nesse cenário de incerteza, encontra-se um governo sem rumos, onde as únicas coisas que avançam são o desmonte do setor público e os incentivos ao agronegócio e à mineração. O que é confirmado pelo aumento de 62% da mineração na Amazônia nos últimos três anos e pelo avanço do processo de privatização da Eletrobras.

.Tempo das armas. O tom do discurso de posse de Edson Fachin no TSE, a réplica de Bolsonaro e as denúncias contra Flávio e Carlos prenunciam o acirramento das tensões em ano eleitoral. Bolsonaro já entendeu que, se quiser se reeleger, terá que tirar da pauta a economia e a vacinação, e substituí-los pela fraude eleitoral e pela segurança pública, além de aumentar a agressividade do antipetismo. Para isso, ele pretende contar com três aliados de peso. O primeiro é o crime organizado. Afinal, a política armamentista do governo facilitou o acesso de armas para milícias, grupos de extermínio e traficantes que compram seu arsenal de supostos colecionadores e caçadores legalizados pelo governo. A situação é tão escandalosa que conseguiu tirar da inércia até mesmo Augusto Aras e o Senado, timidamente, discute medidas para restringir a circulação de armas e munições. O segundo pilar é a indústria armamentista, beneficiada não só pela flexibilização do mercado interno brasileiro, mas também pelo incentivo às exportações de armas, que muitas vezes retornam ilegalmente para o país através de contrabando. O terceiro pilar são as forças policiais. Trata-se de uma combinação de interesses corporativos das categorias policiais, que pressionam por aumento de salários e benefícios, a sua instrumentalização política. Neste quadro, os protestos da PM em Minas Gerais não testam apenas a capacidade política do governador Romeu Zema (Novo), mas da própria democracia, pois podem servir de exemplo de que o caos e a instabilidade compensam. Bolsonaro já entendeu que precisa fazer afagos na Polícia Rodoviária Federal. E não só ele: pelo menos 17 governadores já concederam aumento de salários ou propuseram reajuste para as forças estaduais este ano.

.Daqui ninguém me tira. O sinal amarelo acendeu no QG da campanha de Lula. As pesquisas Poder360 e CNT/MDA apontam que o ex-presidente permanece no topo das intenções de voto, mas Bolsonaro parou de cair e diminuiu sua rejeição. Também surpreendeu a baixa rejeição e boa posição do candidato bolsonarista em São Paulo, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Para os petistas, os bons resultados do capitão se devem ao fôlego do Auxílio Brasil, à máquina digital que manteve sua base coesa e à possibilidade de recuperação na economia. No pacote de bondades previsto pelo governo estariam ainda um crédito de R$ 100 bilhões em crédito para microempreendedores individuais e pequenas empresas, medidas de aceno para classe média no Imposto de Renda, renegociações de dívidas estudantis e isenções no transporte coletivo. No Planalto, o otimismo com as pesquisas foi tanto que há até quem preveja que Bolsonaro ultrapassará Lula em junho. Porém, um cenário tão precoce de votos consolidados ainda pode mudar, pois ninguém sabe qual será o efeito de uma guerra na Europa sobre o eleitorado brasileiro. O Brasil de Fato chama a atenção ainda para o crescimento de 6% na aprovação do governo entre os eleitores evangélicos. Porém, a posição do centrão sobre a liberação de jogos de azar desagradou a bancada evangélica. E a sinalização de veto de Bolsonaro ao tema é uma tentativa de barrar o movimento nos bastidores das grandes igrejas neopentecostais que ameaçam deixar o barco do bolsonarismo discretamente, ainda que sem apoiar Lula, para negociar pautas de interesse com um futuro governo. A crise já chegou no Republicanos, partido da Igreja Universal, que não só reclamou que Bolsonaro atrapalha o partido, como não quer nem conversa. E até mesmo o agronegócio tem fugido do capitão e anda flertando com uma alternativa da terceira via

.Para o centro e a direita. Diante das pesquisas, a estratégia petista deve ser buscar o eleitor de centro e de direita, supondo que o eleitor progressista já está ganho. Assim, além de Alckmin, Lula tem buscado também outros tucanos, incluindo aí Fernando Henrique Cardoso, além de receber novos afagos do mercado financeiro. O problema é que Lula contava em atrair o PSD de Gilberto Kassab e esbarrou na resistência da base bolsonarista do partido no sul do país. Kassab conseguiu manter sua independência e ainda manter o partido coeso com a reviravolta na decisão do governador gaúcho Eduardo Leite em concorrer, trocando o PSDB pelo PSD. Curiosamente, a decisão também favorece Lula, afinal, hoje a vitória em primeiro turno depende mais da profusão de candidatos da “terceira via” que retirem votos de Bolsonaro e que somados ao capitão não alcancem Lula. E de brinde, o petista ainda veria o PSDB, adversário em cinco eleições presidenciais, miniaturizado pelas disputas internas. As relações mais ao centro e à esquerda também não são tranquilas. O impasse sobre a federação com PT, PV e PCdoB rachou o PSB. De um lado, Márcio França e Renato Casagrande permanecem irredutíveis em suas candidaturas. Do outro, o prefeito de Recife João Campos baixou a guarda e o recém ingresso governador da Paraíba já avisou que seu palanque é de Lula. Além disso, 11 deputados cogitam deixar o partido temerosos de não se reelegerem sem a federação. No fim, a federação pode sair mesmo sem o PSB. Cenários que se aceleram para a esquerda ou para a direita com a janela de troca partidária entre março e abril.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Ucrânia, Rússia e China. Ainda que escrita antes da eclosão do conflito, a análise de José Luís Fiori demonstra como a guerra na Ucrânia põe fim ao sistema geopolítico mundial atual.

.Perdeu um parente para a extrema direita? Aprenda a resgatá-lo. No Intercept, o diretor da ONG Life After Hate explica como funciona a desconversão de neonazis, supremacistas brancos e outros extremistas.

.Como o lobby de um militar da reserva favoreceu mineradoras canadenses na Amazônia. A Agência Pública revela como o general da brigada Cláudio Barroso Magno Filho atuou para favorecer mineradoras estrangeiras em áreas de assentados, indígenas e ribeirinhos no Amazonas.

.Saiba quem financia as gigantes da mineração que querem atuar em terras indígenas no Brasil. O Brasil de Fato elenca os gigantes do capital financeiro que financiam a mineração no país.

.O mito da inflação: como empresas dos EUA usam o fenômeno monetário para aumentar seus preços. A maior inflação dos últimos 40 anos nos EUA também é fruto da ação coordenada de corporações para aumentarem seus lucros. No Brasil de Fato.

.O caso Assange. No A Terra é Redonda, Sérgio Amadeu escreve sobre as inúmeras violações de direitos humanos e da democracia na prisão do ativista Julian Assange.

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

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