sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Ex-Blog do Cesar Maia: Os democratas americanos salvaram a civilização?

 

OS DEMOCRATAS SALVARAM A CIVILIZAÇÃO?!(Paul Krugman - The New York Times/O Estado de S. Paulo, 12) Eles realmente conseguiram. A Lei de Redução da Inflação – que é principalmente um projeto legislativo destinado a combater as mudanças climáticas, com um aspecto que favorece uma reforma na saúde – foi aprovada pelo Senado, no domingo; e, segundo todos os cálculos, será facilmente aprovada na Câmara dos Deputados e se tornará lei.Isso é realmente muito importante. A lei, em si, não é suficiente para evitar o desastre climático. Mas é um passo enorme na direção certa e prepara o cenário para mais ações nos próximos anos. A legislação catalisará progresso em tecnologia verde. Seus benefícios econômicos facilitarão a aprovação de mais leis. Ela dá aos EUA a credibilidade de que o país precisa para liderar um esforço global para limitar as emissões de gases de efeito estufa.DIFAMAÇÃO. Há, evidentemente, cínicos ávidos para difamar essa conquista. Alguns na esquerda se apressaram em desprezar o projeto de lei, qualificando-o como um prêmio para a indústria de combustíveis fósseis com pose de ação ambiental. Mais importante, os republicanos – que se opuseram à legislação de maneira unânime – estão berrando o que sempre berram: Gastos altos! Inflação!Mas verdadeiros especialistas em energia e meio ambiente estão exultantes com o que foi alcançado, e economistas sérios não estão preocupados com o efeito sobre a inflação.Comecemos com o lado ambiental. Muitas pessoas com quem converso acreditam que a agenda ambiental do presidente Joe Biden, conforme definida em sua proposta original do pacote Build Back Better, deva ter sido em grande parte diluída na legislação aprovada.Afinal, os democratas não tiveram de abrir grandes concessões para ganhar o voto do senador Joe Manchin? E não estão previstos importantes benefícios para os interesses do setor de combustíveis fósseis, como ajuda para um controvertido gasoduto?GANHOS. Mas analistas da indústria de energia acreditam que qualquer efeito climático adverso decorrente dessas concessões será obliterado pelos ganhos de créditos fiscais para a energia limpa. O Repeat Project, compilado pelo Zero Lab, de Princeton, produziu uma comparação lado a lado dos cortes de emissão sob a Lei de Redução da Inflação (LRI) e sob a versão mais branda do Build Back Better (BBB).Até 2035 a LRI, estimam os pesquisadores, terá ocasionado mais de 90% das reduções de emissões que o BBB teria alcançado. Depois daquele drama legislativo, a política ambiental de Biden emergiu essencialmente intacta.Como isso foi possível? Logo em seu início, o governo Biden decidiu que sua política ambiental seria movida a cenouras, em vez de chicotes – isso proveria incentivos para fazer a coisa certa, não penalidades por fazer a coisa errada.Essa estratégia, esperava-se, se provaria factível politicamente de uma maneira que, digamos, impostos sobre emissões de carbono não seriam capazes. E essa esperança foi reivindicada.DIVIDENDOS. Além disso, tratase de uma estratégia que, aparentemente, renderá dividendos políticos no futuro. Um novo estudo, de E. Mark Curtis e Ioana Marinescu, constata que “o crescimento da energia renovável leva à criação de empregos relativamente bem remunerados, que são com bastante frequência localizados em áreas que têm a perder com o declínio dos empregos na extração de combustíveis fósseis”.Então, o que o governo Biden perdeu? Infelizmente, grande parte do gasto social que o BBB original previa – créditos fiscais em benefício de crianças, creches públicas universais e mais – foi cortada. Isso é trágico, apesar de o aumento nos subsídios para seguro-saúde – que ajudaram a produzir uma redução recorde no número de americanos não segurados – ter sido estendido. Mas os democratas cumpriram quase todas as suas promessas em relação ao meio ambiente.INFLAÇÃO. E o que diz a crítica da direita? Além da patética tentativa de retratar a LRI como uma grande escalada nos impostos da classe média, republicanos como Mitt Romney estão tentando associar a legislação com o Plano de Resgate Americano, do ano passado, que, afirmam eles, causou aumento na inflação.Não importa se essa alegação é verdadeira ou não. Importante é fazer a conta. A Lei de Redução da Inflação prevê gastos inferiores a US$ 500 bilhões ao longo de uma década, e o Plano de Resgate Americano determinou o gasto de US$ 1,9 trilhão em um único ano – e na realidade reduzirá o déficit. É por isso que analistas independentes consideram que a LRI influenciará pouco a inflação.Mas se o gasto não é tão grande, como é capaz de surtir tamanho impacto? A resposta é que, neste momento, estamos numa espécie de limiar. A tecnologia em energia renovável fez um progresso revolucionário, e fontes renováveis já são mais baratas do que combustíveis fósseis em muitas áreas.Um estímulo moderado da política pública basta para ocasionar a transição para uma economia muito mais verde. E a Lei de Redução de Inflação vai dar esse empurrão.IGNORÂNCIA. Mas, diante tudo isso, por que todos os senadores republicanos votaram contra a LRI? Nem todos eles são ignorantes e alguns sabem fazer contas – estou bem certo que Romney, por exemplo, sabe que está falando besteira.Diferenças ideológicas também não podem ser facilmente invocadas. O esforço ambiental da LRI depende principalmente de créditos fiscais – e os próprios republicanos usaram créditos fiscais para cumprir metas sociais, como os (tão abusados) créditos em Zonas de Oportunidade previstos no corte de impostos aplicado por Donald Trump em 2017.Quase certamente, o que vemos agora é a política do despeito. Todos os senadores republicanos se mostraram dispostos a acabar com nossa melhor chance de evitar um desastre climático simplesmente para negar uma vitória ao governo Biden.A boa notícia é que a lei foi aprovada a despeito de seu despeito. E o mundo se tornou um lugar com mais esperança do que era semanas atrás. 

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