terça-feira, 22 de novembro de 2022

Mães da Praça de Maio.

 

Morreu Hebe de Bonafini, a mãe dos 30.000 desaparecidos argentinos

A presidente das Mães da Praça de Maio pediu que as suas cinzas fossem espalhadas no local onde incansavelmente lutou pela memória dos seus dois filhos e dos restantes 30.000 “desaparecidos” assassinados pela ditadura argentina. Ao longo dos seus 93 anos de vida não deixou de lutar.
Hebe de Bonafini. Foto publicada por @NemeChacon no Twitter.
Hebe de Bonafini. Foto publicada por @NemeChacon no Twitter.

Hebe de Bonafini nasceu a 4 de dezembro de 1928 em El Dique, um bairro popular de Ensenada, na província de Buenos Aires, filha de operários. Casou aos 14 anos e teve dois filhos e uma filha. Sonhou ser professora, mas não lhe foi permitido estudar. Essa oportunidade quis dá-la aos seus filhos. Jorge Omar era estudante de Física e Raúl Alfredo de Zoologia, ambos militantes do Partido Comunista Marxista Leninista, quando foram sequestrados em 1977 e 1978. Tornaram-se “desaparecidos”, o mesmo destino de cerca de outras 30.000 pessoas, vítimas da ditadura militar argentina entre 1976 a 1983. No mesmo período, 15.000 pessoas foram fuziladas, havia 9.000 presos políticos e 1,5 milhões de exilados.

A partir de 30 de abril de 1977, mulheres cujos filhos tinham desaparecido começaram a congregar-se na Praça de Maio, em Buenos Aires. Hebe junta-se-lhes quando Jorge desaparece. É lá, enquanto participava nas recolhas de assinaturas e de fundos para o apoio à sua causa, que toma conhecimento do desaparecimento de Raúl. No ano seguinte é a vez da companheira de Jorge, María Elena Bugnone Cepeda, ser sequestrada pelos militares e tornar-se também ela desaparecida.

As mães da Praça de Maio vão constituir-se como associação em 1979 e Hebe de Bonafini torna-se a sua presidente. Desde então, foi dirigente e o seu rosto mais conhecido publicamente. Isto apesar de, em 1986, a associação ter conhecido uma cisão e um grupo ter fundado outra associação a que acrescentou a expressão “linha fundadora”.

Foi a organização, que continua a existir até hoje, a comunicar que, por sua vontade, as suas cinzas iriam ser depositadas na Praça de Maio, o local tradicional das marchas de protesto das mães de vítimas da ditadura. O seu último ato público foi no início de outubro à frente de uma dessas marchas que se realizam todas as quintas-feiras e para a qual convidou os estudantes que tinham ocupado várias escolas secundárias na capital argentina. Na próxima quinta-feira, já sem ela, realizar-se-á a marcha número 2.328.

À volta das mães nasceram outras organizações como a dos filhos dos desaparecidos, H.I.J.O.S, Hijas e Hijos por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio, e a das avós da Praça de Maio, esta dedicada sobretudo a encontrar os filhos de desaparecidos raptados pela ditadura e entregues a famílias próximas do regime. Tal como fizera antes a ditadura franquista em Espanha, a ditadura argentina implementou um plano sistemático de raptos dos filhos das suas vítimas. Pelo menos 500 crianças foram assim separadas das suas famílias. A mais de cem foi restituída a sua verdadeira identidade devido ao trabalho da organização.

Mãe de 30.000

A 5 de outubro, na abertura de uma exposição fotográfica sobre a sua vida, declarou que tinha aprendido o “valor do trabalho” com os seus pais e avó e “o que é a política” com os seus dois filhos. Defensora convicta dos direitos humanos face às suas violações onde quer que fossem cometidas, era como política que definia sobretudo a associação a que presidia. Por isso também, as mães da Praça de Maio não deixaram de tomar posição contra as políticas austeritárias neoliberais que assolaram o país.

As mães da Praça de Maio deixaram de levar cada uma o cartaz com a cara e o nome do seu filho ou filha desaparecidos como ao início. Passaram-se também a opor às exumações dos corpos dos desaparecidos, dizendo Hebe que “um revolucionário nunca morre para o seu povo”.

Numa entrevista à Universidade Nacional de San Martín, respondeu que gostaria de ser lembrada como “uma mulher comum que saiu à rua para procurar os seus filhos, que se tornou numa referência política amada por muitos e desprezada por alguns e que, durante esse caminho se tornou na mãe dos 30.000”.

Termos relacionados Internacional

Nenhum comentário: