terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Esquerda.net: COP15, a desilusão que se segue?

 


COP15: a desilusão que se segue?

Tendo em conta o falhanço da COP27, podemos estar a caminhar para um novo fracasso resultante da COP15 para a Biodiversidade. As recentes COP são a melhor forma de ilustrar o desfasamento entre as evidências apresentadas pela comunidade científica e a capacidade dos governos mundiais se comprometerem.

A COP 27 começou mal, com as ONG impedidas de realizarem os seus eventos no primeiro dia da Cimeira. Na verdade, mesmo antes de começarem os trabalhos, a 27ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas já estava manchada, por ser massivamente patrocinada por multinacionais e organizada pelo regime autocrático do General al-Sisi. Durante a COP27, foi revelado, por várias ONG, que estariam presentes 636 lobistas ligados às indústrias de combustíveis fósseis, um aumento de 25% desde a cimeira passada.

Assim, este encontro tinha tudo para correr mal e os resultados não desiludiram os prognósticos mais pessimistas. O próprio secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, reconheceu, na sua declaração final(link is external), que o único ponto positivo que saiu da COP27 - o fundo para perdas e danos - não é a resposta necessária e que continua a ser urgente reduzir drasticamente as emissões de dióxido de carbono. Note-se que, segundo Guterres, este assunto nem sequer foi abordado na Cimeira.

Deixemos, por agora, esta Cimeira de lado, para nos focarmos noutra, também organizada pelas Nações Unidas, e que terá lugar em Montreal,nos próximos dias 7-19 de dezembro: a 15ª COP sobre a Biodiversidade(link is external). Esta conferência, que se realiza de 10 em 10 anos, tem como objetivo principal chegar a um acordo entre os vários países do mundo, sobre um novo conjunto de objetivos para proteger a biodiversidade, durante a próxima década.

A COP15 já deveria ter sido realizada durante o ano de 2020, na China, mas tem sido sucessivamente adiada(link is external) devido à Covid-19. A conferência, realizada no Canadá, mas que mantém a presidência chinesa, pretende aprovar um compromisso que possibilite um objetivo ambicioso: uma transformação da relação da sociedade com a biodiversidade até um estado de harmonia com a natureza em 2050. Entre as metas previstas(link is external), a cumprir até 2030, incluem-se: a preservação, em áreas protegidas, de 30% do planeta; a redução da introdução de espécies invasoras, em 50%; e a diminuição da utilização de pesticidas, em pelo menos dois terços. É bom recordar que, na conferência anterior, realizada em 2010, em Aichi (Japão), nenhuma das metas propostas para a proteção da biodiversidade para a década 2010-2020 foi atingida!

Qual o momento em que nos encontramos agora? Em 2019, o IPBES(link is external) (Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas) – que partilhou recentemente o Prémio Gulbenkian para a Humanidade com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) – produziu um relatório(link is external) para preparar o contexto da COP15. Nesse documento, que contou com a colaboração de cerca de 150 especialistas de todas as regiões do mundo, e onde foram consultadas mais de 15 mil publicações científicas, é feita uma avaliação global da biodiversidade e dos serviços do ecossistema. A avaliação divulgada é simplesmente dantesca.

Se considerarmos os impactos da ação humana sobre os vários ecossistemas, constatamos que 75% da superfície terrestre já foi significativamente alterada, 66% da área dos oceanos está a ser alvo de impactos cumulativos e 85% das áreas húmidas já foram perdidas. Nos oceanos, metade da área de corais desapareceu desde 1870, com perdas aceleradas nas últimas décadas, potenciadas pelas alterações climáticas.

Estima-se que, neste momento, 1 milhão de espécies estejam à beira da extinção (estima-se que existam cerca de 8 milhões de espécies atualmente, entre plantas e animais, das quais 75% são insetos) e, a maior parte desaparecerá durante as próximas décadas, se nada for feito para reduzir a perda de biodiversidade. A taxa de alterações globais nos ecossistemas naturais, durante os últimos 50 anos, não tem precedentes na história da humanidade.

Estamos, portanto, a assistir a uma 6ª extinção(link is external). Porém, desta vez, os agentes responsáveis são o próprio ser humano e a lógica depredadora do capitalismo.

a casa está a arder, mas temos mesmo de ser nós, cientistas, movimentos sociais, cidadãos e cidadãs, a pegar nos equipamentos de combate a incêndios

Num artigo recente(link is external), Sandra Díaz, uma das autoras do relatório do IPBES, mostra-se preocupada por ver que o compromisso previsto para a COP15 está repleto de questões em que há desacordo entre as partes. “Em julho de 2021, numa versão com cerca de 10.200 palavras havia mais de 900 pares de parêntesis -rectos”, diz a autora. Estes parêntesis assinalam as questões sobre as quais não há acordo. No seu artigo de opinião, a autora sugere uma série de exigências para a COP15, as quais decorrem de um outro relatório produzido por uma equipa de mais de 60 cientistas: ir ao encontro de cada aspeto da biodiversidade; os objetivos para a biodiversidade devem ser mais ambiciosos do que nunca, acompanhados de metas igualmente ambiciosas e recursos suficientes; as metas têm de ser rigorosas, mensuráveis e coordenadas; a proteção de alguns ecossistemas prístinos do planeta não é suficiente, é necessário incorporar a proteção da natureza em todos os aspetos das nossas vidas; por último, as metas devem focar-se nas causas da perda de biodiversidade, ou seja, a forma como consumimos, como está organizado o comércio, como são distribuídos os incentivos.

Tendo em conta o falhanço da COP27, podemos estar agora a caminhar para um novo fracasso resultante da COP15 para a Biodiversidade. As recentes COP são a melhor forma de ilustrar o desfasamento que existe entre as evidências apresentadas pela comunidade científica e a capacidade dos governos mundiais se comprometerem com as medidas necessárias para reverter o caminho para o colapso. Atualmente, este desfasamento é ainda mais evidente, porque a comunidade científica tem mostrado provas de que, além de manter o seu trabalho rigoroso de pesquisa sobre as alterações climáticas e a perda de biodiversidade, quer ser também uma parte ativa na pressão sobre os governos.

O movimento internacional, Scientist Rebellion(link is external), entre outros, tem tido um papel fundamental na mobilização contra as alterações climáticas, através de ações não violentas por todo o globo. Como disse esta semana o investigador Mads Ejsing(link is external), membro do movimento Scientist Rebellion: “Se nós, como investigadores, acreditamos mesmo que a casa está a arder – que a crise ecológica coloca em causa a nossa própria existência – como é que podemos continuar a fazer as mesmas coisas como antes?” É isso mesmo, a casa está a arder, mas temos mesmo de ser nós, cientistas, movimentos sociais, cidadãos e cidadãs, a pegar nos equipamentos de combate a incêndios. Isto não significa demitir a responsabilidade de quem hoje detém o poder e se regula pelos interesses instalados, como se viu na COP27. É preciso que os atuais líderes mundiais tomem outras decisões, ou que a isso sejam obrigados.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro florestal. Estudante de doutoramento no Centro de Ecologia Aplicada "Prof. Baeta Neves" (ISA-UL).

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