quinta-feira, 18 de abril de 2024

Que fazia a bandeira portuguesa no navio israelita.....

 


Que fazia a bandeira portuguesa no navio israelita capturado pelo Irão?

O registo de navios no offshore da Madeira disparou nos últimos dez anos, ultrapassando hoje os 900. A venda de Portugal como “bandeira de conveniência” associa o país a negócios que ninguém escrutina. É o caso do bilionário israelita cujo cargueiro foi apresado pelo Irão, colocando o Estado português no centro de uma crise diplomática.
navio com bandeira israelita e portuguesa
Fotomontagem com bandeiras de Israel e Portugal sobre o navio MSC Aries, apreendido pelo Irão.

O navio com bandeira portuguesa capturado(link is external) pelo Irão no estreito de Ormuz este sábado agitou a diplomacia nacional, dando a Paulo Rangel a primeira oportunidade para intervir publicamente enquanto ministro. Condenou o desvio, anunciando uma reunião do embaixador português em Teerão com o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano e apelando aos turistas portugueses naquele país para voltarem a casa. Horas depois, o Irão retaliava pelo ataque mortífero de Israel ao consulado iraniano em Damasco no início de abril. A maior parte dos mísseis e drones iranianos acabou intercetada pelo sistema de defesa israelita, com apoio dos EUA, Reino Unido e outros países, sem que houvesse mortes a registar.

Esta terça-feira, Rangel chamou(link is external) o embaixador iraniano em Lisboa para uma reunião com o diretor geral de Política Externa. Este exigiu a libertação do navio e da tripulação, bem como o tratamento digno da tripulação. Exigências feitas “à luz das obrigações de Portugal enquanto Estado bandeira”, embora o navio não pertença a uma empresa portuguesa nem a sua tripulação inclua qualquer cidadão português. O Governo ameaçou ainda tomar "passos adicionais" caso as suas exigências não sejam satisfeitas. Teerão contrapôs que capturou o navio por este “violar normas marítimas internacionais” e "pertencer ao regime sionista". 

O que arrastou Portugal para este conflito? 

O porta-contentores MSC Aries pertence à Gortal Shipping Inc, uma subsidiária do grupo Zodiac Maritime, sediado no Mónaco, que por sua vez trabalha com a gigante do comércio marítimo Mediterranean Shipping Company (MSC), responsável pela carga e manutenção deste navio. À frente da Zodiac Maritime está Eyal Ofer(link is external), magnata israelita com interesses na navegação, energia, imobiliário e outras áreas de negócio em vários países. Considerado o sétimo armador mais influente no ramo em 2022, Eyal herdou a fortuna do pai, Sammy Offer, que quando morreu, em 2011, foi considerado pela Forbes o homem mais rico de Israel. 

O pavilhão português do MSC Aries deve-se à sua inscrição no Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), criado em 1989 por um decreto-lei e integrado no Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM). O ex-vice de Jardim, Miguel de Sousa, reivindica-o como "invenção(link is external)" sua. O objetivo de criar um regime de registo paralelo era o de travar a saída de navios do registo convencional para outros países "de conveniência", bem como o de atrair armadores e investidores internacionais, que ali inscrevem as suas empresas e beneficiam de um regime fiscal mais atrativo. 

Nos últimos dez anos, o número de embarcações registadas no MAR quadruplicou, ascendendo agora a 902, disse(link is external) esta semana o presidente do Governo Regional da Madeira. O MAR é atualmente o terceiro maior Registo Internacional da União Europeia, o quarto em toda a Europa, e está no 11º lugar a nível mundial, tendo ultrapassado(link is external) os mil navios registados no final de 2023, segundo os números divulgados pela entidade que gere o CINM . Quando apresentou o seu Programa de Governo(link is external) em novembro passado, o executivo de Miguel Albuquerque revelou os seus planos para criar no CINM um Registo Internacional de Aeronaves, replicando o modelo dos navios para procurar arrecadar mais receita fiscal.

A MSC é das empresas com mais navios registados, mais de 50. Em 2020 anunciava que lhe pertencia o maior porta-contentores registado com bandeira portuguesa, o MSC Virgo. Nesse mesmo ano foi construído, com as mesmas dimensões - 366 metros de comprimento por 51 de largura - o MSC Aries, agora sob custódia da Marinha iraniana.

Em 2022, quando havia 776 embarcações registadas no MAR, nelas trabalhavam(link is external) 13.190 tripulantes, sendo 4.965 oficiais e 8.225 marinheiros. Mas os portugueses eram apenas 336, ou seja 2,5% do total, dos quais 94 trabalhavam em navios de passageiros.

Lei da selva em alto mar

Com a aquisição da bandeira portuguesa, aos navios registados do MAR são aplicáveis todas as Convenções Internacionais ratificadas por Portugal, podendo fazer cabotagem (navegação costeira, navegação, comércio ou transportes) nos países da União Europeia e beneficiar da inclusão do MAR na "lista branca" do Comité do Memorandum de Entendimento de Paris. Como explicou(link is external) o comandante da Marinha João Fonseca Ribeiro, dentro da embarcação “aplica-se a lei portuguesa” e o nosso país está obrigado a "assegurar a integridade e segurança dos tripulantes”.

O registo do navio por entidades estrangeiras pode ser feito(link is external) com a simples nomeação de um representante legal na Madeira ou com a criação de uma sociedade no CINM, transferindo a propriedade do navio para essa sociedade e beneficiando do seu regime de benefícios fiscais. Os salários das tripulações ficam assim isentos de impostos e os tripulantes não estão obrigados a descontar para a Segurança Social portuguesa. As sociedades pagam uma taxa de imposto de 5%, ficando isentas de retenção na fonte na distribuição de dividendos e no pagamento de juros, royalties ou mais valias. 

Outro dos requisitos para a composição da tripulação é que 30% da tripulação de segurança do navio sejam nacionais da UE ou de países de língua oficial portuguesa (ou espanhola se os navios forem propriedade de entidades espanholas). No caso do MSC Aries, sabe-se que não havia ninguém com nacionalidade de países com língua oficial portuguesa e o único nascido num país da UE é um tripulante estónio.

Bandeira portuguesa está à venda

O regime do MAR esteve em debate no Parlamento em julho de 2020, a propósito de alterações ao regime de hipotecas e da substituição de diários de bordo, com o deputado socialista Carlos Pereira a destacar a "história de sucesso" do regime e a deputada social-democrata Sara Madruga da Costa a defender que os 600 navios então registados na Madeira conferiam ao nosso país "maior poder de representação e influência em matéria de transporte marítimo".

As maiores críticas ao regime vieram do Bloco de Esquerda, o único a votar contra as alterações propostas. "Trata-se de medidas que facilitam um registo de navios opaco e facilitam a atribuição de bandeiras de conveniência que beneficiam do offshore da Madeira e possibilitam jogadas financeiras internacionais", afirmou(link is external) o deputado bloquista Ricardo Vicente, concluindo que o MAR "resume-se facilmente: é o Estado português a colocar a sua bandeira nacional à venda. Essa bandeira é colocada depois em navios que não controlamos, que podem servir para qualquer coisa, incluindo tráfico de armas ou de drogas".

Por seu lado, a então deputada e atual vereadora do Bloco em Lisboa, Beatriz Gomes Dias, recordou(link is external) o incidente ocorrido dois meses antes, quando um navio com bandeira portuguesa resgatou cerca de uma centena de migrantes à deriva no Mediterrâneo: "o armador era alemão, o comandante era alemão e, rejeitando as indicações do Governo português, obedeceu às indicações das autoridades de Malta para entregar os náufragos na costa líbia, onde as condições de segurança são absolutamente questionáveis". Ou seja, "não foi cumprido o Direito Internacional, não obedeceram às ordens das autoridades portuguesas e as pessoas não foram protegidas".

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