sexta-feira, 15 de agosto de 2008

ARTIGO - Mais uma vez, a grande ameaça.

José de Souza Castro, do Tamos com Raiva.

No artigo anterior, defendo que o mundo está ameaçado pela fome e pela falta de líderes, desde que o neoliberalismo passou a ser a doutrina econômica e a política dominante. É uma conseqüência do fim da União Soviética e da cooptação da China pelo capitalismo mundial, embora o regime se intitule ainda comunista.

Estamos vivendo, há alguns anos, sem um contraponto político e ideológico ao capitalismo, que só não é mais exacerbado por causa do esforço de entidades da sociedade civil para torná-lo, de certa forma, socialmente responsável.

Mas esse esforço não é suficiente para evitar que 832 milhões de pessoas passem fome hoje no mundo e que dois bilhões, segundo cálculos da própria ONU, estejam seriamente ameaçados, num futuro próximo, com a escassez de alimentos. São vários os fatores que levaram a essa situação tendente a agravar-se, mas o mais importante foi o enfraquecimento dos governos em praticamente todos os países. Sem força para regular o mercado, este corre solto em busca apenas de lucro, sem contemplar as conseqüências para a população da terra e para a própria sobrevivência do planeta como um habitat para animais e plantas.

Os Estados Unidos, como líder mundial, são os principais responsáveis pelo atual estado de coisas. O economista Jeffrey D. Sachs, autor de "The end of poverty" (O Fim da Pobreza), culpa seu país por nada fazer para reduzir a miséria que leva à morte mais de oito milhões de pessoas no mundo a cada ano – pessoas tão pobres que não conseguem sobreviver. A cada dia, 20 mil pessoas morrem no mundo por extrema pobreza. Enquanto os Estados Unidos gastam 450 bilhões de dólares por ano com os militares, eles destinam apenas 15 bilhões para socorrer os mais pobres entre os pobres do mundo. Essa esmola representa apenas 15 centavos de cada 100 dólares do PIB americano.

Sob a inspiração dos Estados Unidos, o FMI e o Banco Mundial promoveram uma era de ajustamento estrutural nos países do terceiro mundo. Obrigaram os governos a venderem suas empresas, a deixarem de intervir no mercado, a abrirem suas economias para o comércio mundial – e agravaram o problema da miséria em seus países. Enquanto isso, a ajuda internacional caiu de 32 dólares por africano, em 1980, para 22 dólares em 2001, embora nesse período a África, o continente mais ameaçado, estivesse sendo castigado pela Aids e por outras doenças epidêmicas que exigiam aumento dos gastos públicos com a saúde.

O que se vê na África – e em partes do Brasil também – é uma verdadeira dizimação de populações inteiras pela fome e pela doença. A se confirmar a previsão da ONU, será uma tragédia muitíssimo mais grave do que o holocausto dos judeus na Alemanha nazista. Os mortos de agora serão também vítimas do racismo.

A degradação ambiental provocada pela ganância dos ricos e poderosos que estão a exaurir, a um ritmo intenso, os recursos naturais dos países pobres tem como vítimas preferenciais, mais uma vez, os mais pobres entre os pobres. A devastação das florestas ameaça o ecossistema, exacerbando as enchentes e a erosão da terra que pode servir para lavouras, e tornando escassa a lenha com que aquelas pessoas cozinham seus alimentos, para citar apenas alguns dos efeitos do fim das florestas.

Voltemos ao problema da África, com um pouco de história recente. Os governos ocidentais impuseram restrições draconianas no orçamento africano entre 1980 e 1990. O FMI e o Banco Mundial praticamente ditaram as políticas econômicas dos países devedores do continente, com programas sem qualquer base científica e sem resultados positivos. De acordo com Sachs, no começo do século XXI, a África era mais pobre do que em 1960, quando os dois organismos internacionais primeiro pisaram no continente. O FMI e o Banco Mundial concluíram o que havia sido feito em três séculos de exploração dos africanos como trabalhadores escravos nas lavouras dos Estados Unidos, do Brasil e de muitos outros países.

Depois que terminou o período colonial, a África se tornou uma espécie de peão da guerra fria liderada pelos Estados Unidos. A CIA se encarregou de tirar do poder todos os líderes que pregavam o nacionalismo ou exigiam melhores condições na exploração de seus minérios e petróleo por companhias estrangeiras, ou que buscavam ajuda da União Soviética. Só para lembrar: foi obra da CIA o assassinato do primeiro-ministro do Congo, Patrice Lumumba, e sua substituição pelo ditador sanguinário Mobutu Sese Seko. Nos anos 80, os Estados Unidos apoiaram Jonas Savimbi na sua violenta revolta contra o governo de Angola, sob a alegação de que Savimbi era um anticomunista. A lista é longa...

Mas nada disso se compara ao que assistimos hoje: a morte por inanição de milhões de pessoas. Aliás, uma conseqüência de tudo o que se fez no passado sob a batuta de Tio Sam. E não há esperança à vista de mudanças. O candidato democrata à presidência dos Estados Unidos não parece preocupado com isso. Já o candidato republicano, qualquer que seja ele, fará o que sempre fizeram os republicanos com o resto do mundo, se for eleito.
Fonte:Blog NovaE.

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