sexta-feira, 15 de agosto de 2008

GUERRA DO IRAQUE - Eu era um assassino psicopata.

Testemunho de Jimmy Massey, ex-“marine” no Iraque.

“Eu era um assassino psicopata”

Rosa Miriam Elizalde, Cubadebate
Fonte: VoltaireNet.org


“Tenho 32 anos e sou um assassino psicopata bem treinado. Tudo o que sei fazer na vida é vender aos jovens a ideia de se alistarem nos Marines e de matar. Sou incapaz de segurar um emprego. Para mim todos os civis são uns seres desprezíveis, uns atrasados mentais, uns fracos, um rebanho de carneiros. E eu sou o cão do pastor. O depredador. Na tropa chamavam-me ‘Jimmy o Tubarão’”.

Este é o segundo parágrafo do livro escrito há 3 anos por Jimmy Massey, com a ajuda da jornalista Natasha Saulnier. Kill! Kill! Kill! [título da versão em francês] foi apresentado no Salão do Livro de Caracas; trata-se do depoimento mais violento jamais escrito por um ex-membro do corpo de marines, chegado ao Iraque com as tropas de invasão em 2003. Decidiu contar, as vezes que for preciso, como pode representar durante 12 anos o papel de um marine impiedoso e porque é que esta guerra o fez mudar.

Jimmy participou no principal debate do Salão do Livro, cujo título era no mínimo polémico: “É possível uma revolução nos Estados Unidos?”, e o seu testemunho é sem dúvida alguma aquele que mais impressionou o público. Tem o cabelo curto (corte militar), óculos escuros, um passo marcial e os braços cobertos de tatuagens. Tem exactamente o ar do que era: um marine. Quando fala, é diferente: está profundamente marcado por uma experiência alucinante, que gostaria de evitar a outros jovens ingénuos. Como diz no seu livro, não é o único a ter matado no Iraque: era também esse o exercício quotidiano dos seus companheiros. Quatro anos depois de ter deixado o teatro de operações, os pesadelos ainda o perseguem.

Rosa Miriam Elizalde (RME): Que significam essas tatuagens todas?

Jimmy Massey (JM): Tenho muitas. Quis que mas fizessem quando estava na tropa. Na mão (mostra a zona entre o polegar e o anular), o símbolo da Blackwater, um exército de mercenários que foi criado onde eu nasci, na Carolina do Norte. Mandei fazê-la em sinal de contestação, porque os marines estão proibidos de terem tatuagens nos pulsos e nas mãos. Um dis, com os elementos do meu pelotão, embebedámo-nos todos e fizemos todos a mesma tatuagem: um cowboy de olhos injectados de sangue, num fundo de ases, a imagem da morte. Sim, quer dizer exactamente o que estás a pensar: “tu mataste alguém”. No braço direito, o símbolo dos marines, a bandeira dos Estados Unidos e a do Texas, onde me alistei. No peito, do lado esquerdo, um dragão chinês que rasga a pele e significa que a dor é a fraqueza a escapar-se do corpo. Aquilo que não nos mata, torna-nos mais fortes.
Capa do livro "Cowboys del infierno" na sua versão em castelhano, apresentado no Salão do Livro de Caracas (FILVEN 2007 na presença de Jimmy Massey. Pode ser adquirido directamente das edições Timeli (mail@timeli.ch). Há uma edição franc

RME: Porque diz que encontrou nos marines as piores pessoas que já conheceu?

JM: Os Estados Unidos usam os seus marines de duas maneiras: nas tarefas humanitárias, e para assassinar. Eu passei 12 anos nos corpos de marines dos EUA e nunca fui destacado para uma missão humanitária.

RME: Antes de partir para o Iraque, V. recrutava jovens para o exército? O que é ser-se recrutador nos Estados Unidos?

JM: Para recrutar é preciso mentir. A administração Bush forçou a juventude estadunidense a alistar-se no exército. De que maneira? Utilizando um processo que era também o meu: ofertas económicas. Em três anos fiz 74 recrutamentos, nenhum deles me disse querer entrar no exército para defender o seu país, nenhum tiva uma motivação patriótica. Queriam dinheiro para poderem entrar para a universidade ou para ter um seguro de saúde. Eu começava por lhes falar de todas essas vantagens, e só no fim lhes confirmava que iam servir a causa da pátria. Nunca consegui recrutar um único filho de ricos. Um recrutador que queira defender o emprego não se pode deixar atrapalhar pelos escrúpulos.

RME: O Pentágono abrandou as condições requeridas para entrar no exército. Que significa isso?

JM: Os padrões de recrutamento baixaram muito, porque já quase ninguém se quer alistar. Os problemas de saúde mental ou o registo criminal já não são obstáculos. Pessoas que cometeram actos que lhes valeram mais de um ano de prisão, delitos considerados como graves, podem entrar no exército, do mesmo modo que os jovens que ainda não acabaram os estudos secundários. Se passarem o teste mental, são admitidos.

RME: V. mudou quando voltou da guerra, mais quais eram os seus sentimentos antes disso?

JM: Eu era um rufião qualquer, que acreditava em tudo o que lhe diziam. Foi quando me tornei recrutador que comecei a sentir-me mal: tinha de estar sempre a mentir.

RME: Mas V. estava convencido de que o seu país estava a fazer uma guerra justa contra o Iraque.

JM: Sim, os relatórios que recebíamos indicavam que Saddam tinha armas de destruição massiva. Só mais tarde é que ficámos a saber que era tudo mentira.

RME: Quando é que ficaram a saber?

JM: No Iraque, quando lá cheguei em Março de 2003. O meu pelotão foi mandado para umas instalações que tinham sido do exército iraquiano e, aí, encontrámos milhares e milhares de caixas de munições com etiquetas dos Estados Unidos: estavam ali desde que os EUA tinham decidido apoiar o Iraque na sua guerra contra o Irão.

Eu vi aquelas caixas com a bandeira dos Estados Unidos, até vi tanques norte-americanos. Os meus marines – eu era sargento de categoria E6, uma patente superior à de um simples sargento, e comandava 45 marines –, os meus homens perguntavam-me porque é que estavam munições estadunidenses ali no Iraque. Não compreendiam. Os relatórios da CIA tinham-nos convencido de que Salmon Pac era um campo de treino de terroristas e que lá íamos encontrar armas químicas e biológicas. Ora nós não encontrámos nada disso. Foi aí que comecei a suspeitar de que o conteúdo da nossa missão era o petróleo.

RME: As passagens mais impressionantes do seu livro são aquelas em que V. reconhece que, nessa altura, era um assassino psicopata. Quer explicar porque diz isso?

JM: Tornei-me um assassino psicopata porque fui treinado para matar. Eu não nasci com essa mentalidade. Foi o Corpo de Infantaria da Marinha que fez de mim um gangster ao serviço das grandes multinacionais estadunidenses, um vulgar delinquente. Fui treinado para executar cegamente as ordens do presidente dos Estados Unidos e para trazer para o país aquilo que ele pedisse, fora de qualquer consideração moral. Era um psicopata porque aprendi a atirar primeiro e perguntar depois, como um doente e não como um soldado profissional que só deve enfrentar outro soldado. Portanto, se era preciso matar mulheres e crianças, nós matávamos mulheres e crianças. Por conseguinte já não éramos soldados, mas sim mercenários.

RME: Como é que chegou a essa conclusão?

JM: Foi depois de passar por várias experiências. O nosso trabalho consistia em entrar em certos bairros urbanos e em tratar da segurança nas estradas. Houve um incidente, entre muitos outros, que me deixou à beira do precipício: um carro que transportava civis iraquianos. Todos os relatórios dos serviços secretos que nos vinham parar às mãos diziam que os carros estavam cheios de bombas e explosivos. Não tínhamos outras informações. Os carros chegavam e nós atirávamos algumas rajadas de aviso; se não abrandassem para avançar à velocidade que nós mandávamos, atirávamos sem hesitar.

RME: Com metralhadoras?

JM: Sim, e ficávamos à espera das explosões, pois os carros ficavam crivados de balas. Nunca houve explosão. Depois, abríamos o carro e o que encontrávamos? Mortos e feridos, mas nem uma só arma, nenhuma propaganda da Al Qaeda. Nada. Civis que chagaram ao sítio errado no momento errado.

RME: V. conta também que o seu pelotão metralhou uma manifestação pacífica. Como é que isso aconteceu?

JM: Foi nas imediações do complexo militar de Rashid, a sul de Bagdade, perto do [rio] Tigre. Havia manifestantes ao fundo da rua. Eram jovens e não estavam armados. Avançámos e vimos um tanque estacionado de um dos lados da rua. O condutor do tanque disse-nos que eram manifestantes pacíficos. Se os iraquianos quisessem fazer alguma coisa, podiam ter feito explodir o tanque, mas não o fizeram. Nós estávamos tranquilos, pensávamos: “Se eles quisessem fazer fogo já o teriam feito”. Estavam a cerca de duzentos metros…

RME: E quem deu ordem para metralhar os manifestantes?

JM: O alto comando disse-nos para não perdermos de vista os civis, porque muitos fedayins da Guarda Republicana tiravam o uniforme e vestiam-se à civil para lançar ataques terroristas contra os soldados estadunidenses. Os relatórios dos serviços de informações eram do conhecimento de todos os elementos da cadeia de comando. Todos os marines tinham uma ideia muito clara da estrutura da cadeia de comando organizada no Iraque. Creio que a ordem para fazer fogo vinha de altos funcionários da Administração, tanto dos centros de informações militares como do governo.

RME: Que fez V.?

JM: Voltei para o meu veículo, um humvee [jipe fortemente equipado e blindado], e senti passar uma bala por cima da minha cabeça. Os marines começaram a atirar, e eu também. Não houve reacção de fogo do lado dos manifestantes. Eu tinha dado doze tiros, e nem um tiro de volta… Quis certificar-me de que tínhamos morto alguém segundo as normas de combate da Convenção de Genebra e os procedimentos regulamentares das operações. Tentei esquecer-me daqueles rostos e pus-me à procura das armas deles, mas não havia uma só que fosse.

RME: E como reagiram os seus superiores?

JM: Disseram-me: “São merdas que acontecem”.

RME: Quando os seus camaradas souberam que tinham sido enganados, como reagiram?

JM: Eu era o segundo chefe. Os meus marines perguntavam-me porque é que matávamos tantos civis. “Não podes falar com o tenente?”, diziam-me. “Diz-lhes que precisamos de material apropriado para isto”. A resposta foi: “Não!” Quando os meus marines deram conta de que se tratava de uma grande mentira, ficaram como loucos.

A nossa primeira missão no Iraque não tinha como objectivo levar-lhe ajuda alimentar, como diziam os médias, mas assegurar o controlo das explorações petrolíferas de Bassorá. Na cidade de Kerbala tínhamos usado a nossa artilharia 24 horas seguidas. Foi a primeira cidade que atacámos. Eu cá pensava que íamos levar ajuda médica e alimentar à população. Não. Continuámos o nosso caminho até às explorações petrolíferas. Antes do Iraque, tínhamos ido ao Kuwait.

Chegámos em Janeiro de 2003. Os nossos veículos estavam cheios de víveres e de medicamentos. Perguntei ao tenente o que íamos fazer, pois com todo esse material a bordo quase não havia espaço para nós. Respondeu-me que o capitão lhe tinha dado ordem para deixar aquilo tudo no Kuwait. Pouco depois, fomos encarregados de queimar tudo: todos os víveres e todo o material médico humanitário.

RME: V. também denunciou o uso de urânio empobrecido…

JM: Tenho 35 anos e a minha capacidade respiratória foi reduzida em 20%. Os médicos dizem que sofro de uma doença degenerativa da coluna vertebral, que é acompanhada por fadiga crónica e dores nos tendões. Outrora, eu corria todos os dias 10 km só pelo prazer, e agora mal consigo caminhar cinco ou seis quilómetros. Até tenho medo de ter filhos. Tenho inflamações na cara. Olha para esta fotografia (mostra-me a foto do cartão de identificação do Salão do Livro), foi tirada pouco depois de eu voltar do Iraque. Pareço uma criatura do Frankenstein e isso devo-o ao urânio empobrecido. Imagina só o que os pobres iraquianos tiveram de aguentar…

RME: E o que aconteceu quando regressaram aos Estados Unidos?

JM: Passava por doido, por cobarde, por traidor.

RME: Os seus superiores dizem que tudo o que conta não passa de mentiras.

JM: Mas as provas contra eles são esmagadoras. O exército norte-americano está esgotado. Quanto mais esta guerra durar, mais a minha verdade terá possibilidade de vir à luz do dia.

RME: O livro que apresentou na Venezuela existe em castelhano e em francês. Porque é que não foi publicado nos Estados Unidos?

JM: Os editores exigiram que os nomes das pessoas implicadas fossem retirados e que a guerra do Iraque fosse apresentada numa espécie de bruma, de uma forma menos crua. Mas eu não estou nessa disposição. Houve editoras, como a New Press, supostamente de esquerda, que recusaram publicar-me com medo de precessos judiciais, pois as pessoas visadas no livro podem apresentar queixas.
A associação de Jimmy Massey, a IVAW (“Iraq Veterans Against the War”, Veteranos do Iraque Contra a Guerra), organiza uma manifestação nos Estados Unidos para denunciar aquela invasão ilegal

RME: Porque é que os médias como o New York Times e o Washington Post não falam do seu testemunho?

JM: Porque eu não reproduzo a história oficial, segundo a qual as tropas estavam no Iraque para ajudar o povo, e também não digo que os civis morrem por acidente. Recuso-me a fazê-lo. Nunca vi tiros acidentais contra iraquianos e recuso-me a mentir.

RME: E a atitude deles modificou-se?

JM: Não, abriram as páginas aos objectores de consciência: opiniões e livros de pessoas que são contra a guerra, mas que não viveram este tipo de experiências. Continuam a não querer olhar de frente para a realidade.

RME: Tem fotografias ou outros documentos que provem os factos que nos conta?

JM: Não. Tudo o que me pertencia foi-me retirado quando recebi a ordem para regressar aos Estados Unidos. Voltei do Iraque com duas armas: a cabeça e uma faca.

RME: Haverá uma saída para a guerra, a curto prazo?

JM: Não, o que eu constato é que os republicanos e os democratas estão de acordo quanto a esta política. A guerra é um grande negócio para os dois partidos, que dependem do complexo militar-industrial. Seria preciso um terceiro partido.

RME: Qual?

JM: O do socialismo.

RME: V. participou num debate cujo título era “Estados Unidos: a revolução é possível”. Acredita mesmo nisso?

JM: Já começou. No sul, onde eu nasci.

RME: Mas o sul é, tradicionalmente, a região mais conservadora do país.

JM: Depois do furacão Katrina as coisas mudaram. Nova Orleães parece Bagdade. As pessoas do sul estão indignadas e perguntam-se todos os dias como é possível investirem-se fortunas numa guerra inútil em Bagdade e que não haja um chavo para Nova Orleães. Lembre-se que foi no sul que começou a maior rebelião do país.

RME: V. seria capaz de ir a Cuba?

JM: Tenho muita admiração por Fidel Castro e pelo povo de Cuba. Se for convidado, claro que irei. Estou-me nas tintas para o que diz o meu governo. Ninguém decide onde eu posso ou não posso ir.

RME: Sabia que o símbolo do desprezo imperial pela nossa nação é uma fotografia de marines a urinarem para cima da estátua de José Marti, o herói da nossa independência?

JM: Sim, sim. Quando eu estava nos marines falavam-nos de Cuba como se se tratasse deuma colónia dos Estados Unidos e ensinavam-nos um pouco de história. É suposto um marine aprender coisas sobre o país que vai invadir, como diz a canção…

RME: A canção dos marines?

JM (canta): “From the halls of Montezuma, to the shores of Tripoli…” [Dos salões de Montezuma às praias de Tripoli…]

RME: Por outras palavras, o mundo inteiro…

JM: O sonho é efectivamente dominar o mundo… mesmo que, para o realizar, tenhamos todos de nos tornar assassinos.
Fonte:Tribunal do Iraque.

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