"Não resolvemos a questão central da reforma do papel das Forças Armadas", diz José Dirceu
Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - José Dirceu de Oliveira e Silva completava 15 dias de maioridade, mas ainda era um adolescente político. Trabalhava em um escritório na Praça da República, no centro de São Paulo, estudava no Colégio Paulistano e fazia cursinho pré-vestibular.
Tinha acabado de fazer 18 anos quando viu descendo pela Rua da Consolação, vindo da Rua Maria Antônia, estudantes do Colégio Mackenzie fazendo manifestação em favor do golpe militar de 64. Contra os alunos direitistas, o jovem Zé Dirceu teve certeza de que estava do lado certo, mas jamais imaginou que poderia liderar nos anos seguintes parte da resistência à ditadura militar que vigorou por 21 anos.
Passados 45 anos de sua maioridade e do golpe, José Dirceu avalia o período, refuta teses tais como “o AI-5 foi culpa das guerrilhas urbanas” ou que “a luta armada prolongou o regime ditatorial”. Ele reconhece o legado econômico do período, mas avalia que o país teria se saído muito melhor sob a democracia.
O ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), ex-ministro-chefe da Casa Civil dn primeiro mandato do presidente Lula e deputado cassado por seus pares (sob acusação de envolvimento com o mensalão) analisa que, após quase 25 anos de redemocratização, o país precisa rever o papel das Forças Armadas e passar a limpo sua história contemporânea. A seguir, os trecho principais de entrevista por telefone, concedida no dia 26 deste mês.
Agência Brasil – No momento do golpe militar, o senhor já era militante?
José Dirceu – A minha militância política e um novo mundo que descobri aconteceram quando eu entrei para a PUC [Pontifícia Universidade Católica] para fazer o curso de Direito. Ali começo a militar com amigos do Partido Comunista Brasileiro, fazer cineclube, protestar contra o autoritarismo vigente na escola, contra as anuidades, contra o fechamento dos centros acadêmicos, pela associação atlética [da faculdade], contra o recrudescimento da ditadura com a Lei Suplicy [que extinguiu a União Nacional dos Estudantes - UNE e as uniões estaduais de estudantes] e com o Ato Institucional nº 2 [escrito “à nação” e que estabeleceu a suspensão de direitos políticos e eleição indireta para presidente, além de censura à propaganda considerada “subversiva”, entre outras medidas].
ABr – A esquerda fez uma leitura errada dos acontecimentos que antecederam o golpe, avaliando que poderia haver resistência?
Dirceu – O golpe era um golpe anunciado, que tem raízes na Escola Superior de Guerra. Tinha uma avaliação de que haveria tentativa de golpe, mas não houve uma preparação para resistir. Ainda que os norte-americanos estivessem preparados. Os americanos tinham mandado uma frota da Marinha para cá e estavam preparados não só para reconhecer os golpistas [como representantes legítimos do Estado brasileiro], como também para fazer uma intervenção política e militar ao lado deles. Em grande parte, o golpe foi financiado, articulado e apoiado pelos americanos. Depois disso e até o governo Geisel, toda política interna e externa refletiu essa ligação carnal com os Estados Unidos. O Juracy Magalhães [ministro das Relações Exteriores do governo Castelo Branco, 1966-1967] disse que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
ABr – Qual a pior conseqência do golpe?
Dirceu – Evidentemente a ditadura em si foi o pior. Há muitos aspectos da política econômica: concentração de renda, êxodo rural, empobrecimento das classes populares e endividamento. O que marca a ditadura é a repressão, as torturas, os crimes políticos, os desaparecimentos, a censura, o impedimento de que o país tivesse instituições democráticas. Até então, o Brasil em 70 anos de República viveu 35 de ditadura. Isso trouxe conseqüências graves para a formação política e cívica do país. O saldo que a ditadura deixou foi trágico: não só pelos assassinatos e torturas, mas pela cassação dos direitos políticos dos milhares que foram diretamente cassados como eu, mas de todo o povo brasileiro que não pôde exercer os direitos.
ABr – Na sua vida, a cassação e o exílio foram os piores momentos?
Dirceu – O golpe me despertou para a política, assim como aconteceu com milhões de brasileiros. O Brasil não parou de lutar. Fizemos questão de manter as ruas na mão daqueles que se opunham à ditadura. Nós mantivemos centros acadêmicos abertos e mobilizações de alguns setores contra a ditadura, como os de intelectuais, artistas, professores, jornalistas. Tentamos fazer uma ponte com o movimento sindical que se levantou em 1968, em Osasco (SP). A cassação do meu habeas corpus pelo Ato Institucional nº 5 foi o pior momento [que o impediu sair da prisão, feita durante o 30º Congresso da UNE, no interior de São Paulo].
ABr – Por que o movimento estudantil capitaneou a resistência ao regime militar?
Dirceu – Os estudantes pertenciam a uma geração libertária que saiu de casa, foi trabalhar e estudar nas grandes cidades sem depender dos pais. Foi uma geração avessa ao conservadorismo cultural e moral e ao autoritarismo que existia no país. O movimento estudantil foi mais do que luta contra a ditadura, foi uma revolução de comportamento. Isso coincide com um momento de grandes transformações no mundo.
ABr – Olhar isso com uma certa nostalgia não esconde a dureza que foram aqueles anos?
Dirceu – Não, a vida é assim, tem muitas facetas, é um arco-íris. A luta nossa teve seus momentos de tristeza e dor pelas derrotas, mas teve seus momentos de alegria e vitória pela criação e pelos sonhos.
ABr – A luta armada levou o país ao AI-5?
Dirceu – Não. Isso é uma tese sem fundamento que até serve de justificativa para o golpe. Os atos institucionais nº 1 e nº 2 já mostram a natureza da ditadura. Todo golpe tem uma natureza violenta porque é uma solução fora da política. Dizer que a repressão teve como causa a resistência à ditadura é uma coisa simplesmente inaceitável. Então não se pode lutar pela liberdade? Esse tipo de conceito não corresponde aos fatos históricos. Ditadura era ditadura. Também foram reprimidos os partidos políticos de oposição. O Partido Comunista Brasileiro, que não participou da luta armada, também foi reprimido. Não tem sentido esse argumento.
ABr – A visão revolucionária de alguns setores estava equivocada? A visão reformista do citado “Partidão” talvez fosse a leitura mais adequada daqueles momentos?
Dirceu – A luta armada tem, em primeiro lugar, uma justificativa pelo menos moral: é o direito à resistência, está previsto na carta das Nações Unidas, contra a opressão e um governo ilegítimo que nasceu da violência de um golpe militar inconstitucional e se impôs pela força. Evidentemente que não foi o método mais correto. Não soubemos combinar a resistência armada com a luta política e social. Porém, daí tirar a conclusão de que a luta pacífica ou que a resistência institucional poderiam ser bem-sucedidas está errado porque elas também foram derrotadas. No processo histórico todos aprendemos, não vejo por que dar toda a razão aos pacifistas ou negar toda a razão à luta armada, apesar do seu caráter militarista.
ABr – Qual foi o maior aprendizado?
Dirceu – Que não se pode fazer nenhuma luta se não tiver apoio popular e é preciso aprender com a luta. Nós aprendemos isso e exercitamos a partir de 80, muitos fundadores do PT vivemos essa experiência e soubemos aproveitá-la na vida política.
ABr – Houve acertos no regime militar?
Dirceu – Evidentemente houve acertos, não é possível governar o país por tanto tempo sem crescimento, sem realizações. O país mudou radicalmente. O Brasil de 1985 não é igual ao Brasil de 1964. É um outro país, para o bem e para o mal. Caracterizado pela pobreza, perda da soberania popular e ausência de instituições democráticas, mas também com infra-estrutura de telecomunicações, rodoviária, energia, apesar de ter abandonado as ferrovias, não ter desenvolvido a hidrovia, e de a produção de energia nuclear não ter dado certo. Teve endividamento externo, mas o país criou uma indústria petroquímica, a Petrobras sobreviveu, se constituiu a Eletrobrás, a Telebrás. Não se conseguiu criar uma indústria de TI [tecnologia da informação], mas o país avançou na indústria pesada, de máquinas e equipamentos, apesar de não ter conseguido acompanhar o desenvolvimento tecnológico mundial. O Brasil começou a criar as bases para a agricultura e a groindústria que tem hoje. O saldo absoluto negativo é no social e político. No econômico - como o país trabalhou, produziu, acumulou muito e aumentou sua população -, é inegável que houve crescimento, mas nada disso justifica a ditadura. Tudo isso poderia ter sido feito com democracia e teria sido feito melhor. Talvez, por exemplo, não teríamos visto um desenvolvimento urbano tão concentrador, tanta favelização. Talvez a participação do trabalho na renda nacional teria sido maior, feito a reforma agrária em uma época que teria outro impacto.
ABr – Que diferenças e semelhanças o senhor apontaria entre aquele projeto de desenvolvimento e o projeto atual do governo Lula?
Dirceu – Nenhuma semelhança. O país é outro, o mundo é outro, não tem nenhuma comparação. Não fazemos o crescimento com base no endividamento externo. O país já tem uma base industrial e tecnológica para dar saltos. O principal problema do país é combater a pobreza, a desigualdade, e fazer uma revolução tecnológica e educacional. Outro problema é fazer a integração da América do Sul, que não estava colocada naquela época. O discurso era chauvinista, de direita nacionalista, até de sub-imperialismo. Não vejo paralelo. Tudo agora é feito na democracia, naquela época não havia participação da sociedade. Não se pode comparar.
ABr – No governo Geisel, a abertura correu riscos?
Dirceu – Claro que correu. Só não ocorreu porque as forças que lutavam pela democracia foram se impondo. A sociedade foi se mobilizando: a Igreja teve um papel importante, o MDB [Movimento Democrático Brasileiro, partido de oposição ao regime militar que antecedeu o PMDB], os sindicalistas [que depois vão fundar o PT], os intelectuais, os jornalistas, a imprensa e as camadas populares que se levantaram por melhores condições de vida. O país caminhou para a democracia resistindo e lutando. Senão, não teria saído da ditadura. A democracia não é obra da distensão e nem dos militares, ela é obra de quem lutou.
ABr – Por que o Brasil tem tanta dificuldade de passar essa história a limpo?
Dirceu – Porque nós não resolvemos uma questão central que é a reforma e a revisão do papel das Forças Armadas no país. Foi criado o Ministério da Defesa, mas ele não está consolidado. Nunca os militares abriram mão de autodefinir as suas políticas. Nunca o Congresso Nacional avocou isso para si, o que significa que a sociedade não avocou para si. Existe um capítulo não encerrado, como acontece em outras casos. Precisamos, por exemplo, fazer uma reforma política e não deixar que o poder econômico, a cada dia, controle mais a política, e a política dependa do dinheiro. O Brasil não acertou as contas com a sua própria história.
Fonte:Agência Brasil.
Carlos Augusto de Araujo Dória, 82 anos, economista, nacionalista, socialista, lulista, budista, gaitista, blogueiro, espírita, membro da Igreja Messiânica, tricolor, anistiado político, ex-empregado da Petrobras. Um defensor da justiça social, da preservação do meio ambiente, da Petrobras e das causas nacionalistas.
terça-feira, 31 de março de 2009
MÍDIA - O Waterloo da mídia nos EUA.
Argemiro Ferreira
Quando se completaram três anos do ataque militar, invasão e ocupação do Iraque pelas tropas americanas - acolitadas pelo decadente Império Britânico e meia dúzia de gatos pingados submissos, entre os quais Espanha e Itália, que pouco tempo depois arrependeram-se publicamente - a organização FAIR (sigla de Honestidade e Precisão na Reportagem) recordou a cumplicidade dos meios de comunicação com a ação arrogante do governo dos EUA.
Para pessoas submetidas à dieta jornalística americana, como era o meu caso naqueles dias, foi um momento histórico difícil de esquecer, pela subserviência dos profissionais de mídia. A encenação da derrubada da estátua de Saddam Hussein em Bagdá funcionou como uma espécie de senha para o espetáculo melancólico a que aderiram até organizações jornalísticas cujo passado autorizava esperar delas um mínimo de dignidade e profissionalização.
A data do início da guerra lançada por Bush contra o Iraque, claro, foi 19 de março - há seis anos. E o pretexto, as inexistentes armas de destruição em massa (ADM). Quase três anos e meio depois, repassei aos leitores aqui alguns dos registros da FAIR. Começando pela Fox News do império do magnata Rupert Murdoch - um australiano de nascimento que se naturalizou americano (talvez o mais patrioteiro deles) para ter o direito de ser dono de rede de TV nos EUA.
Os sábios que nada sabem
O então diretor da sucursal da Fox News em Washington - Brit Hume, substituído em 2009 à frente do "Special Report", principal programa jornalístico diário da rede - atacou dias depois os críticos da invasão sob a alegação de que nada do que previam se confirmara. "Erraram completamente em tudo", pontificou Hume. Quatro semanas depois, a Fox e o resto batiam de novo na mesma tecla, ao festejar o final da guerra - declarado pomposamente por Bush
A 1° de maio Bush vestira sua fantasia de piloto de guerra (o que nunca foi, pois perdera a oportunidade ao fugir da guerra do Vietnã) para desembarcar de um jato militar no porta-aviões Abraham Lincoln. Só havia então baixas reduzidas nas tropas dos EUA - uns poucos americanos tinham morrido. Sob a faixa "Missão cumprida", ele declarou naquele momento que estavam encerradas "as grandes operações da guerra".
A Fox News e Hume chegaram ao orgasmo. Tony Snow - então comentarista menor da rede, depois porta-voz oficial da Casa Branca - afirmou: "as forças da coalizão demonstraram o velho axioma de que a firmeza no campo de batalha produz vitória rápida e com derramamento de sangue relativamente pequeno. O Iraque destroçou totalmente as críticas dos céticos". Nos meses e anos seguintes ao suposto fim da guerra o total de soldados americanos mortos elevou-se a 4.260. Mais de 30 mil ficaram aleijados, gravemente feridos ou mentalmente incapazes (e os civis iraquianos mortos ficaram entre 600 mil a 1 milhão).
Outro favorito da Fox - o comentarista neocon Charles Krauthammer, tido como um dos ideólogos da guerra - foi ainda mais longe ao festejar o suposto final do conflito ainda em abril de 2003, antes de Bush. "As únicas pessoas que pensam que ainda não ganhamos a guerra são os liberais do Upper West Side (de Nova York) e uns poucos aqui em Washington", disse. Fred Barnes, colega dele na Fox, completou: "Difícil foi montar a coalizão e transportar 300 mil soldados. Instalar democracia não é difícil como ganhar uma guerra".
"Um herói como presidente"
Até supostos "liberais" da Fox (comentaristas que assumiam esse papel para a rede alegar que reflete opiniões contra e a favor), como Morton Kondracke, Jeff Birnbaum, Ceci Connolly e Alan Colmes, somaram-se abertamente à comemoração precipitada. "Ainda há coisas a fazer, mas os céticos e críticos foram humilhados. A palavra final sobre isso é 'Avante!' " Connoly completou: "Muito parecido com a queda do muro de Berlim. (...) É de perder o fôlego!"
Hoje sabemos que a célebre queda da estátua de Saddam, ainda a cena mais repetida pela mídia como definidora da guerra, foi uma "operação psicológica" (sigla oficial: PSYOPS) do Pentágono. Nenhum jornalista na época deu-se ao trabalho de apurar a farsa. Na CNN e na MSNBC (rede de cabo da NBC) procurava-se não buscar a verdade e questionar o zelo patriótico da Fox News, mas, ao contrário, imitá-la e até superá-la, no pressuposto de que essa rede tinha a receita mágica da audiência.
O principal apresentador da MSNBC, Chris Matthews, excedeu-se, por exemplo, ao festejar a fantasia de piloto de Bush: "Estamos orgulhosos de nosso presidente. Os americanos adoram um sujeito como ele na presidência, meio valentão, com preparo físico, um cara que não seja complicado como Clinton ou mesmo Dukakis, Mondale, McGovern. Querem alguém como Bush. Inclusive as mulheres. E elas adoram esta guerra. Todos nós gostamos de ter um herói como presidente."
Um capítulo vergonhoso
Matthews disse tais pérolas a 1° de maio. Três semanas antes já tinha feito uma declaração de amor aos neocons - e bem explícita. "Agora nós todos somos neocons", afirmou. Na mesma MSNBC, o comentarista Howard Fineman, também estrela da "Newsweek", chegou perto dos excessos de Matthews e da Fox. "Já tivemos guerras que dividiram o país. Mas esta guerra uniu o país e trouxe de volta nossos militares".
É bom não esquecer que a MSNBC, como a NBC, pertence ao império da General Electric (GE), grande fornecedora do Pentágono que fatura com guerras. Ao menos a CNN poderia ter ousado um jornalismo decente, mas mudou muito depois da Fox News. Quem se destacou mais ali no zelo patriótico foi o gordinho Lou Dobbs. Sobre o Bush fantasiado: "Parecia ao mesmo tempo um comandante em chefe, estrela de rock, astro de cinema Era como qualquer um de nós".
As redes CBS e ABC não foram diferentes. Nem mesmo as redes públicas de TV (PBS) e de rádio (NPR). Na imprensa escrita, o "Washington Post" continuou falcão em política externa, pedindo guerra nos editoriais. O "New York Times" manifestara ceticismo até a fala de Colin Powell na ONU. Contentou-se então com as provas falsas sobre as ADM do Iraque. Salvou-se apenas a mídia alternativa, no que pode ter sido o episódio mais deprimente da história do jornalismo americano.
Nada como um dia depois do outro. Tanto a guerra apoiada pela mídia como o presidente que ela proclamou herói já eram rejeitados pela grande maioria dos americanos três anos depois da invasão.
Fonte:Blog do Argemiro Ferreira.
Quando se completaram três anos do ataque militar, invasão e ocupação do Iraque pelas tropas americanas - acolitadas pelo decadente Império Britânico e meia dúzia de gatos pingados submissos, entre os quais Espanha e Itália, que pouco tempo depois arrependeram-se publicamente - a organização FAIR (sigla de Honestidade e Precisão na Reportagem) recordou a cumplicidade dos meios de comunicação com a ação arrogante do governo dos EUA.
Para pessoas submetidas à dieta jornalística americana, como era o meu caso naqueles dias, foi um momento histórico difícil de esquecer, pela subserviência dos profissionais de mídia. A encenação da derrubada da estátua de Saddam Hussein em Bagdá funcionou como uma espécie de senha para o espetáculo melancólico a que aderiram até organizações jornalísticas cujo passado autorizava esperar delas um mínimo de dignidade e profissionalização.
A data do início da guerra lançada por Bush contra o Iraque, claro, foi 19 de março - há seis anos. E o pretexto, as inexistentes armas de destruição em massa (ADM). Quase três anos e meio depois, repassei aos leitores aqui alguns dos registros da FAIR. Começando pela Fox News do império do magnata Rupert Murdoch - um australiano de nascimento que se naturalizou americano (talvez o mais patrioteiro deles) para ter o direito de ser dono de rede de TV nos EUA.
Os sábios que nada sabem
O então diretor da sucursal da Fox News em Washington - Brit Hume, substituído em 2009 à frente do "Special Report", principal programa jornalístico diário da rede - atacou dias depois os críticos da invasão sob a alegação de que nada do que previam se confirmara. "Erraram completamente em tudo", pontificou Hume. Quatro semanas depois, a Fox e o resto batiam de novo na mesma tecla, ao festejar o final da guerra - declarado pomposamente por Bush
A 1° de maio Bush vestira sua fantasia de piloto de guerra (o que nunca foi, pois perdera a oportunidade ao fugir da guerra do Vietnã) para desembarcar de um jato militar no porta-aviões Abraham Lincoln. Só havia então baixas reduzidas nas tropas dos EUA - uns poucos americanos tinham morrido. Sob a faixa "Missão cumprida", ele declarou naquele momento que estavam encerradas "as grandes operações da guerra".
A Fox News e Hume chegaram ao orgasmo. Tony Snow - então comentarista menor da rede, depois porta-voz oficial da Casa Branca - afirmou: "as forças da coalizão demonstraram o velho axioma de que a firmeza no campo de batalha produz vitória rápida e com derramamento de sangue relativamente pequeno. O Iraque destroçou totalmente as críticas dos céticos". Nos meses e anos seguintes ao suposto fim da guerra o total de soldados americanos mortos elevou-se a 4.260. Mais de 30 mil ficaram aleijados, gravemente feridos ou mentalmente incapazes (e os civis iraquianos mortos ficaram entre 600 mil a 1 milhão).
Outro favorito da Fox - o comentarista neocon Charles Krauthammer, tido como um dos ideólogos da guerra - foi ainda mais longe ao festejar o suposto final do conflito ainda em abril de 2003, antes de Bush. "As únicas pessoas que pensam que ainda não ganhamos a guerra são os liberais do Upper West Side (de Nova York) e uns poucos aqui em Washington", disse. Fred Barnes, colega dele na Fox, completou: "Difícil foi montar a coalizão e transportar 300 mil soldados. Instalar democracia não é difícil como ganhar uma guerra".
"Um herói como presidente"
Até supostos "liberais" da Fox (comentaristas que assumiam esse papel para a rede alegar que reflete opiniões contra e a favor), como Morton Kondracke, Jeff Birnbaum, Ceci Connolly e Alan Colmes, somaram-se abertamente à comemoração precipitada. "Ainda há coisas a fazer, mas os céticos e críticos foram humilhados. A palavra final sobre isso é 'Avante!' " Connoly completou: "Muito parecido com a queda do muro de Berlim. (...) É de perder o fôlego!"
Hoje sabemos que a célebre queda da estátua de Saddam, ainda a cena mais repetida pela mídia como definidora da guerra, foi uma "operação psicológica" (sigla oficial: PSYOPS) do Pentágono. Nenhum jornalista na época deu-se ao trabalho de apurar a farsa. Na CNN e na MSNBC (rede de cabo da NBC) procurava-se não buscar a verdade e questionar o zelo patriótico da Fox News, mas, ao contrário, imitá-la e até superá-la, no pressuposto de que essa rede tinha a receita mágica da audiência.
O principal apresentador da MSNBC, Chris Matthews, excedeu-se, por exemplo, ao festejar a fantasia de piloto de Bush: "Estamos orgulhosos de nosso presidente. Os americanos adoram um sujeito como ele na presidência, meio valentão, com preparo físico, um cara que não seja complicado como Clinton ou mesmo Dukakis, Mondale, McGovern. Querem alguém como Bush. Inclusive as mulheres. E elas adoram esta guerra. Todos nós gostamos de ter um herói como presidente."
Um capítulo vergonhoso
Matthews disse tais pérolas a 1° de maio. Três semanas antes já tinha feito uma declaração de amor aos neocons - e bem explícita. "Agora nós todos somos neocons", afirmou. Na mesma MSNBC, o comentarista Howard Fineman, também estrela da "Newsweek", chegou perto dos excessos de Matthews e da Fox. "Já tivemos guerras que dividiram o país. Mas esta guerra uniu o país e trouxe de volta nossos militares".
É bom não esquecer que a MSNBC, como a NBC, pertence ao império da General Electric (GE), grande fornecedora do Pentágono que fatura com guerras. Ao menos a CNN poderia ter ousado um jornalismo decente, mas mudou muito depois da Fox News. Quem se destacou mais ali no zelo patriótico foi o gordinho Lou Dobbs. Sobre o Bush fantasiado: "Parecia ao mesmo tempo um comandante em chefe, estrela de rock, astro de cinema Era como qualquer um de nós".
As redes CBS e ABC não foram diferentes. Nem mesmo as redes públicas de TV (PBS) e de rádio (NPR). Na imprensa escrita, o "Washington Post" continuou falcão em política externa, pedindo guerra nos editoriais. O "New York Times" manifestara ceticismo até a fala de Colin Powell na ONU. Contentou-se então com as provas falsas sobre as ADM do Iraque. Salvou-se apenas a mídia alternativa, no que pode ter sido o episódio mais deprimente da história do jornalismo americano.
Nada como um dia depois do outro. Tanto a guerra apoiada pela mídia como o presidente que ela proclamou herói já eram rejeitados pela grande maioria dos americanos três anos depois da invasão.
Fonte:Blog do Argemiro Ferreira.
O PASSADO ME CONDENA - As manchetes do golpe militar de 1964.
"Que tal republicar as manchetes de cada órgão de imprensa naquele primeiro de abril de 1964? - sugeriu Emir Sader em seu blog nesta página. Publicamos uma seleção do que foi destaque em alguns dos principais jornais do Brasil a partir do dia 1° de abril de 1964. "Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições", disse o Globo, apoiando o golpe militar.
Redação - Carta Maior
Emir Sader sugeriu em seu blog aqui na Carta Maior: “que tal republicar as manchetes de cada órgão de imprensa naquele primeiro de abril de 1964?”. Aqui está uma seleção do que foi destaque nos principais jornais do Brasil a partir do 1º de abril de 1964. Se algum desavisado recebesse em mãos qualquer destes periódicos imaginaria a ditadura com carnaval nas ruas e militares ovacionados pelo povo. A pesquisa abaixo foi publicada no blog da BrHistória, da jornalista Cristiane Costa:
“Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem.
Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.
Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada ...”
(O Globo - Rio de Janeiro - 4 de Abril de 1964)
“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade.
Ovacionados o governador do estado e chefes militares.
O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (...), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade”
(O Estado de Minas - Belo Horizonte - 2 de abril de 1964)
“Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos”
“Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”
(O Globo - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)
“A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”
(O Dia - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)
“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou., o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu.”
(Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)
“A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”
(Editorial de O Povo - Fortaleza - 3 de Abril de 1964)
“Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade ... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”
(Editorial do Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - 1º de Abril de 1964)
“Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República ...O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”
(Correio Braziliense - Brasília - 16 de Abril de 1964)
“Vibrante manifestação sem precedentes na história de Santa Maria para homenagear as Forças Armadas. Cinquenta mil pessoas na Marcha Cívica do Agradecimento”
(A Razão - Santa Maria - RS - 17 de Abril de 1964)
“Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o País, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”.
(Editorial do Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - 31 de Março de 1973)
“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”.
(Jornal do Brasil, edição de 01 de abril de 1964.)
"Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada".
Editorial do jornalista Roberto Marinho, publicado no jornal" (O Globo", edição de 07 de outubro de 1984, sob o título: "Julgamento da Revolução").
Mais algumas manchetes:
31/03/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, BASTA!): "O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta!"
1°/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, FORA!): "Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: Saia!"
1o/04/64 – ESTADO DE SÃO PAULO – (SÃO PAULO REPETE 32) "Minas desta vez está conosco"... "dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições."
02/04/64 – O GLOBO – "Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada"... "atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso... as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal".
02/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – "Lacerda anuncia volta do país à democracia."
05/04/64 – O GLOBO – "A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista".
05/04/64 – O ESTADO DE MINAS – "Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos". "Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria."
06/04/64 – JORNAL DO BRASIL – "PONTES DE MIRANDA diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!"
09/04/64 – JORNAL DO BRASIL – "Congresso concorda em aprovar Ato Institucional".
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Pesquisa: Clarissa Pont
Fonte:Agência Carta Maior.
Redação - Carta Maior
Emir Sader sugeriu em seu blog aqui na Carta Maior: “que tal republicar as manchetes de cada órgão de imprensa naquele primeiro de abril de 1964?”. Aqui está uma seleção do que foi destaque nos principais jornais do Brasil a partir do 1º de abril de 1964. Se algum desavisado recebesse em mãos qualquer destes periódicos imaginaria a ditadura com carnaval nas ruas e militares ovacionados pelo povo. A pesquisa abaixo foi publicada no blog da BrHistória, da jornalista Cristiane Costa:
“Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem.
Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.
Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada ...”
(O Globo - Rio de Janeiro - 4 de Abril de 1964)
“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade.
Ovacionados o governador do estado e chefes militares.
O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (...), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade”
(O Estado de Minas - Belo Horizonte - 2 de abril de 1964)
“Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos”
“Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”
(O Globo - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)
“A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”
(O Dia - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)
“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou., o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu.”
(Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro - 2 de Abril de 1964)
“A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”
(Editorial de O Povo - Fortaleza - 3 de Abril de 1964)
“Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade ... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”
(Editorial do Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - 1º de Abril de 1964)
“Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República ...O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”
(Correio Braziliense - Brasília - 16 de Abril de 1964)
“Vibrante manifestação sem precedentes na história de Santa Maria para homenagear as Forças Armadas. Cinquenta mil pessoas na Marcha Cívica do Agradecimento”
(A Razão - Santa Maria - RS - 17 de Abril de 1964)
“Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o País, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”.
(Editorial do Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - 31 de Março de 1973)
“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”.
(Jornal do Brasil, edição de 01 de abril de 1964.)
"Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada".
Editorial do jornalista Roberto Marinho, publicado no jornal" (O Globo", edição de 07 de outubro de 1984, sob o título: "Julgamento da Revolução").
Mais algumas manchetes:
31/03/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, BASTA!): "O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta!"
1°/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, FORA!): "Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: Saia!"
1o/04/64 – ESTADO DE SÃO PAULO – (SÃO PAULO REPETE 32) "Minas desta vez está conosco"... "dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições."
02/04/64 – O GLOBO – "Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada"... "atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso... as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal".
02/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – "Lacerda anuncia volta do país à democracia."
05/04/64 – O GLOBO – "A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista".
05/04/64 – O ESTADO DE MINAS – "Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos". "Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria."
06/04/64 – JORNAL DO BRASIL – "PONTES DE MIRANDA diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!"
09/04/64 – JORNAL DO BRASIL – "Congresso concorda em aprovar Ato Institucional".
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Pesquisa: Clarissa Pont
Fonte:Agência Carta Maior.
REFLEXÕES DE FIDEL - A CHINA nas notícias internacionais.
DA reflexão extraída do CubaDebate, publicada em nossa imprensa na segunda-feira 30, intitulada: “A China, a futura grande potência econômica”, a maioria dos telexes internacionais informaram apenas o referido a minhas críticas às declarações de Biden, em Viña del Mar. Apenas a EFE dedicou umas linhas no final de sua notícia, ao tema principal do artigo. Reconhecer o crescente papel da China na economia mundial é um gole amargo para o Ocidente.
Contudo, a grande imprensa continua falando do pujante poder econômico da China. Ontem 29, a agência de notícias DPA expressou que “a China pegou de surpresa os Estados Unidos com a ousada proposta de substituir o dólar como principal divisa internacional, por uma nova ‘supermoeda’.” A seguir, informou que a China luta contra o poder dominante dos Estados Unidos no sistema financeiro mundial; reproduz a opinião do Banco Central Chinês, que considera a crise e suas conseqüências em todo o mundo um reflexo da fragilidade interna e dos riscos inerentes do sistema monetário internacional que seu país deseja mudar, com a nova moeda de reserva. Alude, a favor de sua tese, que já o famoso economista britânico John Maynard Keynes propôs nos anos de 40 uma moeda global.
No mesmo telex assinalou que “a China aspira a obter um posto de diretor no FMI, um organismo até agora dominado pelos Estados Unidos e que, segundo os prognósticos do G-20, deve assumir os sistemas financeiros nacionais”.
“Como o maior dos países emergentes, a China exige mais influência para os Estados pobres, especialmente golpeados pela crise.”
Enfatizou em sua argumentação o conhecido fato de que a China, com um montante de US$740 bilhões em bônus da Tesouraria norte-americana, é o principal credor dos Estados Unidos.
Não se deve esquecer que a Alemanha, sede do escritório central da DPA está preocupada pelo papel ruinoso que a política econômica dos Estados Unidos exerce sobre a Europa. A Alemanha é, atualmente, o país industrializado que exporta a mais alta percentagem de seu Produto Interno Bruto. A crise econômica a prejudica mais do que nenhum outro país.
A opinião pública mundial tem o dever e o direito de conhecer mais sobre os problemas econômicos de uma crise que atnge hoje todos os povos do mundo.
Fonte:Granma
Contudo, a grande imprensa continua falando do pujante poder econômico da China. Ontem 29, a agência de notícias DPA expressou que “a China pegou de surpresa os Estados Unidos com a ousada proposta de substituir o dólar como principal divisa internacional, por uma nova ‘supermoeda’.” A seguir, informou que a China luta contra o poder dominante dos Estados Unidos no sistema financeiro mundial; reproduz a opinião do Banco Central Chinês, que considera a crise e suas conseqüências em todo o mundo um reflexo da fragilidade interna e dos riscos inerentes do sistema monetário internacional que seu país deseja mudar, com a nova moeda de reserva. Alude, a favor de sua tese, que já o famoso economista britânico John Maynard Keynes propôs nos anos de 40 uma moeda global.
No mesmo telex assinalou que “a China aspira a obter um posto de diretor no FMI, um organismo até agora dominado pelos Estados Unidos e que, segundo os prognósticos do G-20, deve assumir os sistemas financeiros nacionais”.
“Como o maior dos países emergentes, a China exige mais influência para os Estados pobres, especialmente golpeados pela crise.”
Enfatizou em sua argumentação o conhecido fato de que a China, com um montante de US$740 bilhões em bônus da Tesouraria norte-americana, é o principal credor dos Estados Unidos.
Não se deve esquecer que a Alemanha, sede do escritório central da DPA está preocupada pelo papel ruinoso que a política econômica dos Estados Unidos exerce sobre a Europa. A Alemanha é, atualmente, o país industrializado que exporta a mais alta percentagem de seu Produto Interno Bruto. A crise econômica a prejudica mais do que nenhum outro país.
A opinião pública mundial tem o dever e o direito de conhecer mais sobre os problemas econômicos de uma crise que atnge hoje todos os povos do mundo.
Fonte:Granma
MAIS UM MITO TUCANO QUE SE VAI ...
Estudo do Ipea desmente inchaço na máquina pública.
Letícia Nobre - Correio Braziliense.
Uma pesquisa sobre emprego público, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), chegou a uma conclusão surpreendente: a máquina pública brasileira não está inchada. Comparada à de países desenvolvidos e com os da América Latina, a proporção de servidores públicos na faixa da população economicamente ativa é uma das menores (10,7%), segundo dados computados em 2005.
Em países como Dinamarca e Suécia, mais de 30% dos ocupados estão trabalhando para o estado. Em outros que têm o setor privado como alicerce, caso dos Estados Unidos, o percentual é de 14,8%, também usando dados de 2005. O pesquisador Fernando Augusto de Mattos, observa que a adoção do Estado de Bem-Estar Social por vários países europeus no período pós-Segunda Guerra Mundial fez com que o setor público passasse a ter um peso significativo na promoção do emprego e da qualidade de vida da população. A necessidade de políticas sociais universalistas fez a participação dos empregos públicos crescer mais nos países desenvolvidos do que nos subdesenvolvidos.
Na América Latina, onde a realidade social se assemelha à nacional, o Brasil está em 8º lugar de acordo com dados de 2006 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Na Argentina, essa relação é de 16,2%; no Paraguai, 13,4%, e no Panamá, primeiro colocado da lista, 17,8%. O processo de democratização recente também pesa na estrutura, comenta o pesquisador. O levantamento leva em consideração todos os trabalhadores empregados pelo Estado em um sentido mais amplo, incluindo administração direta, indireta e estatais de todo tipo.
Diferenças
Os índices dos emergentes — países que também guardam alguma semelhança com o Brasil —, como Índia (68,1%) e África do Sul (34,3%), ficam muito acima do nível nacional. Há um grave problema de formalização de empregos nesses países, comenta Mattos. Na Índia, por exemplo, o alto percentual está relacionado com o elevado contingente de forças militares e de segurança interna. Além da informalidade, o país carrega um baixo grau de desenvolvimento industrial em contraste com a ocupação agrícola.
O economista do Dieese Tiago Oliveira explica que o estudo questiona o discurso de que o Brasil tem um estado inchado, que surgiu nos anos 90. “A idéia de um país pesado e ineficiente caiu sobre o serviço público e se perpetua até hoje.” Porém, observa Oliveira, “ao mesmo tempo em que as pessoas dizem isso, vão aos postos de saúde e esperam por horas, por falta de médicos ou veem os filhos voltarem mais cedo para casa por falta de professores”.
O pesquisador do Ipea Fernando Mattos afirma que o resultado da pesquisa mostra a necessidade de ampliação do acesso da população aos serviços públicos e, por consequência, da ampliação do quadro de pessoas que realizam esses serviços.
Qualificação
Apesar de os números desmistificarem o discurso da máquina inchada, nenhum dos especialistas descarta que há desequilíbrio entre áreas administrativas: algumas têm excessiva carência. Há um déficit grande nas áreas de saúde, educação, mas também nas de auditores fiscais e previdenciários ou mesmo na fiscalização das fronteiras”, alerta Tiago Oliveira. A qualidade, que não foi alvo da pesquisa do Ipea, é lembrada. “Não se pode esquecer que o bom serviço prestado à população depende da qualificação dos servidores”, pondera Mattos.
Servidor da Universidade de Brasília há 32 anos, Cosmo Balbino é contrário à ideia de inchaço do setor público. Para ele, o baixo índice brasileiro diante dos registrados em muitos países não é um indicador ruim. “O Estado sofre de uma carência de médicos e professores. Desde que haja qualificação profissional, não há necessidade de muitos empregados”, avalia. “Com a terceirização do serviço público, há perda de qualidade profissional porque não há critérios rígidos para contratação.”
Balbino entende que o processo de adequação tecnológica dos cargos públicos, incluindo a UnB, resultou numa menor carência de trabalhadores. “A tecnologia acabou com muitos empregos.” Dessa forma, ele sugere uma alternativa para solucionar a falta de vagas de trabalho. “Hoje em dia, há condições de se ter bons salários com poucas pessoas”, avalia.
Fonte:Grupo Beatrice.
Letícia Nobre - Correio Braziliense.
Uma pesquisa sobre emprego público, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), chegou a uma conclusão surpreendente: a máquina pública brasileira não está inchada. Comparada à de países desenvolvidos e com os da América Latina, a proporção de servidores públicos na faixa da população economicamente ativa é uma das menores (10,7%), segundo dados computados em 2005.
Em países como Dinamarca e Suécia, mais de 30% dos ocupados estão trabalhando para o estado. Em outros que têm o setor privado como alicerce, caso dos Estados Unidos, o percentual é de 14,8%, também usando dados de 2005. O pesquisador Fernando Augusto de Mattos, observa que a adoção do Estado de Bem-Estar Social por vários países europeus no período pós-Segunda Guerra Mundial fez com que o setor público passasse a ter um peso significativo na promoção do emprego e da qualidade de vida da população. A necessidade de políticas sociais universalistas fez a participação dos empregos públicos crescer mais nos países desenvolvidos do que nos subdesenvolvidos.
Na América Latina, onde a realidade social se assemelha à nacional, o Brasil está em 8º lugar de acordo com dados de 2006 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Na Argentina, essa relação é de 16,2%; no Paraguai, 13,4%, e no Panamá, primeiro colocado da lista, 17,8%. O processo de democratização recente também pesa na estrutura, comenta o pesquisador. O levantamento leva em consideração todos os trabalhadores empregados pelo Estado em um sentido mais amplo, incluindo administração direta, indireta e estatais de todo tipo.
Diferenças
Os índices dos emergentes — países que também guardam alguma semelhança com o Brasil —, como Índia (68,1%) e África do Sul (34,3%), ficam muito acima do nível nacional. Há um grave problema de formalização de empregos nesses países, comenta Mattos. Na Índia, por exemplo, o alto percentual está relacionado com o elevado contingente de forças militares e de segurança interna. Além da informalidade, o país carrega um baixo grau de desenvolvimento industrial em contraste com a ocupação agrícola.
O economista do Dieese Tiago Oliveira explica que o estudo questiona o discurso de que o Brasil tem um estado inchado, que surgiu nos anos 90. “A idéia de um país pesado e ineficiente caiu sobre o serviço público e se perpetua até hoje.” Porém, observa Oliveira, “ao mesmo tempo em que as pessoas dizem isso, vão aos postos de saúde e esperam por horas, por falta de médicos ou veem os filhos voltarem mais cedo para casa por falta de professores”.
O pesquisador do Ipea Fernando Mattos afirma que o resultado da pesquisa mostra a necessidade de ampliação do acesso da população aos serviços públicos e, por consequência, da ampliação do quadro de pessoas que realizam esses serviços.
Qualificação
Apesar de os números desmistificarem o discurso da máquina inchada, nenhum dos especialistas descarta que há desequilíbrio entre áreas administrativas: algumas têm excessiva carência. Há um déficit grande nas áreas de saúde, educação, mas também nas de auditores fiscais e previdenciários ou mesmo na fiscalização das fronteiras”, alerta Tiago Oliveira. A qualidade, que não foi alvo da pesquisa do Ipea, é lembrada. “Não se pode esquecer que o bom serviço prestado à população depende da qualificação dos servidores”, pondera Mattos.
Servidor da Universidade de Brasília há 32 anos, Cosmo Balbino é contrário à ideia de inchaço do setor público. Para ele, o baixo índice brasileiro diante dos registrados em muitos países não é um indicador ruim. “O Estado sofre de uma carência de médicos e professores. Desde que haja qualificação profissional, não há necessidade de muitos empregados”, avalia. “Com a terceirização do serviço público, há perda de qualidade profissional porque não há critérios rígidos para contratação.”
Balbino entende que o processo de adequação tecnológica dos cargos públicos, incluindo a UnB, resultou numa menor carência de trabalhadores. “A tecnologia acabou com muitos empregos.” Dessa forma, ele sugere uma alternativa para solucionar a falta de vagas de trabalho. “Hoje em dia, há condições de se ter bons salários com poucas pessoas”, avalia.
Fonte:Grupo Beatrice.
SOCIEDADE MOVEDIÇA.
Cláudio Lembo
De São Paulo (SP)
A leitura do noticiário diário contém um traço de masoquismo. Só más notícias. O Senado com o seu sem número de diretorias. O indiscriminado quadro de funcionários da Câmara. Um nunca acabar de mordomias.
No campo particular, nada melhor. Loja de luxo subsidiada por desvios fiscais indevidos. Empreiteira utilizando-se de mecanismos financeiros fora da lei para o envio de numerário para o exterior.
Um Deus nos acuda. Em tempos moralmente tão empobrecidos, um retorno ao passado reconforta o espírito. Não porque, naqueles tempos, tudo fosse perfeito. Mas, ao menos, possuía-se um salutar nativismo.
Agora, o nativismo foi substituído por um globalismo sem regras, onde os mais fortes dominam sem qualquer limite. Querem. Ponto e basta. Fazem. Os outros países que os acompanhem.
Este situação social e econômica leva ao desanimo. Os líderes políticos apequenaram-se. Só pensam no próximo pleito. Não possuem visão de estadista.
Deixam de apresentar novas idéias. Programas de governo rigorosamente nacionais. Já não se pensa no Brasil. Apenas interesses pessoais ou grupais. Estes movem o pensamento político.
Lamenta-se. Um cenário como o descrito leva a uma passividade social. O individualismo assume níveis excessivos. O coletivo deixa de ser preocupação das pessoas comuns e de seus representantes.
Já foi melhor. No período que sucedeu a proclamação da independência do Brasil, tomado como singelo exemplo, surgiu por toda a parte um surto positivo de nacionalismo.
Este nacionalismo possuía como símbolo - acredite-se - a Constituição. Todo o ato cívico era considerado constitucional. Qualquer manifestação negativa, o autor passava a ser cognominado como anticonstitucional.
Bons tempos. Os brasileiros começavam a constituir o Estado nacional e a própria nacionalidade. Na corte, seccionou-se a sociedade. Surgiram, informalmente, o partido dos portugueses e aquele dos brasileiros.
Na pequena e acanhada São Paulo, logo após a instalação da Faculdade de Direito, inicialmente com significativo alunado e depois com grande decadência - onze alunos por qüinqüênio - o civismo consolidava-se.
Uma forma de exposição de idéias foi o teatro. Este fenômeno não se registrou apenas em terras paulistanas. Também ocorreu em Mariana, São João Del Rei, Ouro Preto, sem contar o Rio de Janeiro.
As primeiras manifestações teatrais circunscreveram-se a temas populares e de defesa de interesses sociais. Os estudantes de Direito apresentavam-se como atores e agiam como atores.
Logo, a manifestação mereceu consideração pelos segmentos econômicos superiores. Passaram a apresentar encenações para as famílias e os temas tornaram-se leves. Próprios para figuras diletantes.
O poder preocupou-se. Surgiu a censura. Toda a peça merecia prévia aprovação da autoridade e sua representação acompanhada para evitar "cacos" inaceitáveis para a ordem social.
O teatro tornara-se agente de fermentação política. Exigia transformações. Encenava peças de repúdio a práticas do passado. Antonio José, o autor luso-brasileiro morto pela Inquisição, tornou-se tema.
O texto de Gonçalves de Magalhães sobre Antonio José pode, de maneira ampla, ser considerado o instante do nascimento do teatro nacional. Sua encenação no dia 13 de março de 1838 é marco na História.
Aconteceram, desde os primórdios, atos de autoritarismo. A peça O Triunfo da Natureza, que os estudantes pretendiam encenar no dia sete de setembro de 1838, foi proibida.
O veto partiu diretamente do Imperador. Pretendiam evitar distúrbios. O exercício da cidadania sempre conheceu dificuldades por estas terras. Alguém o impedia. Monarca ou republicano, tanto faz.
A diferença dos tempos antigos com os contemporâneos é sensível. Antes os estudantes lutavam por ideais. Acreditavam. Buscavam intervir. Oferecer propostas.
Hoje, a pasmaceira é geral. Há um sentimento de frustração. Estuda-se, até mais que antes, mas já não existe esperança coletiva. O outro pouco importa. O sentimento de brasilidade esvaiu-se.
É preciso voltar ao passado. Só assim se construirá o futuro.
* Sociedade movediça Economia, cultura e relações sociais em São Paulo - 1808-1850 - Denise A. Soares de Moura - Editora Unesp - 2005.
Fonte:Terra Magazine.
De São Paulo (SP)
A leitura do noticiário diário contém um traço de masoquismo. Só más notícias. O Senado com o seu sem número de diretorias. O indiscriminado quadro de funcionários da Câmara. Um nunca acabar de mordomias.
No campo particular, nada melhor. Loja de luxo subsidiada por desvios fiscais indevidos. Empreiteira utilizando-se de mecanismos financeiros fora da lei para o envio de numerário para o exterior.
Um Deus nos acuda. Em tempos moralmente tão empobrecidos, um retorno ao passado reconforta o espírito. Não porque, naqueles tempos, tudo fosse perfeito. Mas, ao menos, possuía-se um salutar nativismo.
Agora, o nativismo foi substituído por um globalismo sem regras, onde os mais fortes dominam sem qualquer limite. Querem. Ponto e basta. Fazem. Os outros países que os acompanhem.
Este situação social e econômica leva ao desanimo. Os líderes políticos apequenaram-se. Só pensam no próximo pleito. Não possuem visão de estadista.
Deixam de apresentar novas idéias. Programas de governo rigorosamente nacionais. Já não se pensa no Brasil. Apenas interesses pessoais ou grupais. Estes movem o pensamento político.
Lamenta-se. Um cenário como o descrito leva a uma passividade social. O individualismo assume níveis excessivos. O coletivo deixa de ser preocupação das pessoas comuns e de seus representantes.
Já foi melhor. No período que sucedeu a proclamação da independência do Brasil, tomado como singelo exemplo, surgiu por toda a parte um surto positivo de nacionalismo.
Este nacionalismo possuía como símbolo - acredite-se - a Constituição. Todo o ato cívico era considerado constitucional. Qualquer manifestação negativa, o autor passava a ser cognominado como anticonstitucional.
Bons tempos. Os brasileiros começavam a constituir o Estado nacional e a própria nacionalidade. Na corte, seccionou-se a sociedade. Surgiram, informalmente, o partido dos portugueses e aquele dos brasileiros.
Na pequena e acanhada São Paulo, logo após a instalação da Faculdade de Direito, inicialmente com significativo alunado e depois com grande decadência - onze alunos por qüinqüênio - o civismo consolidava-se.
Uma forma de exposição de idéias foi o teatro. Este fenômeno não se registrou apenas em terras paulistanas. Também ocorreu em Mariana, São João Del Rei, Ouro Preto, sem contar o Rio de Janeiro.
As primeiras manifestações teatrais circunscreveram-se a temas populares e de defesa de interesses sociais. Os estudantes de Direito apresentavam-se como atores e agiam como atores.
Logo, a manifestação mereceu consideração pelos segmentos econômicos superiores. Passaram a apresentar encenações para as famílias e os temas tornaram-se leves. Próprios para figuras diletantes.
O poder preocupou-se. Surgiu a censura. Toda a peça merecia prévia aprovação da autoridade e sua representação acompanhada para evitar "cacos" inaceitáveis para a ordem social.
O teatro tornara-se agente de fermentação política. Exigia transformações. Encenava peças de repúdio a práticas do passado. Antonio José, o autor luso-brasileiro morto pela Inquisição, tornou-se tema.
O texto de Gonçalves de Magalhães sobre Antonio José pode, de maneira ampla, ser considerado o instante do nascimento do teatro nacional. Sua encenação no dia 13 de março de 1838 é marco na História.
Aconteceram, desde os primórdios, atos de autoritarismo. A peça O Triunfo da Natureza, que os estudantes pretendiam encenar no dia sete de setembro de 1838, foi proibida.
O veto partiu diretamente do Imperador. Pretendiam evitar distúrbios. O exercício da cidadania sempre conheceu dificuldades por estas terras. Alguém o impedia. Monarca ou republicano, tanto faz.
A diferença dos tempos antigos com os contemporâneos é sensível. Antes os estudantes lutavam por ideais. Acreditavam. Buscavam intervir. Oferecer propostas.
Hoje, a pasmaceira é geral. Há um sentimento de frustração. Estuda-se, até mais que antes, mas já não existe esperança coletiva. O outro pouco importa. O sentimento de brasilidade esvaiu-se.
É preciso voltar ao passado. Só assim se construirá o futuro.
* Sociedade movediça Economia, cultura e relações sociais em São Paulo - 1808-1850 - Denise A. Soares de Moura - Editora Unesp - 2005.
Fonte:Terra Magazine.
ISRAEL NA MIRA - Vargas Llosa muda posição em novo livro.
Válter Maierovitch
Faz 30 anos. No mês de março de 1979, Israel e Egito celebraram um tratado de paz, em Washington. Referido tratado foi antecedido por dois acordos firmados em setembro de 1978, em Camp David, onde ficava a residência de campo do então presidente norte-americano Jimmy Carter.
Logo após a celebração do tratado de paz, a Liga Árabe expulsou o Egito, 18 países viraram-lhe as costas e tiraram os embaixadores do Cairo. Esse tratado inspirou a Jordânia, que quinze anos depois acertou a paz com Israel.
A esquerda e os pacifistas, conforme lembrou o hoje célebre escritor esquerdista Amos Oz, pressionaram o governo do direitista Menachem Begin e, com a habilidade, Carter convenceu o presidente Anuar Sadat, do Egito.
Neste março de 2009, tudo está diferente, para pior. Mudanças radicais, 30 anos depois.
O futuro ministro de relações exteriores de Israel será Avigor Lieberman, um laico votado por judeus russos e que já mandou para o inferno o presidente Osny Mubarak, do Egito.
Não bastasse, Liberman, radical líder do partido Israel Beitenu (Israel a nossa casa), falou em bombardear a represa de Assuã e inundar o Egito, caso necessário.
Como se percebe, Lieberman não reúne nenhum dote para ocupar uma pasta de relações exteriores. Serviria melhor como embaixador na Moldávia, onde nasceu e é íntimo do ditador do país, de quem é conselheiro. Antes de Lieberman assumir o encargo, a mídia israelense já informou que ele tem um projeto secreto para novos assentamentos em terras palestinas.
O futuro premier, Benjamin Netanyahu, não é favorável a acordo de paz com os palestinos. Netanyahu vai apresentar, nas próximas horas, o seu governo ao presidente Shimon Peres.
Do novo governo fará parte, também, o Shas. Ou seja, o partido religioso ortodoxo, liderado por Eli Ishai.
No governo de Bibi Netanyahu, o ortodoxo Eli Ishai, de 46 anos, será vice-premier e ministro do interior (segurança interna).
Ishai é favorável à volta das colônias extintas quando era ministro Ariel Sharon e, também, quer ocupar todas as terras palestinas controladas por Israel. No particular, o laico Liberman se afina com o fundamentalista Ishai.
No último 25 de março, para surpresa geral, o partido trabalhista, de Ehud Barak, se juntou ao Likud de Natanyahu, a jogar no lixo seu passado histórico e tradições socialistas.
Embora internamente os trabalhistas estejam rachados em razão do apoio, Barak será o único, no novo governo, a falar em paz com os palestinos. Ele vai continuar na pasta da defesa.
Relativamente ao clima de paz, o março de 1979, do Tratado com o Egito, é bem diferente do março de 2009, que finda hoje. O Kadima, de Tzipi Livni, vai para a oposição (ganhou a eleição mas não fez maioria). Já com o Kadima (centro-direita) pouco se podia esperar em termos de paz. Basta lembrar que foi o Kadima, pela chanceler Tzipi e a forçar o desprestigiado premier Ehud Olmert, a promover a sangrenta, criminosa e irracional guerra contra o Hamas, a matar civis inocentes na faixa de Gaza.
Esse quadro é analisado no livro do peruano Mario Vargas Llosa, considerado um dos maiores escritores da língua espanhola.
Na véspera do lançamento para todo Europa do seu livro “Israel e o Pacifismo Desaparecido” (tradução livre), Vargas Llosa escreveu como os pacifistas perderam força e quase desapareceram :
- “ Passei boa parte dos anos 70 a defender Israel contra os escritores latino-americanos de esquerda que por conformismo atacam o sionismo e o imperialismo norte-americano. Nunca me arrependi de haver combatido esses exageros e de ter defendido o direito de Israel de existir e de garantir a sua segurança.
“ Além disso, sempre acreditei, e escrevi, que tal direito, a meu juízo, os israelenses conquistaram não por razões divinas ( nas quais, por ser agnóstico, não acredito), mas pelo fato de haver construído Israel praticamente do nada, com o seu suor e as suas lágrimas.
“Em muitas ocasiões, e a cada vez que estive em Israel – exceção à última sobre a qual trato no livro–, sempre encontrei um setor significativo da sociedade israelense que, enquanto lutava para a sobrevivência do pais contra aqueles que se empenhavam em destruí-lo, desejava a paz, o diálogo com os palestinos e reconhecia a eles o direitos deles de possuir um Estado soberano. . .”
Para rematar, Vargas Llosa destaca: –“ Houve um enfraquecimento e um quase desaparecimento em Israel da influente força eleitoral representada pelos partidos da paz e da coexistência. . . Deram lugar aos da exaltação de um arrogante extremismo, com a convicção de que a única política para garantir o futuro de Israel fosse a supremacia militar, a repressão sistemática e a intimidação aos palestinos, isto até a obrigação de aceitarem uma paz imposta, na qual os territórios do futuro Estado palestino seriam restritos . . .”
PANO RÁPIDO. A mudança de posição de Vargas Llosa merece reflexão. Pelo jeito, a esperança de paz está fora de Israel, ou seja, na Casa Branca, com Barack Obama a enquadrar Netanyahu, como, em outra ocasião, fez Bill Clinton, com a célebre pergunta: “o senhor por acaso é presidente da maior potência do planeta ? Netanyahu colocou o rabo entre as pernas e baixou a crista.
Fonte:Blog Sem Fronteiras.
Faz 30 anos. No mês de março de 1979, Israel e Egito celebraram um tratado de paz, em Washington. Referido tratado foi antecedido por dois acordos firmados em setembro de 1978, em Camp David, onde ficava a residência de campo do então presidente norte-americano Jimmy Carter.
Logo após a celebração do tratado de paz, a Liga Árabe expulsou o Egito, 18 países viraram-lhe as costas e tiraram os embaixadores do Cairo. Esse tratado inspirou a Jordânia, que quinze anos depois acertou a paz com Israel.
A esquerda e os pacifistas, conforme lembrou o hoje célebre escritor esquerdista Amos Oz, pressionaram o governo do direitista Menachem Begin e, com a habilidade, Carter convenceu o presidente Anuar Sadat, do Egito.
Neste março de 2009, tudo está diferente, para pior. Mudanças radicais, 30 anos depois.
O futuro ministro de relações exteriores de Israel será Avigor Lieberman, um laico votado por judeus russos e que já mandou para o inferno o presidente Osny Mubarak, do Egito.
Não bastasse, Liberman, radical líder do partido Israel Beitenu (Israel a nossa casa), falou em bombardear a represa de Assuã e inundar o Egito, caso necessário.
Como se percebe, Lieberman não reúne nenhum dote para ocupar uma pasta de relações exteriores. Serviria melhor como embaixador na Moldávia, onde nasceu e é íntimo do ditador do país, de quem é conselheiro. Antes de Lieberman assumir o encargo, a mídia israelense já informou que ele tem um projeto secreto para novos assentamentos em terras palestinas.
O futuro premier, Benjamin Netanyahu, não é favorável a acordo de paz com os palestinos. Netanyahu vai apresentar, nas próximas horas, o seu governo ao presidente Shimon Peres.
Do novo governo fará parte, também, o Shas. Ou seja, o partido religioso ortodoxo, liderado por Eli Ishai.
No governo de Bibi Netanyahu, o ortodoxo Eli Ishai, de 46 anos, será vice-premier e ministro do interior (segurança interna).
Ishai é favorável à volta das colônias extintas quando era ministro Ariel Sharon e, também, quer ocupar todas as terras palestinas controladas por Israel. No particular, o laico Liberman se afina com o fundamentalista Ishai.
No último 25 de março, para surpresa geral, o partido trabalhista, de Ehud Barak, se juntou ao Likud de Natanyahu, a jogar no lixo seu passado histórico e tradições socialistas.
Embora internamente os trabalhistas estejam rachados em razão do apoio, Barak será o único, no novo governo, a falar em paz com os palestinos. Ele vai continuar na pasta da defesa.
Relativamente ao clima de paz, o março de 1979, do Tratado com o Egito, é bem diferente do março de 2009, que finda hoje. O Kadima, de Tzipi Livni, vai para a oposição (ganhou a eleição mas não fez maioria). Já com o Kadima (centro-direita) pouco se podia esperar em termos de paz. Basta lembrar que foi o Kadima, pela chanceler Tzipi e a forçar o desprestigiado premier Ehud Olmert, a promover a sangrenta, criminosa e irracional guerra contra o Hamas, a matar civis inocentes na faixa de Gaza.
Esse quadro é analisado no livro do peruano Mario Vargas Llosa, considerado um dos maiores escritores da língua espanhola.
Na véspera do lançamento para todo Europa do seu livro “Israel e o Pacifismo Desaparecido” (tradução livre), Vargas Llosa escreveu como os pacifistas perderam força e quase desapareceram :
- “ Passei boa parte dos anos 70 a defender Israel contra os escritores latino-americanos de esquerda que por conformismo atacam o sionismo e o imperialismo norte-americano. Nunca me arrependi de haver combatido esses exageros e de ter defendido o direito de Israel de existir e de garantir a sua segurança.
“ Além disso, sempre acreditei, e escrevi, que tal direito, a meu juízo, os israelenses conquistaram não por razões divinas ( nas quais, por ser agnóstico, não acredito), mas pelo fato de haver construído Israel praticamente do nada, com o seu suor e as suas lágrimas.
“Em muitas ocasiões, e a cada vez que estive em Israel – exceção à última sobre a qual trato no livro–, sempre encontrei um setor significativo da sociedade israelense que, enquanto lutava para a sobrevivência do pais contra aqueles que se empenhavam em destruí-lo, desejava a paz, o diálogo com os palestinos e reconhecia a eles o direitos deles de possuir um Estado soberano. . .”
Para rematar, Vargas Llosa destaca: –“ Houve um enfraquecimento e um quase desaparecimento em Israel da influente força eleitoral representada pelos partidos da paz e da coexistência. . . Deram lugar aos da exaltação de um arrogante extremismo, com a convicção de que a única política para garantir o futuro de Israel fosse a supremacia militar, a repressão sistemática e a intimidação aos palestinos, isto até a obrigação de aceitarem uma paz imposta, na qual os territórios do futuro Estado palestino seriam restritos . . .”
PANO RÁPIDO. A mudança de posição de Vargas Llosa merece reflexão. Pelo jeito, a esperança de paz está fora de Israel, ou seja, na Casa Branca, com Barack Obama a enquadrar Netanyahu, como, em outra ocasião, fez Bill Clinton, com a célebre pergunta: “o senhor por acaso é presidente da maior potência do planeta ? Netanyahu colocou o rabo entre as pernas e baixou a crista.
Fonte:Blog Sem Fronteiras.
MEIO AMBIENTE - Hora do Planeta, hora de compromisso.
Marina Silva
De Brasília (DF)
No último sábado, milhões de pessoas e instituições em todo o mundo atenderam ao chamado da rede de organizações não-governamentais ligadas ao WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e participaram do movimento Hora do Planeta, apagando luzes durante uma hora em residências e nos principais monumentos e prédios públicos.
A "Hora do Planeta" representa um esforço da Rede WWF para engajar a sociedade e mobilizá-la para manifestar simbolicamente sua preocupação com o aquecimento do planeta no ano em que, em dezembro, em Copenhagem, deverá ser assinado novo Acordo Global do Clima, sucederá a primeira fase do Protocolo de Kyoto, a ser encerrada em 2012.
Espera-se que em Copenhagem se estabeleçam metas substanciais de redução de emissões de gases do efeito estufa, principalmente para os países ricos. Espera-se também compromissos mais relevantes dos países em desenvolvimento, que têm diante de si o desafio de assumir a liderança política de uma transformação histórica para a humanidade, que será o advento de uma economia de baixo carbono.
O apagão ecológico, como muitos estão chamando, também teve a força de um voto a favor do planeta e da tomada de medidas contra o aquecimento global. Segundo a WWF, quase quatro mil cidades, em mais de 80 países, aderiram. No Brasil, foram 107 cidades, entre as quais 13 capitais. Em todo o mundo, milhões de pessoas se cadastraram - entre elas mais de 50 mil cidadãos e 1600 empresas do Brasil - para fazer parte da urna simbólica entregue em Bonn, na Alemanha, ao Secretário Executivo da Convenção do Clima. Lá está acontecendo, até 8 de abril, a primeira reunião do ano para preparar o texto-base do acordo a ser firmado em dezembro.
Houve um tempo em que atos simbólicos, tais como colocar venda nos olhos da estátua da deusa da Justiça, expressavam também um tensionamento, por parte da sociedade, para constranger eticamente as autoridades e dar aos formadores de opinião uma deixa para se aprofundar no sentido do gesto.
Desta vez, à inspirada e oportuna iniciativa da WWF faltou uma reação à altura nos dois sentidos. As autoridades aderiram simbolicamente, dispondo-se a apagar a luz de monumentos e prédios públicos. Ficaram bem na foto, mas não anunciaram o que seria desejável, ou seja, ações corajosas para fazer jus ao engajamento da sociedade em prol de um combate mais decidido contra os efeitos do acelerado aquecimento global.
É cada vez mais comum autoridades aderirem no plano do simbólico e deixarem de fazer aquilo que lhes cabe, com a urgência necessária. Ficam naquela de "estamos todos de acordo" e a vida segue o seu curso, com uma medidazinha aqui, outra ali, sem a intensidade e a coragem desejáveis.
A mídia, por seu lado, deixou escapar uma grande oportunidade de questionar os governantes sobre o que pretendem fazer além de ter desligado disjuntores e colocado monumentos no escuro por uma hora. Não aproveitou a deixa para cobrar coerência entre o gesto simbólico e o comprometimento real. Fez praticamente uma narrativa plástica, às vezes poética, que sem dúvida fazia parte do momento, mas o outro lado da moeda não foi explorado.
A maioria das autoridades fez cara de paisagem e demonstrou capacidade quase infinita de adaptação. Transformou um ato da sociedade em ato semi-oficial, como tem acontecido amiúde. No caso do Brasil, o esforço da WWF poderia ter gerado um debate maior. Por exemplo, sobre uma reavaliação do Plano Decenal de Expansão de Energia e sua polêmica prioridade a usinas térmicas a óleo diesel e óleo combustível. Seria uma excepcional ocasião para, além do apagamento das luzes da Esplanada dos Ministérios, anunciar o aumento de recursos e meios para expandir o uso de alternativas como a energia eólica, a solar, a de biomassa.
Se a participação de quem tem tanto poder de indução, como os governos, não for além, acarretará apenas o esvaziamento dos símbolos que as ONGs e a sociedade civil trabalharam tanto para erigir. O oficialismo vai se apropriando das demandas pelas beiradas, como forma de não criar problema e, ao mesmo tempo, não fazer nada ou pouco fazer.
Uma boa parte dos governos parece ter encontrado esse caminho das pedras. Aderem oficialmente mas, na prática, mantêm as coisas como estão para ver como é que fica.
A WWF fez sua parte, milhões de cidadãos também, mas tem gente graúda devendo ao planeta e achando que basta ficar no simbolismo. Se a moda pega, não será estranho se algum dia tivermos ministros de Energia sorridentes, acorrentados junto aos militantes em alguma manifestação do Greenpeace...
Fonte:Terra Magazine.
De Brasília (DF)
No último sábado, milhões de pessoas e instituições em todo o mundo atenderam ao chamado da rede de organizações não-governamentais ligadas ao WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e participaram do movimento Hora do Planeta, apagando luzes durante uma hora em residências e nos principais monumentos e prédios públicos.
A "Hora do Planeta" representa um esforço da Rede WWF para engajar a sociedade e mobilizá-la para manifestar simbolicamente sua preocupação com o aquecimento do planeta no ano em que, em dezembro, em Copenhagem, deverá ser assinado novo Acordo Global do Clima, sucederá a primeira fase do Protocolo de Kyoto, a ser encerrada em 2012.
Espera-se que em Copenhagem se estabeleçam metas substanciais de redução de emissões de gases do efeito estufa, principalmente para os países ricos. Espera-se também compromissos mais relevantes dos países em desenvolvimento, que têm diante de si o desafio de assumir a liderança política de uma transformação histórica para a humanidade, que será o advento de uma economia de baixo carbono.
O apagão ecológico, como muitos estão chamando, também teve a força de um voto a favor do planeta e da tomada de medidas contra o aquecimento global. Segundo a WWF, quase quatro mil cidades, em mais de 80 países, aderiram. No Brasil, foram 107 cidades, entre as quais 13 capitais. Em todo o mundo, milhões de pessoas se cadastraram - entre elas mais de 50 mil cidadãos e 1600 empresas do Brasil - para fazer parte da urna simbólica entregue em Bonn, na Alemanha, ao Secretário Executivo da Convenção do Clima. Lá está acontecendo, até 8 de abril, a primeira reunião do ano para preparar o texto-base do acordo a ser firmado em dezembro.
Houve um tempo em que atos simbólicos, tais como colocar venda nos olhos da estátua da deusa da Justiça, expressavam também um tensionamento, por parte da sociedade, para constranger eticamente as autoridades e dar aos formadores de opinião uma deixa para se aprofundar no sentido do gesto.
Desta vez, à inspirada e oportuna iniciativa da WWF faltou uma reação à altura nos dois sentidos. As autoridades aderiram simbolicamente, dispondo-se a apagar a luz de monumentos e prédios públicos. Ficaram bem na foto, mas não anunciaram o que seria desejável, ou seja, ações corajosas para fazer jus ao engajamento da sociedade em prol de um combate mais decidido contra os efeitos do acelerado aquecimento global.
É cada vez mais comum autoridades aderirem no plano do simbólico e deixarem de fazer aquilo que lhes cabe, com a urgência necessária. Ficam naquela de "estamos todos de acordo" e a vida segue o seu curso, com uma medidazinha aqui, outra ali, sem a intensidade e a coragem desejáveis.
A mídia, por seu lado, deixou escapar uma grande oportunidade de questionar os governantes sobre o que pretendem fazer além de ter desligado disjuntores e colocado monumentos no escuro por uma hora. Não aproveitou a deixa para cobrar coerência entre o gesto simbólico e o comprometimento real. Fez praticamente uma narrativa plástica, às vezes poética, que sem dúvida fazia parte do momento, mas o outro lado da moeda não foi explorado.
A maioria das autoridades fez cara de paisagem e demonstrou capacidade quase infinita de adaptação. Transformou um ato da sociedade em ato semi-oficial, como tem acontecido amiúde. No caso do Brasil, o esforço da WWF poderia ter gerado um debate maior. Por exemplo, sobre uma reavaliação do Plano Decenal de Expansão de Energia e sua polêmica prioridade a usinas térmicas a óleo diesel e óleo combustível. Seria uma excepcional ocasião para, além do apagamento das luzes da Esplanada dos Ministérios, anunciar o aumento de recursos e meios para expandir o uso de alternativas como a energia eólica, a solar, a de biomassa.
Se a participação de quem tem tanto poder de indução, como os governos, não for além, acarretará apenas o esvaziamento dos símbolos que as ONGs e a sociedade civil trabalharam tanto para erigir. O oficialismo vai se apropriando das demandas pelas beiradas, como forma de não criar problema e, ao mesmo tempo, não fazer nada ou pouco fazer.
Uma boa parte dos governos parece ter encontrado esse caminho das pedras. Aderem oficialmente mas, na prática, mantêm as coisas como estão para ver como é que fica.
A WWF fez sua parte, milhões de cidadãos também, mas tem gente graúda devendo ao planeta e achando que basta ficar no simbolismo. Se a moda pega, não será estranho se algum dia tivermos ministros de Energia sorridentes, acorrentados junto aos militantes em alguma manifestação do Greenpeace...
Fonte:Terra Magazine.
A ESTRATÉGIA DOS "OLHOS AZUIS"
Copiado do blog do Luis Nassif
Quando não tem que pagar o óbolo ao estilo Folha, a Eliane é das melhores repórteres a cobrir o Itamarati e a deslindar a lógica diplomática. Aliás, confira a explicação do Itamarati para o conflito Lula-Biden e a interpretação do editorial da Folha, dentro do neoconservadorismo que tem marcado as opiniões do jornal.
Da Folha
ELIANE CANTANHÊDE
A pescaria de Lula no G20
BRASÍLIA - Lula jogou a isca, e Joe Biden, vice de Obama, mordeu.
Foi assim: no primeiro de dois discursos na 6ª Cúpula de Líderes Progressistas, no sábado, no Chile, Lula cobrou: “O mundo paga o preço de uma aventura irresponsável dos que transformaram a economia mundial em um gigantesco cassino”. Defendeu um “Estado forte” e acusou “os mercados”.
Em seguida, Biden discordou: “Nós não devemos exagerar. O livre mercado ainda precisa estar apto a funcionar. A mim parece que nós devemos é salvar os mercados dos “livre-mercadistas’”.
De volta ao microfone, Lula engordou a isca. Jogou fora o seu texto e, de improviso, foi ainda mais contundente, responsabilizando os países ricos pela crise e cobrando que eles recuperem o crédito e a confiança internas para deixar de prejudicar os outros. Irônico, foi no fígado: “Não queremos que comece a cair primeiro-ministro e presidente pelo mundo afora”.
Ao mesmo tempo em que atacava EUA e Europa, pais da crise, Lula defendeu enfaticamente a América Latina. O que o mundo desenvolvido condena como puro populismo, ele classificou de “uma onda de democracia popular”.
Atingiu dois objetivos: 1) uma nítida polarização entre ele, pelos emergentes, e Biden, representando os EUA: 2) transformar a cúpula de oito líderes do Chile numa prévia do G20, na quinta, em Londres. Antes de voltar ao Brasil, ele avisou que são todos muy amigos, mas “falam línguas diferentes”. Deixou claro que manterá o discurso do Chile, contra o endeusamento dos mercados e a favor de mais Estado, mais regulação, mais equilíbrio mundial, mais integração entre nações e mais inclusão social.
Megalomania à parte, tem tudo para ser destaque no G20. Dentro, por falar pelos emergentes e pelos pobres. E fora por estar em sintonia com o grito de guerra de centenas ou milhares de manifestantes: “As pessoas em primeiro lugar!”.
Do Editorial da Folha
Tudo não passou, provavelmente, de mal-entendido. A expressão “Estado forte” tem conotação negativa na sociedade americana e até mesmo uma administração inclinada ao intervencionismo, como a Obama, evita empregá-la. Se Lula tivesse saltado o termo e partido para a explicação que deu a seguir -um “Estado democrático, socialmente controlado e eficiente na prestação de serviços”-, não teria havido dissonância.
Comentário
Muitas vezes a diplomacia tem razões que só o próprio diplomata conhece. A prova do pudim é quando ficarem mais explícitas as propostas do governo Lula para a reunião do G20. Aí se saberá se é fumaça diplomática ou ação objetiva.
Quando não tem que pagar o óbolo ao estilo Folha, a Eliane é das melhores repórteres a cobrir o Itamarati e a deslindar a lógica diplomática. Aliás, confira a explicação do Itamarati para o conflito Lula-Biden e a interpretação do editorial da Folha, dentro do neoconservadorismo que tem marcado as opiniões do jornal.
Da Folha
ELIANE CANTANHÊDE
A pescaria de Lula no G20
BRASÍLIA - Lula jogou a isca, e Joe Biden, vice de Obama, mordeu.
Foi assim: no primeiro de dois discursos na 6ª Cúpula de Líderes Progressistas, no sábado, no Chile, Lula cobrou: “O mundo paga o preço de uma aventura irresponsável dos que transformaram a economia mundial em um gigantesco cassino”. Defendeu um “Estado forte” e acusou “os mercados”.
Em seguida, Biden discordou: “Nós não devemos exagerar. O livre mercado ainda precisa estar apto a funcionar. A mim parece que nós devemos é salvar os mercados dos “livre-mercadistas’”.
De volta ao microfone, Lula engordou a isca. Jogou fora o seu texto e, de improviso, foi ainda mais contundente, responsabilizando os países ricos pela crise e cobrando que eles recuperem o crédito e a confiança internas para deixar de prejudicar os outros. Irônico, foi no fígado: “Não queremos que comece a cair primeiro-ministro e presidente pelo mundo afora”.
Ao mesmo tempo em que atacava EUA e Europa, pais da crise, Lula defendeu enfaticamente a América Latina. O que o mundo desenvolvido condena como puro populismo, ele classificou de “uma onda de democracia popular”.
Atingiu dois objetivos: 1) uma nítida polarização entre ele, pelos emergentes, e Biden, representando os EUA: 2) transformar a cúpula de oito líderes do Chile numa prévia do G20, na quinta, em Londres. Antes de voltar ao Brasil, ele avisou que são todos muy amigos, mas “falam línguas diferentes”. Deixou claro que manterá o discurso do Chile, contra o endeusamento dos mercados e a favor de mais Estado, mais regulação, mais equilíbrio mundial, mais integração entre nações e mais inclusão social.
Megalomania à parte, tem tudo para ser destaque no G20. Dentro, por falar pelos emergentes e pelos pobres. E fora por estar em sintonia com o grito de guerra de centenas ou milhares de manifestantes: “As pessoas em primeiro lugar!”.
Do Editorial da Folha
Tudo não passou, provavelmente, de mal-entendido. A expressão “Estado forte” tem conotação negativa na sociedade americana e até mesmo uma administração inclinada ao intervencionismo, como a Obama, evita empregá-la. Se Lula tivesse saltado o termo e partido para a explicação que deu a seguir -um “Estado democrático, socialmente controlado e eficiente na prestação de serviços”-, não teria havido dissonância.
Comentário
Muitas vezes a diplomacia tem razões que só o próprio diplomata conhece. A prova do pudim é quando ficarem mais explícitas as propostas do governo Lula para a reunião do G20. Aí se saberá se é fumaça diplomática ou ação objetiva.
BANQUEIROS - Banco silencia Guardian em denúncia de evasão fiscal.
Os banqueiros são sempre os mesmos, seja na Inglaterra, seja no Brasil.
Carlos Dória
Uma ordem judicial forçou o site do jornal inglês The Guardian a retirar sete documentos que mostravam como o banco Barclays sonegava o pagamento de centenas de bilhões de libras em impostos. O artigo que traduzimos e apresentamos a seguir foi escrito por um membro da equipe editorial de The Guardian. O jornal vai recorrer, alegando que os documentos mostram que os grandes bancos estabelecem planos artificiais com o objetivo de ganhar centenas de bilhões em evasão fiscal.
The Guardian - Sin Permiso
O Barclays Bank conseguiu uma ordem judicial hoje, nas primeiras horas da manhã proibindo ao Guardian a publicação de documentos que mostravam o estabelecimento, por parte do banco, de companhias para sonegar o pagamento de centenas de bilhões de libras em impostos.
A ordem silenciadora foi outorgada pelo Juiz Ouseley, depois de o Barclay se queixar a respeito de sete documentos no site do Guardian, que foram obtidos pelo segundo quadro mais importante do Partido Liberal Democrata, Vince Cable.
Os memorandos internos do Barclays – filtrados por um informante do banco – mostravam executivos de SCM, a divisão de mercados de capital do Barclays, pedindo a aprovação para um plano de 2007 para colocar mais de 16 bilhões de dólares (11400 bilhões de libras esterlinas) em empréstimos dos Estados Unidos.
Os ganhos fiscais seriam gerados através de um elaborado circuito de empresas nas ilhas Cayman, sócios americanos e sucursais em Luxemburgo.
O documento foi filtrado para Cable por um antigo empregado do banco, que escreveu um vasto informe sobre a forma de funcionamento do banco.
O informante anônimo escreveu a Cable: “O ano passado testemunhou como o contribuinte global teve de resgatar o sistema financeiro global. Já se pôs um revólver na cabeça do contribuinte e se disse que deve pagar se não quer ver o sistema financeiro tal como hoje o conhecemos, desaparecer num buraco negro. É um lugar comum que nenhuma agência nos EUA e no Reino Unido tem os recursos ou a vontade de desafiar a SCM. Ela tem grandes quantidades de recursos, os melhores cérebros pagos com bilhões de libras. Compare-se isso com o recente anúncio de HMRC [Her Majesty's Revenu & Customs – equivalente da Receita Federal do Reino Unido] para um especialista em contabilidade e fiscal com um pagamento de 45000 libras esterlinas”.
“Por meio da utilização de juristas e da confidencialidade bancária, a SCM normalmente se desvia dessas regras, um exemplo somente de como a HMRC, em sua forma atual, não conseguirá nunca estar em condições de combater os grandes negócios”.
A decisão do Guardian de publicar os documentos teve lugar no dia em que o chanceler Alistair Darling, comunicou ao parlamento que havia encarregado o HMRC de publicar sem tardar um projeto do código de práticas fiscais para os bancos “para que eles cumprissem não só a letra da lei mas também seu espírito”.
Os advogados do Barclays, Freshfields, trabalharam até a madrugada para forçar o Guardian a retirar os documentos do site. Argumentaram que os documentos era propriedade do Barclays e que só podiam ter sido filtrados por alguém que os houvesse adquirido ilegalmente, rompendo os acordos de confidencialidade.
A advogada do Guardian, Geraldine Proudler, foi acordada pelo juiz às duas da madrugada e foi chamada a discutir o caso por telefone. Às 02:31s o meritíssimo juiz Ouseley emitiu uma ordem para que os documentos fossem retirados do site do Guardian.
Cable disse que era ao mesmo tempo “incongruente e ofensivo que bancos que dependem de ajuda estatal desviem impostos devidos e em consequência estejam enganando o contribuinte”. Ainda que o contribuinte não tenha tido que apoiar diretamente o Barclays tomando uma participação acionária, o banco teve de recorrer ao plano especial de liquidez do governo para administrar fundos para empréstimos.
“Os bancos podem organizar suas atividades de forma muito eficaz a respeito da Fazenda, declarou ao Telegraph. “Sem outro objetivo que senão reduzir os impostos. O ponto fundamental é que é incongruente e ofensivo que bancos que direta ou indiretamente dependem do governo possam encontrar sistematicamente maneiras de sonegar impostos”.
Cable, que passou os documentos à HMRC e à Autoridade de Serviços Financeiros, declarou ao Sunday Times esta semana: “Os documentos sugerem uma cultura profundamente enraizada de evasão fiscal. A equipe do Barclay se parece com uma aranha no centro de uma rede extraordinariamente sofisticada de transações sem transparência através de paraísos fiscais. Os bancos que se prezam não deveriam converter a evasão de impostos numa máquina de lucros”.
Um porta-voz do Guardian declarou que o jornal recorreria contra a ordem. “A evasão tributária é um assunto do maior interesse público e político. Estes documentos mostram pela primeira vez como os grandes bancos estabelecem planos artificiais com o objetivo de ganhar centenas de bilhões em dinheiro livre de tributação, razão pela qual o informante do Barclay os filtrou”.
“Todas as decisões sobre impostos se tomam em segredo, são ocultadas do público. Não é correto que um juiz impeça que se aja, à luz dos poucos documentos jamais tornados públicos demonstrando graficamente aquilo contra o que a HMRC está lutando”.
Fonte:Agência Carta Maior.
Carlos Dória
Uma ordem judicial forçou o site do jornal inglês The Guardian a retirar sete documentos que mostravam como o banco Barclays sonegava o pagamento de centenas de bilhões de libras em impostos. O artigo que traduzimos e apresentamos a seguir foi escrito por um membro da equipe editorial de The Guardian. O jornal vai recorrer, alegando que os documentos mostram que os grandes bancos estabelecem planos artificiais com o objetivo de ganhar centenas de bilhões em evasão fiscal.
The Guardian - Sin Permiso
O Barclays Bank conseguiu uma ordem judicial hoje, nas primeiras horas da manhã proibindo ao Guardian a publicação de documentos que mostravam o estabelecimento, por parte do banco, de companhias para sonegar o pagamento de centenas de bilhões de libras em impostos.
A ordem silenciadora foi outorgada pelo Juiz Ouseley, depois de o Barclay se queixar a respeito de sete documentos no site do Guardian, que foram obtidos pelo segundo quadro mais importante do Partido Liberal Democrata, Vince Cable.
Os memorandos internos do Barclays – filtrados por um informante do banco – mostravam executivos de SCM, a divisão de mercados de capital do Barclays, pedindo a aprovação para um plano de 2007 para colocar mais de 16 bilhões de dólares (11400 bilhões de libras esterlinas) em empréstimos dos Estados Unidos.
Os ganhos fiscais seriam gerados através de um elaborado circuito de empresas nas ilhas Cayman, sócios americanos e sucursais em Luxemburgo.
O documento foi filtrado para Cable por um antigo empregado do banco, que escreveu um vasto informe sobre a forma de funcionamento do banco.
O informante anônimo escreveu a Cable: “O ano passado testemunhou como o contribuinte global teve de resgatar o sistema financeiro global. Já se pôs um revólver na cabeça do contribuinte e se disse que deve pagar se não quer ver o sistema financeiro tal como hoje o conhecemos, desaparecer num buraco negro. É um lugar comum que nenhuma agência nos EUA e no Reino Unido tem os recursos ou a vontade de desafiar a SCM. Ela tem grandes quantidades de recursos, os melhores cérebros pagos com bilhões de libras. Compare-se isso com o recente anúncio de HMRC [Her Majesty's Revenu & Customs – equivalente da Receita Federal do Reino Unido] para um especialista em contabilidade e fiscal com um pagamento de 45000 libras esterlinas”.
“Por meio da utilização de juristas e da confidencialidade bancária, a SCM normalmente se desvia dessas regras, um exemplo somente de como a HMRC, em sua forma atual, não conseguirá nunca estar em condições de combater os grandes negócios”.
A decisão do Guardian de publicar os documentos teve lugar no dia em que o chanceler Alistair Darling, comunicou ao parlamento que havia encarregado o HMRC de publicar sem tardar um projeto do código de práticas fiscais para os bancos “para que eles cumprissem não só a letra da lei mas também seu espírito”.
Os advogados do Barclays, Freshfields, trabalharam até a madrugada para forçar o Guardian a retirar os documentos do site. Argumentaram que os documentos era propriedade do Barclays e que só podiam ter sido filtrados por alguém que os houvesse adquirido ilegalmente, rompendo os acordos de confidencialidade.
A advogada do Guardian, Geraldine Proudler, foi acordada pelo juiz às duas da madrugada e foi chamada a discutir o caso por telefone. Às 02:31s o meritíssimo juiz Ouseley emitiu uma ordem para que os documentos fossem retirados do site do Guardian.
Cable disse que era ao mesmo tempo “incongruente e ofensivo que bancos que dependem de ajuda estatal desviem impostos devidos e em consequência estejam enganando o contribuinte”. Ainda que o contribuinte não tenha tido que apoiar diretamente o Barclays tomando uma participação acionária, o banco teve de recorrer ao plano especial de liquidez do governo para administrar fundos para empréstimos.
“Os bancos podem organizar suas atividades de forma muito eficaz a respeito da Fazenda, declarou ao Telegraph. “Sem outro objetivo que senão reduzir os impostos. O ponto fundamental é que é incongruente e ofensivo que bancos que direta ou indiretamente dependem do governo possam encontrar sistematicamente maneiras de sonegar impostos”.
Cable, que passou os documentos à HMRC e à Autoridade de Serviços Financeiros, declarou ao Sunday Times esta semana: “Os documentos sugerem uma cultura profundamente enraizada de evasão fiscal. A equipe do Barclay se parece com uma aranha no centro de uma rede extraordinariamente sofisticada de transações sem transparência através de paraísos fiscais. Os bancos que se prezam não deveriam converter a evasão de impostos numa máquina de lucros”.
Um porta-voz do Guardian declarou que o jornal recorreria contra a ordem. “A evasão tributária é um assunto do maior interesse público e político. Estes documentos mostram pela primeira vez como os grandes bancos estabelecem planos artificiais com o objetivo de ganhar centenas de bilhões em dinheiro livre de tributação, razão pela qual o informante do Barclay os filtrou”.
“Todas as decisões sobre impostos se tomam em segredo, são ocultadas do público. Não é correto que um juiz impeça que se aja, à luz dos poucos documentos jamais tornados públicos demonstrando graficamente aquilo contra o que a HMRC está lutando”.
Fonte:Agência Carta Maior.
"VAMOS LÁ, EU GOSTO DESSE JOGO"
Ricardo Kotscho.
Vários leitores me chamaram a atenção por ter falado só do caso da faxineira do deputado Alberto Fraga (DEM-DF) e não da secretária parlamentar Luciana Cardoso, filha do ex-presidente FHC, que ganha R$ 7.500 para “cuidar dos arquivos” na casa do senador Heráclito Fortes (DEM-PI), noticiado na semana passada. Peço desculpas pela falha, já tinha me esquecido.
Segundo ela mesma declarou à Folha (coluna da Mônica Bergamo), Luciana Cardoso não vai ao Senado, onde é funcionária, “porque lá é uma bagunça”.
E se todos os outros funcionários do Senado resolverem fazer o mesmo, alegando o mesmo motivo? Teremos uma legião de trabalhadores domésticos pagos com o dinheiro público?
“Mas vamos lá, vamos lá, eu gosto desse jogo”, desafiou o cabra macho Alberto Fraga (DEM-DF) ao ser procurado pelos repórteres Leonardo Souza e Maria Clara Cabral, da Folha, para esclarecer o caso da secretária parlamentar Izolda da Silva Lima, flagrada trabalhando como faxineira na casa do nobre parlamentar, que ocupa uma área de 1.875 metros quadrados, às margens do lago Paranoá.
Quando li essa notícia no jornal, imaginei logo quem iria perder esse jogo. Adivinhem quem? Não deu outra: Izolda foi exonerada ontem mesmo após pressão da Mesa Diretora da Câmara, pelo suplente de Fraga, Osório Adiano, depois de todas as bravatas do deputado, que está licenciado, atual Secretário de Transportes do Distrito Federal.
Izolda, de 30 anos, que segundo ela mesma trabalhava há quatro ou cinco anos na casa do deputado, foi promovida no mês passado de secretária parlamentar 05 para 06, com salário de R$480,86, mas com as gratificações seus vencimentos chegavam a R$ 1.080, um bom salário para faxineira. Não vai ser fácil arrumar outro emprego com este salário em Brasília.
Pior do que manter uma secretária particular trabalhando como empregada doméstica em sua mansão, foi a reação do deputado ao ser flagrado. Primeiro tentou negar o fato, depois tentou justificá-lo, dizendo não ver nenhum problema nenhum em usar dinheiro da Câmara dos Deputados para fins privados. Disse aos repórteres que teria dinheiro para pagá-la, mas não o usa porque “não quer”.
Deputado do baixo clero que saiu do anonimato ao liderar a “bancada da bala” contra a proibição do comércio de armas no país, em 2005, Alberto Fraga resolveu partir para o ataque, desafiando os repórteres que descobriram o caso.
“Vocês não têm mais um castelo, agora querem uma doméstica fabricada. Mas vamos lá, vamos lá eu gosto desse jogo”.
“Eu pedi, evidentemente, se ele (o suplente Osório) pudesse segurar ela (como funcionária do gabinete). Se for o caso, se for para satisfazer o ego de vocês, eu volto amanhã para a Câmara e ela (Izolda) continua (contratada pelo gabinete). Não tenho tenhum tipo de receio de vocês, não”.
“Desculpa, não tenho que ficar dando este tipo de satisfação (sobre o tipo de serviço prestado por Izolda). Ela vai ao banco, esse tipo de coisa”.
Ontem, depois que o caso estourou, Fraga manteve a mesma linha de ataque:
“Não vou pedir para exonerá-la. Vocês que são os donos do mundo que peçam. Em minha vida pública sempre cumpri a lei e vou continuar cumprindo”.
A que tipo de lei Fraga estaria se referindo? A lei do comigo-ninguém-pode ou do você-sabe-com-quem-está-falando?
Entre tantas coisas ilícitas, ilegais ou imorais quase todos os dias denunciadas na rotina do Congresso Nacional, usar dinheiro público para levar uma secretária parlamentar a trabalhar como empregada doméstica, pode até ser algo irrelevante a esta altura do campeonato.
O que choca é a certeza da impunidade, é o desprezo pelo trabalho da imprensa e pela opinião pública, já que a única prejudicada nesta história toda foi a pobre faxineira recentemente promovida, certamente por bons serviços prestados.
Fonte:Balaio do Kotscho.
Vários leitores me chamaram a atenção por ter falado só do caso da faxineira do deputado Alberto Fraga (DEM-DF) e não da secretária parlamentar Luciana Cardoso, filha do ex-presidente FHC, que ganha R$ 7.500 para “cuidar dos arquivos” na casa do senador Heráclito Fortes (DEM-PI), noticiado na semana passada. Peço desculpas pela falha, já tinha me esquecido.
Segundo ela mesma declarou à Folha (coluna da Mônica Bergamo), Luciana Cardoso não vai ao Senado, onde é funcionária, “porque lá é uma bagunça”.
E se todos os outros funcionários do Senado resolverem fazer o mesmo, alegando o mesmo motivo? Teremos uma legião de trabalhadores domésticos pagos com o dinheiro público?
“Mas vamos lá, vamos lá, eu gosto desse jogo”, desafiou o cabra macho Alberto Fraga (DEM-DF) ao ser procurado pelos repórteres Leonardo Souza e Maria Clara Cabral, da Folha, para esclarecer o caso da secretária parlamentar Izolda da Silva Lima, flagrada trabalhando como faxineira na casa do nobre parlamentar, que ocupa uma área de 1.875 metros quadrados, às margens do lago Paranoá.
Quando li essa notícia no jornal, imaginei logo quem iria perder esse jogo. Adivinhem quem? Não deu outra: Izolda foi exonerada ontem mesmo após pressão da Mesa Diretora da Câmara, pelo suplente de Fraga, Osório Adiano, depois de todas as bravatas do deputado, que está licenciado, atual Secretário de Transportes do Distrito Federal.
Izolda, de 30 anos, que segundo ela mesma trabalhava há quatro ou cinco anos na casa do deputado, foi promovida no mês passado de secretária parlamentar 05 para 06, com salário de R$480,86, mas com as gratificações seus vencimentos chegavam a R$ 1.080, um bom salário para faxineira. Não vai ser fácil arrumar outro emprego com este salário em Brasília.
Pior do que manter uma secretária particular trabalhando como empregada doméstica em sua mansão, foi a reação do deputado ao ser flagrado. Primeiro tentou negar o fato, depois tentou justificá-lo, dizendo não ver nenhum problema nenhum em usar dinheiro da Câmara dos Deputados para fins privados. Disse aos repórteres que teria dinheiro para pagá-la, mas não o usa porque “não quer”.
Deputado do baixo clero que saiu do anonimato ao liderar a “bancada da bala” contra a proibição do comércio de armas no país, em 2005, Alberto Fraga resolveu partir para o ataque, desafiando os repórteres que descobriram o caso.
“Vocês não têm mais um castelo, agora querem uma doméstica fabricada. Mas vamos lá, vamos lá eu gosto desse jogo”.
“Eu pedi, evidentemente, se ele (o suplente Osório) pudesse segurar ela (como funcionária do gabinete). Se for o caso, se for para satisfazer o ego de vocês, eu volto amanhã para a Câmara e ela (Izolda) continua (contratada pelo gabinete). Não tenho tenhum tipo de receio de vocês, não”.
“Desculpa, não tenho que ficar dando este tipo de satisfação (sobre o tipo de serviço prestado por Izolda). Ela vai ao banco, esse tipo de coisa”.
Ontem, depois que o caso estourou, Fraga manteve a mesma linha de ataque:
“Não vou pedir para exonerá-la. Vocês que são os donos do mundo que peçam. Em minha vida pública sempre cumpri a lei e vou continuar cumprindo”.
A que tipo de lei Fraga estaria se referindo? A lei do comigo-ninguém-pode ou do você-sabe-com-quem-está-falando?
Entre tantas coisas ilícitas, ilegais ou imorais quase todos os dias denunciadas na rotina do Congresso Nacional, usar dinheiro público para levar uma secretária parlamentar a trabalhar como empregada doméstica, pode até ser algo irrelevante a esta altura do campeonato.
O que choca é a certeza da impunidade, é o desprezo pelo trabalho da imprensa e pela opinião pública, já que a única prejudicada nesta história toda foi a pobre faxineira recentemente promovida, certamente por bons serviços prestados.
Fonte:Balaio do Kotscho.
SENADO - A cultura do ascone.
O mal do Senado é endêmico na máquina pública: a cultura do Ascone – Assessor de Coisa Nenhuma
Frei Betto
O Senado brasileiro acaba de extinguir 50 das suas 181 diretorias, das quais 70% criadas pelo senador José Sarney (PMDB-AM), ao presidir a Casa entre 2003 e 2005. Esse pequeno corte representa uma economia anual de R$ 4,8 milhões do dinheiro do contribuinte.
Diretorias cassadas não significam diretores desempregados. Perderam apenas o cargo e, com ele, algumas mordomias, como gratificação mensal (variável de R$ 2 mil a R$ 5 mil), uso de celular (conta paga por nós) e a vaga na garagem do Senado.
Entre as diretorias extintas, se destaca a Coordenação de Apoio Aeroportuário. Para que servia? Ora, onde já se viu um senador (há honrosas exceções, felizmente) fazer o próprio check-in e aguardar embarque misturado ao comum dos mortais? Nada como dispor de um serviçal atendido por um solícito funcionário da empresa aérea, sem fila nem risco de viajar no assento do meio, enquanto o parlamentar espera confortavelmente instalado na sala VIP.
E ao desembarcar, lá está outro serviçal para aguardá-lo à porta da aeronave, prestimoso em carregar-lhe a pasta, recolher as malas na esteira e encaminhá-lo ao veículo oficial solenemente estacionado em local vetado ao cidadão comum.
Havia uma diretora do Gabinete de Coordenação e Execução (de quê?). Ingressou na Casa como telefonista e, graças à conivência de senadores, chegou à função de diretora. Entre alto salário e gratificações, permitia-se a ela estacionar, na garagem privativa do Senado, um reluzente BMW. Aliás, não era a única diretora do referido gabinete. Havia mais três!
Entre as 50 secretarias extintas, figuravam três Secretarias Técnicas de Eletrônica e, ainda, uma Subsecretaria de Convergências Tecnológicas e uma Subsecretaria de Tecnologia da Informação. Fico a imaginar a que atividades se destinavam tais órgãos. Possivelmente a instalar e reparar equipamentos eletrônicos, como computadores. O que seria “convergência tecnológica”? A padronização de linguagens informáticas ou a sincronização de programas e planilhas?
Chama a atenção que, dispondo de tanta tecnologia, o Senado ainda registre suas sessões por meio de taquigrafia. Não é tempo de gravar discursos e debates dos parlamentares em fitas magnéticas, vídeos e dvds? Continuam em plena vigência as subsecretarias de Registro Taquigráfico, Redação Taquigráfica, Revisão Taquigráfica e Supervisão Taquigráfica. Por que não usar a estenotipia?
Reza um antigo provérbio latino: “Senatores boni viri, senatus autem bestia” (Os senadores são boas pessoas, mas o senado é uma besta). Na verdade, bestas somos nós, que nem sempre somos criteriosos ao eleger nossos políticos. É verdade que, entre os 81 senadores, há aqueles que primam pela ética, não se deixam picar pela mosca azul e até ousam denunciar que a corrupção grassa entre alguns de seus pares.
Agora o Senado conta com 131 diretorias! Entre elas a Secretaria da Polícia do Senado, e as Subsecretarias de Polícia Ostensiva, de Proteção a Autoridades e de Polícia Judiciária. Verdadeiro Exército de Brancaleone! Essa policiada toda investiga, lá dentro, indícios de corrupção, abusos de autoridade, nepotismo e malversação?
O mal do Senado é endêmico na máquina pública: a cultura do Ascone – Assessor de Coisa Nenhuma. Balança-se a árvore dos ministérios, das estatais, dos governos estaduais, das assembleias legislativas, das câmaras de vereadores e das prefeituras, e se constata que há uma legião de funcionários inteiramente dispensáveis, pessoas que ocupam funções inócuas criadas para acomodar apadrinhados de políticos.
O político safado não tem o menor escrúpulo em cavar um emprego público para o cabo-eleitoral, o filho do correligionário, o afilhado da cunhada, a filha do financiador de campanha. E quando a imprensa cumpre o seu papel de fiscalizar como é gasto o dinheiro do povo há senadores que, como disse Jesus, veem o cisco no olho alheio e não enxergam a trave no próprio. Ou seja, acham que o exagero é da mídia, e não de uma Casa parlamentar que se dá ao luxo de empregar aproximadamente 10 mil funcionários (3,4 mil concursados; 3,1 mil comissionados; e cerca de 3 mil terceirizados). Este total representa 123,4 servidores para cada um dos 81 senadores. Tudo pago pelo contribuinte.
O governo nos deve a reforma política. Enquanto não vier, a máquina pública continuará a servir de cabidão para amigos, parentes e aliados de políticos, e bandidos e corruptos disputarão mandatos políticos para gozarem de impunidade e imunidade. Numa República decente, os senadores seriam os primeiros a dispensar foro privilegiado, matricular os filhos em escolas públicas e recorrer ao SUS em caso de problemas de saúde.
Os políticos jamais deveriam se sentir incomodados por prestar contas à opinião pública. É o dever deles.
Frei Betto
O Senado brasileiro acaba de extinguir 50 das suas 181 diretorias, das quais 70% criadas pelo senador José Sarney (PMDB-AM), ao presidir a Casa entre 2003 e 2005. Esse pequeno corte representa uma economia anual de R$ 4,8 milhões do dinheiro do contribuinte.
Diretorias cassadas não significam diretores desempregados. Perderam apenas o cargo e, com ele, algumas mordomias, como gratificação mensal (variável de R$ 2 mil a R$ 5 mil), uso de celular (conta paga por nós) e a vaga na garagem do Senado.
Entre as diretorias extintas, se destaca a Coordenação de Apoio Aeroportuário. Para que servia? Ora, onde já se viu um senador (há honrosas exceções, felizmente) fazer o próprio check-in e aguardar embarque misturado ao comum dos mortais? Nada como dispor de um serviçal atendido por um solícito funcionário da empresa aérea, sem fila nem risco de viajar no assento do meio, enquanto o parlamentar espera confortavelmente instalado na sala VIP.
E ao desembarcar, lá está outro serviçal para aguardá-lo à porta da aeronave, prestimoso em carregar-lhe a pasta, recolher as malas na esteira e encaminhá-lo ao veículo oficial solenemente estacionado em local vetado ao cidadão comum.
Havia uma diretora do Gabinete de Coordenação e Execução (de quê?). Ingressou na Casa como telefonista e, graças à conivência de senadores, chegou à função de diretora. Entre alto salário e gratificações, permitia-se a ela estacionar, na garagem privativa do Senado, um reluzente BMW. Aliás, não era a única diretora do referido gabinete. Havia mais três!
Entre as 50 secretarias extintas, figuravam três Secretarias Técnicas de Eletrônica e, ainda, uma Subsecretaria de Convergências Tecnológicas e uma Subsecretaria de Tecnologia da Informação. Fico a imaginar a que atividades se destinavam tais órgãos. Possivelmente a instalar e reparar equipamentos eletrônicos, como computadores. O que seria “convergência tecnológica”? A padronização de linguagens informáticas ou a sincronização de programas e planilhas?
Chama a atenção que, dispondo de tanta tecnologia, o Senado ainda registre suas sessões por meio de taquigrafia. Não é tempo de gravar discursos e debates dos parlamentares em fitas magnéticas, vídeos e dvds? Continuam em plena vigência as subsecretarias de Registro Taquigráfico, Redação Taquigráfica, Revisão Taquigráfica e Supervisão Taquigráfica. Por que não usar a estenotipia?
Reza um antigo provérbio latino: “Senatores boni viri, senatus autem bestia” (Os senadores são boas pessoas, mas o senado é uma besta). Na verdade, bestas somos nós, que nem sempre somos criteriosos ao eleger nossos políticos. É verdade que, entre os 81 senadores, há aqueles que primam pela ética, não se deixam picar pela mosca azul e até ousam denunciar que a corrupção grassa entre alguns de seus pares.
Agora o Senado conta com 131 diretorias! Entre elas a Secretaria da Polícia do Senado, e as Subsecretarias de Polícia Ostensiva, de Proteção a Autoridades e de Polícia Judiciária. Verdadeiro Exército de Brancaleone! Essa policiada toda investiga, lá dentro, indícios de corrupção, abusos de autoridade, nepotismo e malversação?
O mal do Senado é endêmico na máquina pública: a cultura do Ascone – Assessor de Coisa Nenhuma. Balança-se a árvore dos ministérios, das estatais, dos governos estaduais, das assembleias legislativas, das câmaras de vereadores e das prefeituras, e se constata que há uma legião de funcionários inteiramente dispensáveis, pessoas que ocupam funções inócuas criadas para acomodar apadrinhados de políticos.
O político safado não tem o menor escrúpulo em cavar um emprego público para o cabo-eleitoral, o filho do correligionário, o afilhado da cunhada, a filha do financiador de campanha. E quando a imprensa cumpre o seu papel de fiscalizar como é gasto o dinheiro do povo há senadores que, como disse Jesus, veem o cisco no olho alheio e não enxergam a trave no próprio. Ou seja, acham que o exagero é da mídia, e não de uma Casa parlamentar que se dá ao luxo de empregar aproximadamente 10 mil funcionários (3,4 mil concursados; 3,1 mil comissionados; e cerca de 3 mil terceirizados). Este total representa 123,4 servidores para cada um dos 81 senadores. Tudo pago pelo contribuinte.
O governo nos deve a reforma política. Enquanto não vier, a máquina pública continuará a servir de cabidão para amigos, parentes e aliados de políticos, e bandidos e corruptos disputarão mandatos políticos para gozarem de impunidade e imunidade. Numa República decente, os senadores seriam os primeiros a dispensar foro privilegiado, matricular os filhos em escolas públicas e recorrer ao SUS em caso de problemas de saúde.
Os políticos jamais deveriam se sentir incomodados por prestar contas à opinião pública. É o dever deles.
ECONOMIA - Com liberdade total para o mercado, quem atende aos pobres?
Em entrevista publicada no jornal Página 12, o historiador britânico Eric Hobsbawm fala da crise atual e de suas possíveis implicações políticas. Para ele, o mundo está entrando em um período de depressão e os grandes riscos, diante da fragilidade da esquerda mundial, são o crescimento da xenofobia e da extrema-direita. Hobsbawm destaca o que está acontecendo na América Latina e elogia o presidente brasileiro. "É o verdadeiro introdutor da democracia no Brasil. No Brasil há muitos pobres e ninguém jamais fez tantas coisas concretas por eles".
Martin Granovsky - Página12
Em junho ele completa 92 anos. Lúcido e ativo, o historiador que escreveu "Rebeldes Primitivos", "A Era da Revolução" e a "História do Século XX", entre outros livros, aceitou falar de sua própria vida, da crise de 30, do fascismo e do antifascismo e da crise atual. Segundo ele, uma crise da economia do fundamentalismo de mercado é o que a queda do Muro de Berlim foi para a lógica soviética do socialismo.
Hobsbawm aparece na porta da embaixada da Alemanha, em Londres. São pouco mais de três da tarde na bela Belgrave Square e se enxergam as bandeiras das embaixadas por trás das copas das árvores. De óculos, chapéu na cabeça e um casaco muito pesado, cumprimenta. Tem mãos grandes e ossudas, mas não parecem as mãos de um velho. Nenhuma deformação de artrite as atacou. Rapidamente uma pequena prova demonstra que as pernas de Hobsbawm também estão em boa forma. Com agilidade desce três degraus que levam do corrimão a calçada. Parece enxergar bem. Tem uma bengala na mão direita. Não se apóia nela, mas talvez a use como segurança, em caso de tropeçar, ou como um sensor de alerta rápido que detecta degraus, poças e, de imediato, o meio-fio da calçada. Hobsbawm é alto e magro. Uns oitenta e bicos. Não pede ajuda. O motorista do Foreign Office lhe abre a porta esquerda do jaguar preto. Entra no carro com facilidade. O carro é grande, por sorte, e cabe, mas a viagem é curta.
- Acabo de me encontrar com um historiador alemão, por isso estou na embaixada, e devo voltar – avisa. Ele chegou de visita a Londres e quis conversar com alguns de nós. Sei que vamos a Canning House. Está bem. Poucas voltas, não?
O carro dá meia volta na Belgrave Square e pára na frente de outro palacete branco de três andares, com uma varanda rodeada de colunas e a porta de madeira pesada. Por algum motivo mágico o motorista de cabelos brancos com uma mecha sobre o rosto, traje azul e sorridente como um ajudante do inspetor Morse de Oxford, já abre a porta a Hobsbawm. Entre essas construções tão parecidas, a elegância do Jaguar o assemelha a uma carruagem recém polida. O motorista sorri quando Hobsbawm desce. O professor lhe devolve a simpatia enquanto sobe com facilidade num hall obscuro. Já entrou em Canning House e à direita vê uma enorme imagem de José de San Martin. À esquerda do corredor, uma grande sala. O chá está servido. Quer dizer, o chá, os pães e uma torta. Outro quadro do mesmo tamanho que o de San Martin. É Simon Bolívar. E também é Bolívar o cavalheiro do busto sobre o aparador.
Quanto chá tomaram Bolívar e San Martin antes de saírem de Londres para a América do Sul, em princípios do século XIX, para cumprir seus planos de independência?
Hobsbawm pega a primeira taça e quer ser quem faz a primeira pergunta.
- Como está a Argentina? - interroga mas não muito, porque não espera e comenta – No ano passado Cristina esteve para vir a Londres para uma reunião de presidentes progressistas e pediu para me ver. Eu disse sim, mas ela não veio. Não foi sua culpa. Estava no meio do confronto com a Sociedade Rural.
Hobsbawm fala um inglês sem afetação nem os trejeitos de alguns acadêmicos do Reino Unido. Mas acaba de pronunciar “Sociedade Rural” em castellhano.
- O que aconteceu com esse conflito?
Durante a explicação, o professor inclina a cabeça, mais curioso que antes, enquanto com a mão direita seu garfo tenta cortar a torta de maçã. É uma tarefa difícil. Então se desconcentra da torta e fixa o olhar esperando, agora sim, alguma pergunta.
- O mundo está complicado – afirma ainda mantendo a iniciativa. Não quero cair em slogans, mas é indubitável que o Consenso de Washington morreu. A desregulação selvagem já não é somente má: é impossível. Há que se reorganizar o sistema financeiro internacional. Minha esperança é que os líderes do mundo se dêem conta de que não se pode renegociar a situação para voltar atrás, senão que há que se redesenhar tudo em direção ao futuro.
A Argentina experimentou várias crises, a última forte em 2001. Em 2005 o presidente Néstor Kirchner, de acordo com o governo brasileiro, que também o fez, pagou ao FMI e desvinculou a Argentina do organismo para que o país não continuasse submetido a suas condicionalidades.
- É que a esta altura se necessita de um FMI absolutamente distinto, com outros princípios que não dependam apenas dos países mais desenvolvidos e em que uma ou duas pessoas tomam as decisões. É muito importante o que o Brasil e a Argentina estão propondo, para mudar o sistema atual. Como estão as relações de vocês?
- Muito bem
- Isso é muito importante. Mantenham-nas assim. As boas relações entre governos como os de vocês são muito importantes em meio a uma crise que também implica riscos políticos. Para os padrões estadunidenses, o país está girando à esquerda e não à extrema direita. Isso também é bom. A Grande Depressão levou politicamente o mundo para a extrema direita em quase todo o planeta, com exceção dos países escandinavos e dos Estados Unidos de Roosevelt. Inclusive o Reino Unido chegou a ter membros do Parlamento que eram de extrema direita [e começa a entrevista propriamente].
- E que alternativa aparece?
- Não sei. Sabe qual é o drama? O giro à direita teve onde se apoiar: nos conservadores. O giro à esquerda também teve em quem descansar: nos trabalhistas.
- Os trabalhistas governam o Reino Unido.
- Sim, mas eu gostaria de considerar um quadro mais geral. Já não existe esquerda tal como era.
- Isso lhe é estranho?
- Faço apenas o registro.
- A quê se refere quando diz “a esquerda tal como era”?
- Às distintas variantes da esquerda clássica. Aos comunistas, naturalmente. E aos socialdemocratas. Mas, sabe o que acontece? Todas as variantes da esquerda precisam do Estado. E durante décadas de giro à direita conservadora, o controle do Estado se tornou impossível.
- Por que?
- Muito simples. Como você controla o estado em condições de globalização? Convém recordar que, em princípios dos anos 80 não só triunfaram Ronald Reagan e Margareth Thatcher. Na França, François Miterrand não obteve uma vitória.
- Havia vencido para a presidência dem 1974 e repetiu a vitória em 1981.
- Sim. Mas quando tentou uma unidade das esquerdas para nacionalizar um setor maior da economia, não teve poder suficiente para fazê-lo. Fracassou completamente. A esquerda e os partidos socialdemocratas se retiraram de cena, derrotados, convencidos de que nada se podia fazer. E, então, não só na França como em todo mundo ficou claro que o único modelo que se podia impor com poder real era o capitalismo absolutamente livre.
- Livre, sim. Por que diz “absolutamente”?
- Porque com liberdade absoluta para o mercado, quem atende aos pobres? Essa política, ou a política da não-política, é a que se desenvolveu com Margareth Thatcher e Ronald Reagan. E funcionou – dentro de sua lógica, claro, que não compartilho – até a crise que começou em 2008. Frente à situação anterior a esquerda não tinha alternativa. E frente a esta? Prestemos atenção, por exemplo, à esquerda mais clássica da Europa. É muito débil na Europa. Ou está fragmentada. Ou desapareceu. A Refundação Comunista na Itália é débil e os outros ramos do ex Partido Comunista Italiano estão muito mal. A Esquerda Unida na Espanha também está descendo ladeira abaixo. Algo permaneceu na Alemanha. Algo na França, como Partido Comunista. Nem essas forças, nem menos ainda a extrema esquerda, como os trotskistas, e nem sequer uma socialdemocracia como a que descrevi antes alcançam uma resposta a esta crise a seus perigos, contudo. A mesma debilidade da esquerda aumenta os riscos.
- Que riscos?
- Em períodos de grande descontentamento como o que começamos a viver, o grande perigo é a xenofobia, que alimentará e será por sua vez alimentada pela extrema direita. E quem essa extrema direita buscará? Buscará atrair os “estúpidos” cidadãos que se preocupam com seu trabalho e têm medo de perdê-lo. E digo estúpidos ironicamente, quero deixar claro. Porque aí reside outro fracasso evidente do fundamentalismo de mercado. Deu liberdade para todos, e a verdadeira liberdade de trabalho? A de mudá-lo e melhorar em todos os aspectos? Essa liberdade não foi respeitada porque, para o fundamentalismo de mercado isso tinha se tornado intolerável. Também teriam sido politicamente intoleráveis a liberdade absoluta e a desregulação absoluta em matéria laboral, ao menos na Europa. Eu temo uma era de depressão.
- Você ainda tem dúvidas de que entraremos em depressão?
- Se você quiser posso falar tecnicamente, como os economistas, e quantificar trimestres. Mas isso não é necessário. Que outra palavra pode se usar para denominar um tempo em que muito velozmente milhões de pessoas perdem seu emprego? De qualquer maneira, até o momento no vejo um cenário de uma extrema direita ganhando maioria em eleições, como ocorreu em 1933, quando a Alemanha elegeu Adolf Hitler. É paradoxal, mas com um mundo muito globalizado um fator impedirá a imigração, que por sua vez aparece como a desculpa para a xenofobia e para o giro à extrema direita. E esse fator é que as pessoas emigrarão menos – falo em termos de emigração em massa – ao verem que nos países desenvolvidos a crise é tão grave. Voltando à xenofobia, o problema é que, ainda que a extrema direita não ganhe, poderia ser muito importante na fixação da agenda pública de temas e terminaria por imprimir uma face muito feia na política.
- Deixemos de lado a economia, por um momento. Pensando em política, o que diminuiria o risco da xenofobia?
- Me parece bem, vamos à prática. O perigo diminuiria com governos que gozem de confiança política suficiente por parte do povo em virtude de sua capacidade de restaurar o bem-estar econômico. As pessoas devem ver os políticos como gente capaz de garantir a democracia, os direitos individuais e ao mesmo tempo coordenar planos eficazes para se sair da crise. Agora que falamos deste tema, sabe que vejo os países da América Latina surpreendentemente imunes à xenofobia?
- Por que?
- Eu lhe pergunto se é assim. É assim?
- É possível. Não diria que são imunes, se pensamos, por exemplo, no tratamento racista de um setor da Bolívia frente a Evo Morales, mas ao menos nos últimos 25 anos de democracia, para tomar a idade da democracia argentina, a xenofobia e o racismo nunca foram massivos nem nutriram partidos de extrema direita, que são muito pequenos. Nem sequer com a crise de 2001, que culminou o processo de destruição de milhões de empregos, apesar de que a imigração boliviana já era muito importante em número. Agora, não falamos dos cantos das torcidas de futebol, não é?
- Não, eu penso em termos massivos.
- Então as coisas parecem ser como você pensa, professor. E, como em outros lugares do mundo, o pensamento da extrema direita aparece, por exemplo, com a crispação sobre a segurança e a insegurança das ruas.
- Sim, a América Latina é interessante. Tenho essa intuição. Pense num país maior, o Brasil. Lula manteve algumas idéias de estabilidade econômica de Fernando Henrique Cardoso, mas ampliou enormemente os serviços sociais e a distribuição. Alguns dizem que não é suficiente...
- E você, o que diz?
- Que não é suficiente. Mas que Lula fez, fez. E é muito significativo. Lula é o verdadeiro introdutor da democracia no Brasil. E ninguém o havia feito nunca na história desse país. Por isso hoje tem 70% de popularidade, apesar dos problemas prévios às últimas eleições. Porque no Brasil há muitos pobres e ninguém jamais fez tantas coisas concretas por eles, desenvolvendo ao mesmo tempo a indústria e a exportação de produtos manufaturados. A desigualdade ainda assim segue sendo horrorosa. Mas ainda faltam muitos anos para mudar as cosias. Muitos.
- E você pensa que serão de anos de depressão mundial
- Sim. Lamento dizê-lo, mas apostaria que haverá depressão e que durará alguns anos. Estamos entrando em depressão. Sabem como se pode dar conta disso? Falando com gente de negócios. Bom, eles estão mais deprimidos que os economistas e os políticos. E, por sua vez, esta depressão é uma grande mudança para a economia capitalista global.
- Por que está tão seguro desse diagnóstico?
- Porque não há volta atrás para o mercado absoluto que regeu os últimos 40 anos, desde a década de 70. Já não é mais uma questão de ciclos. O sistema deve ser reestruturado.
- Posso lhe perguntar de novo por que está tão seguro?
- Porque esse modelo não é apenas injusto: agora é impossível. As noções básicas segundo as quais as políticas públicas deviam ser abandonadas, agora estão sendo deixadas de lado. Pense no que fazem e às vezes dizem, dirigentes importantes de países desenvolvidos. Estão querendo reestruturar as economias para sair da crise. Não estou elogiando. Estou descrevendo um fenômeno. E esse fenômeno tem um elemento central: ninguém mais se anima a pensar que o Estado pode não ser necessário ao desenvolvimento econômico. Ninguém mais diz que bastará deixar que o mercado flua, com sua liberdade total. Não vê que o sistema financeiro internacional já nem funciona mais? Num sentido, essa crise é pior do que a de 1929-1933, porque é absolutamente global. Nem os bancos funcionam.
- Onde você vivia nesse momento, no começo dos anos 30?
- Nada menos que em Viena e Berlim. Era um menino. Que momento horroroso. Falemos de coisas melhores, como Franklin Delano Roosevelt.
- Numa entrevista para a BBC no começo da crise você o resgatou.
- Sim, e resgato os motivos políticos de Roosevelt. Na política ele aplicou o princípio do “Nunca mais”. Com tantos pobres, com tantos famintos nos Estados Unidos, nunca mais o mercado como fator exclusivo de obtenção de recursos. Por isso decidiu realizar sua política do pleno emprego. E desse modo não somente atenuou os efeitos sociais da crise como seus eventuais efeitos políticos de fascistização com base no medo massivo. O sistema de pleno emprego não modificou a raiz da sociedade, mas funcionou durante décadas. Funcionou razoavelmente bem nos Estados Unidos, funcionou na França, produziu a inclusão social de muita gente, baseou-se no bem-estar combinado com uma economia mista que teve resultados muito razoáveis no mundo do pós-Segunda Guerra. Alguns estados foram mais sistemáticos, como a França, que implantou o capitalismo dirigido, mas em geral as economias eram mistas e o Estado estava presente de um modo ou de outro. Poderemos fazê-lo de novo? Não sei. O que sei é que a solução não estará só na tecnologia e no desenvolvimento econômico. Roosevelt levou em conta o custo humano da situação de crise.
- Quer dizer que para você as sociedades não se suicidam.
(Pensa) – Não deliberadamente. Sim, podem ir cometendo erros que as levam a catástrofes terríveis. Ou ao desastre. Com que razoabilidade, durante esses anos, se podia acreditar que o crescimento com tamanho nível de uma bolha seria ilimitado? Cedo ou tarde isso terminaria e algo deveria ser feito.
- De maneira que não haverá catástrofe.
- Não me interessam as previsões. Observe, se acontece, acontece. Mas se há algo que se possa fazer, façamos-no. Não se pode perdoar alguém por não ter feito nada. Pelo menos uma tentativa. O desastre sobrevirá se permanecermos quietos. A sociedade não pode basear-se numa concepção automática dos processos políticos. Minha geração não ficou quieta nos anos 30 nem nos 40. Na Inglaterra eu cresci, participei ativamente da política, fui acadêmico estudando em Cambridge. E todos éramos muito politizados. A Guerra Civil espanhola nos tocou muito. Por isso fomos firmemente antifascistas.
- Tocou a esquerda de todo o mundo. Também na América Latina
- Claro, foi um tema muito forte para todos. E nós, em Cambridge, víamos que os governos não faziam nada para defender a República. Por isso reagimos contra as velhas gerações e os governos que as representavam. Anos depois entendi a lógica de por quê o governo do Reino Unido, onde nós estávamos, não fez nada contra Francisco Franco. Já tinha a lucidez de se saber um império em decadência e tinha consciência de sua debilidade. A Espanha funcionou como uma distração. E os governos não deviam tê-la tomado assim. Equivocaram-se. O levante contra a República foi um dos feitos mais importantes do século XX. Logo depois, na Segunda Guerra...
- Pouco depois, não? Porque o fim da Guerra Civil Espanhola e a invasão alemã da Tchecoslováquia ocorreu no mesmo ano.
- É verdade. Dizia-lhe que logo depois o liberalismo e o comunismo tiveram uma causa comum. Se deram conta de que, assim não fosse, eram débeis frente ao nazismo. E no caso da América Latina o modelo de Franco influenciou mais que o de Benito Mussolini, com suas idéias conspiratórias da sinarquia, por exemplo. Não tome isso como uma desculpa para Mussolini, por favor. O fascismo europeu em geral é uma ideologia inaceitável, oposta a valores universais.
- Você fala da América Latina...
- Mas não me pergunte da Argentina. Não sei o suficiente de seu país. Todos me perguntam do peronismo. Para mim está claro que não pode ser tomado como um movimento de extrema direita. Foi um movimento popular que organizou os trabalhadores e isso talvez explique sua permanência no tempo. Nem os socialistas nem os comunistas puderam estabelecer uma base forte no movimento sindical. Sei das crises que a Argentina sofreu e sei algo de sua história, do peso da classe média, de sua sociedade avançada culturalmente dentro da América Latina, fenômeno que creio ainda se mantém. Sei da idade de ouro dos anos 20 e sei dos exemplos obscenos de desigualdade comuns a toda a América Latina.
- Você sempre se definiu com um homem de esquerda. Também segue tendo confiança nela?
- Sigo na esquerda, sem dúvida com mais interesse em Marx do que em Lênin. Porque sejamos sinceros, o socialismo soviético fracassou. Foi uma forma extrema de aplicar a lógica do socialismo, assimo como o fundamentalismo de mercado foi uma forma extrema de aplicação da lógica do liberalismo econômico. E também fracassou. A crise global que começou no ano passado é, para a economia de mercado, equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim em 1989. Por isso Marx segue me interessando. Como o capitalismo segue existindo, a análise marxista ainda é uma boa ferramenta para analisá-lo. Ao mesmo tempo, está claro que não só não é possível como não é desejável uma economia socialista sem mercado nem uma economia em geral sem Estado.
- Por que não?
- Se se mira a história e o presente, não há dúvida alguma de que os problemas principais, sobretudo no meio de uma crise profunda, devem e podem ser solucionados pela ação política. O mercado não tem condições de fazê-lo.
(*) Martin Granovsky é analista internacional e presidente da agência de notícias Télam.
Fonte:Agência Carta Maior.
Martin Granovsky - Página12
Em junho ele completa 92 anos. Lúcido e ativo, o historiador que escreveu "Rebeldes Primitivos", "A Era da Revolução" e a "História do Século XX", entre outros livros, aceitou falar de sua própria vida, da crise de 30, do fascismo e do antifascismo e da crise atual. Segundo ele, uma crise da economia do fundamentalismo de mercado é o que a queda do Muro de Berlim foi para a lógica soviética do socialismo.
Hobsbawm aparece na porta da embaixada da Alemanha, em Londres. São pouco mais de três da tarde na bela Belgrave Square e se enxergam as bandeiras das embaixadas por trás das copas das árvores. De óculos, chapéu na cabeça e um casaco muito pesado, cumprimenta. Tem mãos grandes e ossudas, mas não parecem as mãos de um velho. Nenhuma deformação de artrite as atacou. Rapidamente uma pequena prova demonstra que as pernas de Hobsbawm também estão em boa forma. Com agilidade desce três degraus que levam do corrimão a calçada. Parece enxergar bem. Tem uma bengala na mão direita. Não se apóia nela, mas talvez a use como segurança, em caso de tropeçar, ou como um sensor de alerta rápido que detecta degraus, poças e, de imediato, o meio-fio da calçada. Hobsbawm é alto e magro. Uns oitenta e bicos. Não pede ajuda. O motorista do Foreign Office lhe abre a porta esquerda do jaguar preto. Entra no carro com facilidade. O carro é grande, por sorte, e cabe, mas a viagem é curta.
- Acabo de me encontrar com um historiador alemão, por isso estou na embaixada, e devo voltar – avisa. Ele chegou de visita a Londres e quis conversar com alguns de nós. Sei que vamos a Canning House. Está bem. Poucas voltas, não?
O carro dá meia volta na Belgrave Square e pára na frente de outro palacete branco de três andares, com uma varanda rodeada de colunas e a porta de madeira pesada. Por algum motivo mágico o motorista de cabelos brancos com uma mecha sobre o rosto, traje azul e sorridente como um ajudante do inspetor Morse de Oxford, já abre a porta a Hobsbawm. Entre essas construções tão parecidas, a elegância do Jaguar o assemelha a uma carruagem recém polida. O motorista sorri quando Hobsbawm desce. O professor lhe devolve a simpatia enquanto sobe com facilidade num hall obscuro. Já entrou em Canning House e à direita vê uma enorme imagem de José de San Martin. À esquerda do corredor, uma grande sala. O chá está servido. Quer dizer, o chá, os pães e uma torta. Outro quadro do mesmo tamanho que o de San Martin. É Simon Bolívar. E também é Bolívar o cavalheiro do busto sobre o aparador.
Quanto chá tomaram Bolívar e San Martin antes de saírem de Londres para a América do Sul, em princípios do século XIX, para cumprir seus planos de independência?
Hobsbawm pega a primeira taça e quer ser quem faz a primeira pergunta.
- Como está a Argentina? - interroga mas não muito, porque não espera e comenta – No ano passado Cristina esteve para vir a Londres para uma reunião de presidentes progressistas e pediu para me ver. Eu disse sim, mas ela não veio. Não foi sua culpa. Estava no meio do confronto com a Sociedade Rural.
Hobsbawm fala um inglês sem afetação nem os trejeitos de alguns acadêmicos do Reino Unido. Mas acaba de pronunciar “Sociedade Rural” em castellhano.
- O que aconteceu com esse conflito?
Durante a explicação, o professor inclina a cabeça, mais curioso que antes, enquanto com a mão direita seu garfo tenta cortar a torta de maçã. É uma tarefa difícil. Então se desconcentra da torta e fixa o olhar esperando, agora sim, alguma pergunta.
- O mundo está complicado – afirma ainda mantendo a iniciativa. Não quero cair em slogans, mas é indubitável que o Consenso de Washington morreu. A desregulação selvagem já não é somente má: é impossível. Há que se reorganizar o sistema financeiro internacional. Minha esperança é que os líderes do mundo se dêem conta de que não se pode renegociar a situação para voltar atrás, senão que há que se redesenhar tudo em direção ao futuro.
A Argentina experimentou várias crises, a última forte em 2001. Em 2005 o presidente Néstor Kirchner, de acordo com o governo brasileiro, que também o fez, pagou ao FMI e desvinculou a Argentina do organismo para que o país não continuasse submetido a suas condicionalidades.
- É que a esta altura se necessita de um FMI absolutamente distinto, com outros princípios que não dependam apenas dos países mais desenvolvidos e em que uma ou duas pessoas tomam as decisões. É muito importante o que o Brasil e a Argentina estão propondo, para mudar o sistema atual. Como estão as relações de vocês?
- Muito bem
- Isso é muito importante. Mantenham-nas assim. As boas relações entre governos como os de vocês são muito importantes em meio a uma crise que também implica riscos políticos. Para os padrões estadunidenses, o país está girando à esquerda e não à extrema direita. Isso também é bom. A Grande Depressão levou politicamente o mundo para a extrema direita em quase todo o planeta, com exceção dos países escandinavos e dos Estados Unidos de Roosevelt. Inclusive o Reino Unido chegou a ter membros do Parlamento que eram de extrema direita [e começa a entrevista propriamente].
- E que alternativa aparece?
- Não sei. Sabe qual é o drama? O giro à direita teve onde se apoiar: nos conservadores. O giro à esquerda também teve em quem descansar: nos trabalhistas.
- Os trabalhistas governam o Reino Unido.
- Sim, mas eu gostaria de considerar um quadro mais geral. Já não existe esquerda tal como era.
- Isso lhe é estranho?
- Faço apenas o registro.
- A quê se refere quando diz “a esquerda tal como era”?
- Às distintas variantes da esquerda clássica. Aos comunistas, naturalmente. E aos socialdemocratas. Mas, sabe o que acontece? Todas as variantes da esquerda precisam do Estado. E durante décadas de giro à direita conservadora, o controle do Estado se tornou impossível.
- Por que?
- Muito simples. Como você controla o estado em condições de globalização? Convém recordar que, em princípios dos anos 80 não só triunfaram Ronald Reagan e Margareth Thatcher. Na França, François Miterrand não obteve uma vitória.
- Havia vencido para a presidência dem 1974 e repetiu a vitória em 1981.
- Sim. Mas quando tentou uma unidade das esquerdas para nacionalizar um setor maior da economia, não teve poder suficiente para fazê-lo. Fracassou completamente. A esquerda e os partidos socialdemocratas se retiraram de cena, derrotados, convencidos de que nada se podia fazer. E, então, não só na França como em todo mundo ficou claro que o único modelo que se podia impor com poder real era o capitalismo absolutamente livre.
- Livre, sim. Por que diz “absolutamente”?
- Porque com liberdade absoluta para o mercado, quem atende aos pobres? Essa política, ou a política da não-política, é a que se desenvolveu com Margareth Thatcher e Ronald Reagan. E funcionou – dentro de sua lógica, claro, que não compartilho – até a crise que começou em 2008. Frente à situação anterior a esquerda não tinha alternativa. E frente a esta? Prestemos atenção, por exemplo, à esquerda mais clássica da Europa. É muito débil na Europa. Ou está fragmentada. Ou desapareceu. A Refundação Comunista na Itália é débil e os outros ramos do ex Partido Comunista Italiano estão muito mal. A Esquerda Unida na Espanha também está descendo ladeira abaixo. Algo permaneceu na Alemanha. Algo na França, como Partido Comunista. Nem essas forças, nem menos ainda a extrema esquerda, como os trotskistas, e nem sequer uma socialdemocracia como a que descrevi antes alcançam uma resposta a esta crise a seus perigos, contudo. A mesma debilidade da esquerda aumenta os riscos.
- Que riscos?
- Em períodos de grande descontentamento como o que começamos a viver, o grande perigo é a xenofobia, que alimentará e será por sua vez alimentada pela extrema direita. E quem essa extrema direita buscará? Buscará atrair os “estúpidos” cidadãos que se preocupam com seu trabalho e têm medo de perdê-lo. E digo estúpidos ironicamente, quero deixar claro. Porque aí reside outro fracasso evidente do fundamentalismo de mercado. Deu liberdade para todos, e a verdadeira liberdade de trabalho? A de mudá-lo e melhorar em todos os aspectos? Essa liberdade não foi respeitada porque, para o fundamentalismo de mercado isso tinha se tornado intolerável. Também teriam sido politicamente intoleráveis a liberdade absoluta e a desregulação absoluta em matéria laboral, ao menos na Europa. Eu temo uma era de depressão.
- Você ainda tem dúvidas de que entraremos em depressão?
- Se você quiser posso falar tecnicamente, como os economistas, e quantificar trimestres. Mas isso não é necessário. Que outra palavra pode se usar para denominar um tempo em que muito velozmente milhões de pessoas perdem seu emprego? De qualquer maneira, até o momento no vejo um cenário de uma extrema direita ganhando maioria em eleições, como ocorreu em 1933, quando a Alemanha elegeu Adolf Hitler. É paradoxal, mas com um mundo muito globalizado um fator impedirá a imigração, que por sua vez aparece como a desculpa para a xenofobia e para o giro à extrema direita. E esse fator é que as pessoas emigrarão menos – falo em termos de emigração em massa – ao verem que nos países desenvolvidos a crise é tão grave. Voltando à xenofobia, o problema é que, ainda que a extrema direita não ganhe, poderia ser muito importante na fixação da agenda pública de temas e terminaria por imprimir uma face muito feia na política.
- Deixemos de lado a economia, por um momento. Pensando em política, o que diminuiria o risco da xenofobia?
- Me parece bem, vamos à prática. O perigo diminuiria com governos que gozem de confiança política suficiente por parte do povo em virtude de sua capacidade de restaurar o bem-estar econômico. As pessoas devem ver os políticos como gente capaz de garantir a democracia, os direitos individuais e ao mesmo tempo coordenar planos eficazes para se sair da crise. Agora que falamos deste tema, sabe que vejo os países da América Latina surpreendentemente imunes à xenofobia?
- Por que?
- Eu lhe pergunto se é assim. É assim?
- É possível. Não diria que são imunes, se pensamos, por exemplo, no tratamento racista de um setor da Bolívia frente a Evo Morales, mas ao menos nos últimos 25 anos de democracia, para tomar a idade da democracia argentina, a xenofobia e o racismo nunca foram massivos nem nutriram partidos de extrema direita, que são muito pequenos. Nem sequer com a crise de 2001, que culminou o processo de destruição de milhões de empregos, apesar de que a imigração boliviana já era muito importante em número. Agora, não falamos dos cantos das torcidas de futebol, não é?
- Não, eu penso em termos massivos.
- Então as coisas parecem ser como você pensa, professor. E, como em outros lugares do mundo, o pensamento da extrema direita aparece, por exemplo, com a crispação sobre a segurança e a insegurança das ruas.
- Sim, a América Latina é interessante. Tenho essa intuição. Pense num país maior, o Brasil. Lula manteve algumas idéias de estabilidade econômica de Fernando Henrique Cardoso, mas ampliou enormemente os serviços sociais e a distribuição. Alguns dizem que não é suficiente...
- E você, o que diz?
- Que não é suficiente. Mas que Lula fez, fez. E é muito significativo. Lula é o verdadeiro introdutor da democracia no Brasil. E ninguém o havia feito nunca na história desse país. Por isso hoje tem 70% de popularidade, apesar dos problemas prévios às últimas eleições. Porque no Brasil há muitos pobres e ninguém jamais fez tantas coisas concretas por eles, desenvolvendo ao mesmo tempo a indústria e a exportação de produtos manufaturados. A desigualdade ainda assim segue sendo horrorosa. Mas ainda faltam muitos anos para mudar as cosias. Muitos.
- E você pensa que serão de anos de depressão mundial
- Sim. Lamento dizê-lo, mas apostaria que haverá depressão e que durará alguns anos. Estamos entrando em depressão. Sabem como se pode dar conta disso? Falando com gente de negócios. Bom, eles estão mais deprimidos que os economistas e os políticos. E, por sua vez, esta depressão é uma grande mudança para a economia capitalista global.
- Por que está tão seguro desse diagnóstico?
- Porque não há volta atrás para o mercado absoluto que regeu os últimos 40 anos, desde a década de 70. Já não é mais uma questão de ciclos. O sistema deve ser reestruturado.
- Posso lhe perguntar de novo por que está tão seguro?
- Porque esse modelo não é apenas injusto: agora é impossível. As noções básicas segundo as quais as políticas públicas deviam ser abandonadas, agora estão sendo deixadas de lado. Pense no que fazem e às vezes dizem, dirigentes importantes de países desenvolvidos. Estão querendo reestruturar as economias para sair da crise. Não estou elogiando. Estou descrevendo um fenômeno. E esse fenômeno tem um elemento central: ninguém mais se anima a pensar que o Estado pode não ser necessário ao desenvolvimento econômico. Ninguém mais diz que bastará deixar que o mercado flua, com sua liberdade total. Não vê que o sistema financeiro internacional já nem funciona mais? Num sentido, essa crise é pior do que a de 1929-1933, porque é absolutamente global. Nem os bancos funcionam.
- Onde você vivia nesse momento, no começo dos anos 30?
- Nada menos que em Viena e Berlim. Era um menino. Que momento horroroso. Falemos de coisas melhores, como Franklin Delano Roosevelt.
- Numa entrevista para a BBC no começo da crise você o resgatou.
- Sim, e resgato os motivos políticos de Roosevelt. Na política ele aplicou o princípio do “Nunca mais”. Com tantos pobres, com tantos famintos nos Estados Unidos, nunca mais o mercado como fator exclusivo de obtenção de recursos. Por isso decidiu realizar sua política do pleno emprego. E desse modo não somente atenuou os efeitos sociais da crise como seus eventuais efeitos políticos de fascistização com base no medo massivo. O sistema de pleno emprego não modificou a raiz da sociedade, mas funcionou durante décadas. Funcionou razoavelmente bem nos Estados Unidos, funcionou na França, produziu a inclusão social de muita gente, baseou-se no bem-estar combinado com uma economia mista que teve resultados muito razoáveis no mundo do pós-Segunda Guerra. Alguns estados foram mais sistemáticos, como a França, que implantou o capitalismo dirigido, mas em geral as economias eram mistas e o Estado estava presente de um modo ou de outro. Poderemos fazê-lo de novo? Não sei. O que sei é que a solução não estará só na tecnologia e no desenvolvimento econômico. Roosevelt levou em conta o custo humano da situação de crise.
- Quer dizer que para você as sociedades não se suicidam.
(Pensa) – Não deliberadamente. Sim, podem ir cometendo erros que as levam a catástrofes terríveis. Ou ao desastre. Com que razoabilidade, durante esses anos, se podia acreditar que o crescimento com tamanho nível de uma bolha seria ilimitado? Cedo ou tarde isso terminaria e algo deveria ser feito.
- De maneira que não haverá catástrofe.
- Não me interessam as previsões. Observe, se acontece, acontece. Mas se há algo que se possa fazer, façamos-no. Não se pode perdoar alguém por não ter feito nada. Pelo menos uma tentativa. O desastre sobrevirá se permanecermos quietos. A sociedade não pode basear-se numa concepção automática dos processos políticos. Minha geração não ficou quieta nos anos 30 nem nos 40. Na Inglaterra eu cresci, participei ativamente da política, fui acadêmico estudando em Cambridge. E todos éramos muito politizados. A Guerra Civil espanhola nos tocou muito. Por isso fomos firmemente antifascistas.
- Tocou a esquerda de todo o mundo. Também na América Latina
- Claro, foi um tema muito forte para todos. E nós, em Cambridge, víamos que os governos não faziam nada para defender a República. Por isso reagimos contra as velhas gerações e os governos que as representavam. Anos depois entendi a lógica de por quê o governo do Reino Unido, onde nós estávamos, não fez nada contra Francisco Franco. Já tinha a lucidez de se saber um império em decadência e tinha consciência de sua debilidade. A Espanha funcionou como uma distração. E os governos não deviam tê-la tomado assim. Equivocaram-se. O levante contra a República foi um dos feitos mais importantes do século XX. Logo depois, na Segunda Guerra...
- Pouco depois, não? Porque o fim da Guerra Civil Espanhola e a invasão alemã da Tchecoslováquia ocorreu no mesmo ano.
- É verdade. Dizia-lhe que logo depois o liberalismo e o comunismo tiveram uma causa comum. Se deram conta de que, assim não fosse, eram débeis frente ao nazismo. E no caso da América Latina o modelo de Franco influenciou mais que o de Benito Mussolini, com suas idéias conspiratórias da sinarquia, por exemplo. Não tome isso como uma desculpa para Mussolini, por favor. O fascismo europeu em geral é uma ideologia inaceitável, oposta a valores universais.
- Você fala da América Latina...
- Mas não me pergunte da Argentina. Não sei o suficiente de seu país. Todos me perguntam do peronismo. Para mim está claro que não pode ser tomado como um movimento de extrema direita. Foi um movimento popular que organizou os trabalhadores e isso talvez explique sua permanência no tempo. Nem os socialistas nem os comunistas puderam estabelecer uma base forte no movimento sindical. Sei das crises que a Argentina sofreu e sei algo de sua história, do peso da classe média, de sua sociedade avançada culturalmente dentro da América Latina, fenômeno que creio ainda se mantém. Sei da idade de ouro dos anos 20 e sei dos exemplos obscenos de desigualdade comuns a toda a América Latina.
- Você sempre se definiu com um homem de esquerda. Também segue tendo confiança nela?
- Sigo na esquerda, sem dúvida com mais interesse em Marx do que em Lênin. Porque sejamos sinceros, o socialismo soviético fracassou. Foi uma forma extrema de aplicar a lógica do socialismo, assimo como o fundamentalismo de mercado foi uma forma extrema de aplicação da lógica do liberalismo econômico. E também fracassou. A crise global que começou no ano passado é, para a economia de mercado, equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim em 1989. Por isso Marx segue me interessando. Como o capitalismo segue existindo, a análise marxista ainda é uma boa ferramenta para analisá-lo. Ao mesmo tempo, está claro que não só não é possível como não é desejável uma economia socialista sem mercado nem uma economia em geral sem Estado.
- Por que não?
- Se se mira a história e o presente, não há dúvida alguma de que os problemas principais, sobretudo no meio de uma crise profunda, devem e podem ser solucionados pela ação política. O mercado não tem condições de fazê-lo.
(*) Martin Granovsky é analista internacional e presidente da agência de notícias Télam.
Fonte:Agência Carta Maior.
ANOS DE CHUMBO - Os anos de proibir são outros.
por Flávio Tavares.
O próximo 1º de abril marca os 45 anos do golpe de Estado que, em 1964, depôs o presidente João Goulart e derrubou a ordem constitucional para implantar uma sui generis ditadura, que colocou o Brasil de pernas para o ar fazendo de conta que estávamos sentados. Ou, até, deitados em berço esplêndido, quando, de fato, vivíamos de borco na terra, nádegas ao ar. A data foi fiel ao significado popular do 1º de abril dia do logro, da mentira e do embuste.
Não repetirei o que se sabe sobre os anos ditatoriais - as liberdades tolhidas, as perseguições e limitações ao pensamento e à ciência. (As melhores cabeças foram varridas das universidades. Junto a muitos outros, expulsaram da UFRGS os dois únicos professores merecedores do título de filósofos no Brasil: Ernani Maria Fiori e Gerd Bornheim. O primeiro, católico; o segundo, agnóstico, ambos chamados, porém, de “comunistas subversivos” pela ignorância dos que serviam ao poder militar.)
Não lembrarei que o golpe foi urdido em Washington, na obsessão do militarismo dos EUA de tudo controlar na América Latina. Nem que, quando a direita civil-militar amotinou-se em Minas, a 5ª Frota Naval dos EUA zarpou de Miami rumo a Santos, em ajuda aos golpistas, com o porta-aviões Forrestal à frente, com ordens de bombardear Brasília e Porto Alegre.
Daqueles anos de tudo proibir, lembrarei a censura direta ou indireta aos meios de comunicação.
Jornalista algum podia investigar livremente num ministério ou onde fosse. A polícia se preocupava com os opositores à ditadura, não com os delinquentes, fossem assaltantes de calçada ou ladrões de casaca. Tudo era secreto e a corrupção cresceu amparada no sigilo. A promiscuidade entre ministros e grandes empresários ou líderes sindicais se institucionalizou.
A corrupção é anterior ao golpe. Mas, antes de 1964, era mero acidente a varejo, não uma norma na máquina do Estado. E a regra da ditadura passou à redemocratização. A democracia não tocou no aparelho do Estado. Ao não reformá-lo, o deformou ainda mais nos quase 30 anos que nos separam da anistia política do final de 1979.
Não há sociedade livre sem imprensa livre. Siamesas, uma é continuidade da outra. Quem, nos anos de tudo proibir, investigaria as falcatruas na construção da ponte Rio-Niterói, que corriam de boca em boca nos anos 1970? A principal empresa construtora, Camargo Corrêa, é a mesma que, hoje, está sob investigação da Polícia Federal, suspeita de fraudes por superfaturamento em obras públicas.
Na ditadura, a Polícia Federal se dedicava à repressão política, não em farejar criminosos. Nem havia a inter-relação atual, em que imprensa e autoridade investigam em busca da verdade.
Nos anos de tudo proibir, quem na Procuradoria da República teria a ousadia da procuradora Karen Kahn, mandando a Polícia Federal investigar agora uma poderosa empresa? Na Polícia Federal, quem cumpriria a ordem como obrigação legal?
E quem, na Justiça, se atreveria a ter a independência do juiz paulista Fausto De Sanctis? A alta rapina o transformou em especialista em “crimes de colarinho branco” e o levou a prender os banqueiros Daniel Dantas e Edemar Cid Ferreira. Agora, prendeu quatro diretores da Camargo Corrêa, entre outros, além de quatro “doleiros”, esses banqueiros avulsos que movem bilhões.
Não importa que chovam habeas corpus. Ou que rebaixem de posto o delegado que dirige o inquérito. Já não se pode proibir que se saiba do telefonema em que um diretor da construtora pede enviar dinheiro para o PMDB do Pará, na mesma época em que o Tribunal de Contas suspeitava de que a empresa superfaturara R$ 71,9 milhões em obras na Refinaria do Nordeste.
Os anos do proibir são de ontem.
Fonte:Luis Nassif on line
O próximo 1º de abril marca os 45 anos do golpe de Estado que, em 1964, depôs o presidente João Goulart e derrubou a ordem constitucional para implantar uma sui generis ditadura, que colocou o Brasil de pernas para o ar fazendo de conta que estávamos sentados. Ou, até, deitados em berço esplêndido, quando, de fato, vivíamos de borco na terra, nádegas ao ar. A data foi fiel ao significado popular do 1º de abril dia do logro, da mentira e do embuste.
Não repetirei o que se sabe sobre os anos ditatoriais - as liberdades tolhidas, as perseguições e limitações ao pensamento e à ciência. (As melhores cabeças foram varridas das universidades. Junto a muitos outros, expulsaram da UFRGS os dois únicos professores merecedores do título de filósofos no Brasil: Ernani Maria Fiori e Gerd Bornheim. O primeiro, católico; o segundo, agnóstico, ambos chamados, porém, de “comunistas subversivos” pela ignorância dos que serviam ao poder militar.)
Não lembrarei que o golpe foi urdido em Washington, na obsessão do militarismo dos EUA de tudo controlar na América Latina. Nem que, quando a direita civil-militar amotinou-se em Minas, a 5ª Frota Naval dos EUA zarpou de Miami rumo a Santos, em ajuda aos golpistas, com o porta-aviões Forrestal à frente, com ordens de bombardear Brasília e Porto Alegre.
Daqueles anos de tudo proibir, lembrarei a censura direta ou indireta aos meios de comunicação.
Jornalista algum podia investigar livremente num ministério ou onde fosse. A polícia se preocupava com os opositores à ditadura, não com os delinquentes, fossem assaltantes de calçada ou ladrões de casaca. Tudo era secreto e a corrupção cresceu amparada no sigilo. A promiscuidade entre ministros e grandes empresários ou líderes sindicais se institucionalizou.
A corrupção é anterior ao golpe. Mas, antes de 1964, era mero acidente a varejo, não uma norma na máquina do Estado. E a regra da ditadura passou à redemocratização. A democracia não tocou no aparelho do Estado. Ao não reformá-lo, o deformou ainda mais nos quase 30 anos que nos separam da anistia política do final de 1979.
Não há sociedade livre sem imprensa livre. Siamesas, uma é continuidade da outra. Quem, nos anos de tudo proibir, investigaria as falcatruas na construção da ponte Rio-Niterói, que corriam de boca em boca nos anos 1970? A principal empresa construtora, Camargo Corrêa, é a mesma que, hoje, está sob investigação da Polícia Federal, suspeita de fraudes por superfaturamento em obras públicas.
Na ditadura, a Polícia Federal se dedicava à repressão política, não em farejar criminosos. Nem havia a inter-relação atual, em que imprensa e autoridade investigam em busca da verdade.
Nos anos de tudo proibir, quem na Procuradoria da República teria a ousadia da procuradora Karen Kahn, mandando a Polícia Federal investigar agora uma poderosa empresa? Na Polícia Federal, quem cumpriria a ordem como obrigação legal?
E quem, na Justiça, se atreveria a ter a independência do juiz paulista Fausto De Sanctis? A alta rapina o transformou em especialista em “crimes de colarinho branco” e o levou a prender os banqueiros Daniel Dantas e Edemar Cid Ferreira. Agora, prendeu quatro diretores da Camargo Corrêa, entre outros, além de quatro “doleiros”, esses banqueiros avulsos que movem bilhões.
Não importa que chovam habeas corpus. Ou que rebaixem de posto o delegado que dirige o inquérito. Já não se pode proibir que se saiba do telefonema em que um diretor da construtora pede enviar dinheiro para o PMDB do Pará, na mesma época em que o Tribunal de Contas suspeitava de que a empresa superfaturara R$ 71,9 milhões em obras na Refinaria do Nordeste.
Os anos do proibir são de ontem.
Fonte:Luis Nassif on line
segunda-feira, 30 de março de 2009
REFLEXÕES DE FIDEL - China, a futura grande potência econômica.
NESTES dias muitos telexes falam do potencial econômico da China.
Ontem 28 de março foi a principal agência de notícias norte-americana a que reconhece que a "China é a única economia importante que continua crescendo com força no mundo...
"Em seu segundo reproche à liderança estadunidense em uma semana ─continua o telex, não muito amável no fim do parágrafo─, o governador do banco central chinês, Zhou Xiaochuan, assegurou que a rápida resposta da China à fase de contração econômica internacional ─incluindo um pacote de estímulo equivalente a 586 bilhões de dólares─ tem demonstrado a superioridade de seu sistema político, autoritário e uni-partidarista."
A agência AP divulga logo as palavras textuais do governador do banco central chinês:
"Os fatos são evidentes e demonstram que comparativamente com outras economias importantes, o governo chinês tem adotado medidas políticas pontuais, firmes e eficazes, demonstrando a vantagem de seu sistema…", tomadas de umas declarações de Zhou que segundo afirma a agência foram difundidas no sítio da internet do Banco Popular da China.
"Quando faltam duas semanas para a cúpula do Grupo dos 20 países de economias mais importantes (G20), ─acrescenta o telex─ a 2 de abril em Londres, Zhou fez um apelo aos demais governos que participarão para que outorguem a seus ministros de finanças e bancos centrais toda a autoridade para que possam ‘agir audaz e eficazmente, sem ter que passar através de um processo de aprovação longo ou inclusive doloroso’.
"A deixou bem clara sua aspiração: quer um dólar estadunidense estável e inclusive tem defendido a criação de outra moeda mundial paralela. Beijing se opõe ao protecionismo ─continua essa agência─ e está exigindo que lhe emprestem mais ouvidos sobre como se regulam os sistemas financeiros e como são resgatados, enquanto se abstém de fazer qualquer promessa de novos planos de resgate ou estímulo em seu próprio solo.
Na parte final de seu telex, expressa:
"… o Primeiro-ministro chinês Wen Jiabao instou Washington para que a união norte-americana continue sendo ‘uma nação acreditável’.
"Em outras palavras, Beijing deseja que Washington evite estimular a inflação com uma despesa excessiva do governo em pacotes de salvamento e estímulo."
Pelo que se pode constatar, a influência da República Popular China na reunião de Londres será enorme do ponto de vista econômico face à crise mundial. Isso não tinha acontecido nunca antes quando o poder dos Estados Unidos reinava totalmente nesse âmbito.
Por outro lado, em nosso hemisfério resulta divertido ver como se agitam as entranhas do império, pleno de problemas e contradições insuperáveis com os povos da América Latina, aos quais pretende dominar eternamente.
Aqueles que lerem as declarações do piedoso católico Joe Biden em Viña del Mar, que descarta levantar o bloqueio econômico a Cuba, suspirando por uma transição interna que em nosso país seria francamente contra-revolucionária, ficarão surpreendidos. Seus lamentos plangentes dão lástima, especialmente quando não existe um só governo latino-americano e caribenho que não veja nessa medida antediluviana um lastre do passado. Que ética subsiste na política dos Estados Unidos? Quanto resta de cristão no pensamento político do Vice-presidente Biden?
Fonte:Granma
Ontem 28 de março foi a principal agência de notícias norte-americana a que reconhece que a "China é a única economia importante que continua crescendo com força no mundo...
"Em seu segundo reproche à liderança estadunidense em uma semana ─continua o telex, não muito amável no fim do parágrafo─, o governador do banco central chinês, Zhou Xiaochuan, assegurou que a rápida resposta da China à fase de contração econômica internacional ─incluindo um pacote de estímulo equivalente a 586 bilhões de dólares─ tem demonstrado a superioridade de seu sistema político, autoritário e uni-partidarista."
A agência AP divulga logo as palavras textuais do governador do banco central chinês:
"Os fatos são evidentes e demonstram que comparativamente com outras economias importantes, o governo chinês tem adotado medidas políticas pontuais, firmes e eficazes, demonstrando a vantagem de seu sistema…", tomadas de umas declarações de Zhou que segundo afirma a agência foram difundidas no sítio da internet do Banco Popular da China.
"Quando faltam duas semanas para a cúpula do Grupo dos 20 países de economias mais importantes (G20), ─acrescenta o telex─ a 2 de abril em Londres, Zhou fez um apelo aos demais governos que participarão para que outorguem a seus ministros de finanças e bancos centrais toda a autoridade para que possam ‘agir audaz e eficazmente, sem ter que passar através de um processo de aprovação longo ou inclusive doloroso’.
"A deixou bem clara sua aspiração: quer um dólar estadunidense estável e inclusive tem defendido a criação de outra moeda mundial paralela. Beijing se opõe ao protecionismo ─continua essa agência─ e está exigindo que lhe emprestem mais ouvidos sobre como se regulam os sistemas financeiros e como são resgatados, enquanto se abstém de fazer qualquer promessa de novos planos de resgate ou estímulo em seu próprio solo.
Na parte final de seu telex, expressa:
"… o Primeiro-ministro chinês Wen Jiabao instou Washington para que a união norte-americana continue sendo ‘uma nação acreditável’.
"Em outras palavras, Beijing deseja que Washington evite estimular a inflação com uma despesa excessiva do governo em pacotes de salvamento e estímulo."
Pelo que se pode constatar, a influência da República Popular China na reunião de Londres será enorme do ponto de vista econômico face à crise mundial. Isso não tinha acontecido nunca antes quando o poder dos Estados Unidos reinava totalmente nesse âmbito.
Por outro lado, em nosso hemisfério resulta divertido ver como se agitam as entranhas do império, pleno de problemas e contradições insuperáveis com os povos da América Latina, aos quais pretende dominar eternamente.
Aqueles que lerem as declarações do piedoso católico Joe Biden em Viña del Mar, que descarta levantar o bloqueio econômico a Cuba, suspirando por uma transição interna que em nosso país seria francamente contra-revolucionária, ficarão surpreendidos. Seus lamentos plangentes dão lástima, especialmente quando não existe um só governo latino-americano e caribenho que não veja nessa medida antediluviana um lastre do passado. Que ética subsiste na política dos Estados Unidos? Quanto resta de cristão no pensamento político do Vice-presidente Biden?
Fonte:Granma
MÍDIA - A responsabilidade social da mídia
No Brasil, os empresários de mídia continuam a defender seus interesses como se estivéssemos nos tempos da velha doutrina liberal (que, de fato, nunca vivemos). O discurso da liberdade de imprensa e da autoregulação praticado no Brasil é historicamente anterior ao trabalho da Hutchins Commission, de 1947.
Venício Lima
Há 62 anos, em 27 de março de 1947, era publicado nos Estados Unidos o primeiro volume que resultou do trabalho da Hutchins Commission – “A free and responsible press” (Uma imprensa livre e responsável). A Comissão, presidida pelo então reitor da Universidade de Chicago, Robert M. Hutchins, e formada por 13 personalidades dos mundos empresarial e acadêmico, foi uma iniciativa dos próprios empresários e foi por eles financiada.
Criada em 1942 como resposta a uma onda crescente de críticas à imprensa, a Comissão tinha como objetivo formal definir quais eram as funções da mídia na sociedade moderna. Na verdade, diante da crescente oligopolização do setor e da formação das redes de radiodifusão (networks), se tornara impossível sustentar a doutrina liberal clássica de um mercado de idéias (a marketplace of ideas) onde a liberdade de expressão era exercida em igualdade de condições pelos cidadãos. A saída foi a criação da “teoria da responsabilidade social da imprensa”. Centrada no pluralismo de idéias e no profissionalismo dos jornalistas, acreditava-se que ela seria capaz de legitimar o sistema de mercado e sustentar o argumento de que a liberdade de imprensa das empresas de mídia é uma extensão da liberdade de expressão individual.
Em países europeus, com forte tradição de uma imprensa partidária, no entanto, a teoria da responsabilidade social enfrentou sérias dificuldades e a doutrina liberal clássica teve que se ajustar à implantação de políticas públicas que regulassem o mercado e estimulassem a concorrência.
Responsabilidade Social
A responsabilidade social tem sua origem associada à filosofia utilitarista que surge na Inglaterra e nos Estados Unidos no século XIX, de certa forma derivada das idéias de Jeremy Bentham (1784-1832) e John Stuart Mill (1806-1873).
Nos anos pós Segunda Grande Guerra, a responsabilidade social se constituiu como um modelo a ser aplicado às empresas em geral e às empresas jornalísticas estadunidenses, em particular, e começou a ser introduzido através de códigos de auto-regulação estabelecidos para o comportamento de jornalistas e de setores como rádio e televisão. O modelo está, portanto, historicamente vinculado aos interesses dos grandes grupos de mídia.
A responsabilidade social se baseia na crença individualista de que qualquer um que goze de liberdade tem certas obrigações para com a sociedade, daí seu caráter normativo. Na sua aplicação à mídia, é uma evolução de outra teoria da imprensa – a teoria libertária – que não tinha como referência a garantia de um fluxo de informação em nome do interesse público. A teoria da responsabilidade social, ao contrário, aceita que a mídia deve servir ao sistema econômico e buscar a obtenção do lucro, mas subordina essas funções à promoção do processo democrático e a informação do público (“o público tem o direito de saber”).
Para responder às críticas que a imprensa recebia, a Hutchins Commission resumiu as exigências que os meios de comunicação teriam de cumprir em cinco pontos principais:
(1) propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião);
(2) servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados;
(3) retratar a imagem dos vários grupos com exatidão, registrando uma imagem representativa da sociedade, sem perpetuar os estereótipos;
(4) apresentar e clarificar os objetivos e valores da sociedade, assumindo um papel educativo; e por fim,
(5) distribuir amplamente o maior número de informações possíveis.
Esses cinco pontos se tornariam a origem dos critérios profissionais do chamado 'bom jornalismo' – objetividade, exatidão, isenção, diversidade de opiniões, interesse público – adotado nos Estados Unidos e “escrito” nos Manuais de Redação de boa parte dos jornais brasileiros.
Liberdade de imprensa vs. responsabilidade da imprensa
Analistas estadunidenses consideram que a Hutchins Commision talvez tenha sido a responsável por uma mudança fundamental de paradigma no jornalismo: da liberdade de imprensa para a responsabilidade da imprensa. Teria essa mudança de paradigma de fato ocorrido?
No Brasil, certamente, os empresários de mídia continuam a defender seus interesses como se estivéssemos nos tempos da velha doutrina liberal (que, de fato, nunca vivemos). O discurso da liberdade de imprensa e da autoregulação praticado no Brasil é historicamente anterior à Hutchins Commission. Basta que se considere, por um lado, a concentração da propriedade e a ausência de regulação na mídia e, por outro, as enormes dificuldades que enfrenta até mesmo o debate de temas e projetos com potencial de alterar o status quo legal.
Um exemplo contemporâneo são as resistências – que já se manifestam – em relação à realização da 1ª. Conferência Nacional de Comunicações.
As recomendações da Hutchins Commission, se adotadas pelos grupos de mídia no Brasil, representariam um avanço importante. Para nós, a teoria da responsabilidade social da imprensa permanece atual, mesmo 62 anos depois.
Fonte: Agência Carta Maior.
Venício Lima
Há 62 anos, em 27 de março de 1947, era publicado nos Estados Unidos o primeiro volume que resultou do trabalho da Hutchins Commission – “A free and responsible press” (Uma imprensa livre e responsável). A Comissão, presidida pelo então reitor da Universidade de Chicago, Robert M. Hutchins, e formada por 13 personalidades dos mundos empresarial e acadêmico, foi uma iniciativa dos próprios empresários e foi por eles financiada.
Criada em 1942 como resposta a uma onda crescente de críticas à imprensa, a Comissão tinha como objetivo formal definir quais eram as funções da mídia na sociedade moderna. Na verdade, diante da crescente oligopolização do setor e da formação das redes de radiodifusão (networks), se tornara impossível sustentar a doutrina liberal clássica de um mercado de idéias (a marketplace of ideas) onde a liberdade de expressão era exercida em igualdade de condições pelos cidadãos. A saída foi a criação da “teoria da responsabilidade social da imprensa”. Centrada no pluralismo de idéias e no profissionalismo dos jornalistas, acreditava-se que ela seria capaz de legitimar o sistema de mercado e sustentar o argumento de que a liberdade de imprensa das empresas de mídia é uma extensão da liberdade de expressão individual.
Em países europeus, com forte tradição de uma imprensa partidária, no entanto, a teoria da responsabilidade social enfrentou sérias dificuldades e a doutrina liberal clássica teve que se ajustar à implantação de políticas públicas que regulassem o mercado e estimulassem a concorrência.
Responsabilidade Social
A responsabilidade social tem sua origem associada à filosofia utilitarista que surge na Inglaterra e nos Estados Unidos no século XIX, de certa forma derivada das idéias de Jeremy Bentham (1784-1832) e John Stuart Mill (1806-1873).
Nos anos pós Segunda Grande Guerra, a responsabilidade social se constituiu como um modelo a ser aplicado às empresas em geral e às empresas jornalísticas estadunidenses, em particular, e começou a ser introduzido através de códigos de auto-regulação estabelecidos para o comportamento de jornalistas e de setores como rádio e televisão. O modelo está, portanto, historicamente vinculado aos interesses dos grandes grupos de mídia.
A responsabilidade social se baseia na crença individualista de que qualquer um que goze de liberdade tem certas obrigações para com a sociedade, daí seu caráter normativo. Na sua aplicação à mídia, é uma evolução de outra teoria da imprensa – a teoria libertária – que não tinha como referência a garantia de um fluxo de informação em nome do interesse público. A teoria da responsabilidade social, ao contrário, aceita que a mídia deve servir ao sistema econômico e buscar a obtenção do lucro, mas subordina essas funções à promoção do processo democrático e a informação do público (“o público tem o direito de saber”).
Para responder às críticas que a imprensa recebia, a Hutchins Commission resumiu as exigências que os meios de comunicação teriam de cumprir em cinco pontos principais:
(1) propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião);
(2) servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados;
(3) retratar a imagem dos vários grupos com exatidão, registrando uma imagem representativa da sociedade, sem perpetuar os estereótipos;
(4) apresentar e clarificar os objetivos e valores da sociedade, assumindo um papel educativo; e por fim,
(5) distribuir amplamente o maior número de informações possíveis.
Esses cinco pontos se tornariam a origem dos critérios profissionais do chamado 'bom jornalismo' – objetividade, exatidão, isenção, diversidade de opiniões, interesse público – adotado nos Estados Unidos e “escrito” nos Manuais de Redação de boa parte dos jornais brasileiros.
Liberdade de imprensa vs. responsabilidade da imprensa
Analistas estadunidenses consideram que a Hutchins Commision talvez tenha sido a responsável por uma mudança fundamental de paradigma no jornalismo: da liberdade de imprensa para a responsabilidade da imprensa. Teria essa mudança de paradigma de fato ocorrido?
No Brasil, certamente, os empresários de mídia continuam a defender seus interesses como se estivéssemos nos tempos da velha doutrina liberal (que, de fato, nunca vivemos). O discurso da liberdade de imprensa e da autoregulação praticado no Brasil é historicamente anterior à Hutchins Commission. Basta que se considere, por um lado, a concentração da propriedade e a ausência de regulação na mídia e, por outro, as enormes dificuldades que enfrenta até mesmo o debate de temas e projetos com potencial de alterar o status quo legal.
Um exemplo contemporâneo são as resistências – que já se manifestam – em relação à realização da 1ª. Conferência Nacional de Comunicações.
As recomendações da Hutchins Commission, se adotadas pelos grupos de mídia no Brasil, representariam um avanço importante. Para nós, a teoria da responsabilidade social da imprensa permanece atual, mesmo 62 anos depois.
Fonte: Agência Carta Maior.
ANOS DE CHUMBO - Democratas e ditatoriais
Emir Sader
Os golpistas – incluída toda a imprensa, menos a Última Hora – insistiam em dizer que a data era 31 de março; nós, que era primeiro de abril. Ainda mais que eles tentavam dizer que tinha sido uma “revolução”, confessando o prestigio da palavra revolução – até ali identificado com a revolução cubana.
O que são 45 anos – transcorridos desde aquele primeiro de abril até hoje? O que foi aquilo? O que restou daquilo?
Medido no tempo, parece algo distante. Afinal, tinham transcorridos apenas 34 anos desde a revolução de 30 - o momento de maior ruptura progressista na história brasileira. Período que incluiu os 15 anos do primeiro governo de Getúlio e os 19 de democracia liberal, incluídos os 4 do novo mandato de Getúlio e os 5 do JK.
Nem é necessário discorrer muito para dizer que se tratou de um golpe militar, que introduziu uma ditadura militar. Nem a “ditabranda” da FSP (Força Serra Presidente), nem o “autoritarismo” de FHC – todas tentativas de suavizar o regime. Um regime dirigido formal e realmente pela alta oficialidade das FFAA, que reorganizou o Estado em torno dessas instituições, tendo o SNI como seu instrumento de militarização das relações sociais. Um regime que atuou politicamente a favor da hegemonia do grande capital nacional e internacional. Para isso, entre suas primeiras medidas estiveram a intervenção militar em todos os sindicatos e o arrocho salarial – a proibição de qualquer campanha salarial, sonho de todo grande empresário.
Para que se criasse um clima que desembocou no golpe militar, foi montada uma campanha de desestabilização que – hoje se sabe, pelas atas do Senado dos EUA – tinha sua condução diretamente naquele país, com participação direta do então embaixador norte-americano e a cumplicidade ativa da grande mídia – que até hoje não fizeram autocrítica do papel ditatorial que tiveram, nem mesmo a FSP, que emprestou seus carros para ações repressivas da Oban -, somada às mobilizações feitas pela Igreja Católica e pelos partidos de direita – com o lacerdismo moralizante na cabeça.
Nunca como naquele período as grandes empresas privadas lucraram tanto. Foram elas as maiores beneficiárias da repressão – prisões arbitrárias, torturas, fuzilamentos, desaparições, entre outras formas de violência de um regime do terror. Foram o setor economicamente hegemônico durante a ditadura –ao contrário da visão inconsistente de FHC, de que uma suposta “burguesia de Estado” seria o setor hegemônico, para absolver os grandes monopólios nacionais e internacionais.
O Brasil vinha vivendo um processo importante de democratização social, política e cultural. O movimento sindical se expandia, os funcionários públicos passavam a incorporar-se a ele, os militares de baixa graduação passavam a poder se organizar e se candidatar ao Parlamento, se desenvolvia a sindicalização rural, acelerava-se a criação de uma forte e diversificada cultural popular – no cinema, no teatro, nas artes plásticas, -, um movimento editorial de esquerda se fortalecia muito.
Foi para brecar a construção da democracia que o golpe foi dado. Com um caráter abertamente antidemocrático e fortemente antipopular – como as decisões imediatas contra os sindicatos e campanhas salariais demonstram -, foi um instrumento do grande capital e da estratégia de guerra fria dos EUA na região.
1964 se constituiu em um momento de forte inflexão na história brasileira. O modelo de desenvolvimento industrial passou a se centrar na produção para a alta esfera do consumo e a para a exportação, acentuando a concentração de renda e a desigualdade social, assim como a dependência.
O Brasil que saiu da ditadura, 21 anos depois, era um país diferente daquele de 1964. As organizações democráticas e populares haviam sido duramente golpeadas. A imprensa havia sido depurada dos órgãos de esquerda. (Não esquecer que a resistência na imprensa foi feita pela chamada imprensa nanica, por si só uma denúncia da imprensa tradicional.) O país havia se transformado no mais desigual do continente mais desigual do mundo.
Vários dirigentes da ditadura ainda andam por aí, junto com seus filhos e netos, dando lições de democracia, sendo entrevistados e escrevendo artigos na imprensa. A imprensa não dirá nada ou tentará, uma vez mais, se passar por vítima da ditadura, escondendo o papel real que desempenhou. (Que tal republicar as manchetes de cada órgão naquele primeiro de abril de 1964?) Na resistência e na oposição à ditadura se provou quem era e é democrata no Brasil.
Fonte:Blog do Emir.
Os golpistas – incluída toda a imprensa, menos a Última Hora – insistiam em dizer que a data era 31 de março; nós, que era primeiro de abril. Ainda mais que eles tentavam dizer que tinha sido uma “revolução”, confessando o prestigio da palavra revolução – até ali identificado com a revolução cubana.
O que são 45 anos – transcorridos desde aquele primeiro de abril até hoje? O que foi aquilo? O que restou daquilo?
Medido no tempo, parece algo distante. Afinal, tinham transcorridos apenas 34 anos desde a revolução de 30 - o momento de maior ruptura progressista na história brasileira. Período que incluiu os 15 anos do primeiro governo de Getúlio e os 19 de democracia liberal, incluídos os 4 do novo mandato de Getúlio e os 5 do JK.
Nem é necessário discorrer muito para dizer que se tratou de um golpe militar, que introduziu uma ditadura militar. Nem a “ditabranda” da FSP (Força Serra Presidente), nem o “autoritarismo” de FHC – todas tentativas de suavizar o regime. Um regime dirigido formal e realmente pela alta oficialidade das FFAA, que reorganizou o Estado em torno dessas instituições, tendo o SNI como seu instrumento de militarização das relações sociais. Um regime que atuou politicamente a favor da hegemonia do grande capital nacional e internacional. Para isso, entre suas primeiras medidas estiveram a intervenção militar em todos os sindicatos e o arrocho salarial – a proibição de qualquer campanha salarial, sonho de todo grande empresário.
Para que se criasse um clima que desembocou no golpe militar, foi montada uma campanha de desestabilização que – hoje se sabe, pelas atas do Senado dos EUA – tinha sua condução diretamente naquele país, com participação direta do então embaixador norte-americano e a cumplicidade ativa da grande mídia – que até hoje não fizeram autocrítica do papel ditatorial que tiveram, nem mesmo a FSP, que emprestou seus carros para ações repressivas da Oban -, somada às mobilizações feitas pela Igreja Católica e pelos partidos de direita – com o lacerdismo moralizante na cabeça.
Nunca como naquele período as grandes empresas privadas lucraram tanto. Foram elas as maiores beneficiárias da repressão – prisões arbitrárias, torturas, fuzilamentos, desaparições, entre outras formas de violência de um regime do terror. Foram o setor economicamente hegemônico durante a ditadura –ao contrário da visão inconsistente de FHC, de que uma suposta “burguesia de Estado” seria o setor hegemônico, para absolver os grandes monopólios nacionais e internacionais.
O Brasil vinha vivendo um processo importante de democratização social, política e cultural. O movimento sindical se expandia, os funcionários públicos passavam a incorporar-se a ele, os militares de baixa graduação passavam a poder se organizar e se candidatar ao Parlamento, se desenvolvia a sindicalização rural, acelerava-se a criação de uma forte e diversificada cultural popular – no cinema, no teatro, nas artes plásticas, -, um movimento editorial de esquerda se fortalecia muito.
Foi para brecar a construção da democracia que o golpe foi dado. Com um caráter abertamente antidemocrático e fortemente antipopular – como as decisões imediatas contra os sindicatos e campanhas salariais demonstram -, foi um instrumento do grande capital e da estratégia de guerra fria dos EUA na região.
1964 se constituiu em um momento de forte inflexão na história brasileira. O modelo de desenvolvimento industrial passou a se centrar na produção para a alta esfera do consumo e a para a exportação, acentuando a concentração de renda e a desigualdade social, assim como a dependência.
O Brasil que saiu da ditadura, 21 anos depois, era um país diferente daquele de 1964. As organizações democráticas e populares haviam sido duramente golpeadas. A imprensa havia sido depurada dos órgãos de esquerda. (Não esquecer que a resistência na imprensa foi feita pela chamada imprensa nanica, por si só uma denúncia da imprensa tradicional.) O país havia se transformado no mais desigual do continente mais desigual do mundo.
Vários dirigentes da ditadura ainda andam por aí, junto com seus filhos e netos, dando lições de democracia, sendo entrevistados e escrevendo artigos na imprensa. A imprensa não dirá nada ou tentará, uma vez mais, se passar por vítima da ditadura, escondendo o papel real que desempenhou. (Que tal republicar as manchetes de cada órgão naquele primeiro de abril de 1964?) Na resistência e na oposição à ditadura se provou quem era e é democrata no Brasil.
Fonte:Blog do Emir.
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