domingo, 29 de março de 2009

UMA LONGA VIAGEM DE COMBOIO

Amy Goodman

Enquanto Obama inicia a sua primeira semana como presidente, alguns podem advertir que é justo esperar e ver o que fará. Mas é melhor seguir o próprio conselho de Obama: obriguem-no a fazê-lo.

Começou com uma viagem de comboio. Barack Obama viajou até Washington, DC, para a sua tomada de posse presidencial, fazendo um percurso de comboio com várias paragens curtas. «Para as crianças que escutam o apito do comboio e sonham com uma vida melhor – é por elas lutamos», disse Obama ao longo do percurso, que foi comparado à viagem de comboio feita por Abraham Lincoln de Springfield, Illinois, a Washington, DC, em Fevereiro de 1861, a caminho da sua primeira tomada de posse. Abundam as comparações entre Obama e Lincoln, descrevendo o arco entre a abolição da escravatura nos Estados Unidos e a eleição do primeiro presidente afro-americano.

O comboio, no entanto, envolve um simbolismo mais profundo sobre o qual se sustem a ascensão histórica de Obama à Casa Branca, remontando à luta pelos direitos civis, reflectindo o activismo de base sem precedentes que formou o núcleo da campanha de Obama, e delineando até onde a nação poderá ir sob a administração Obama.

A. Philip Randolph foi um lendário líder sindical e dos direitos civis. Organizou a Irmandade dos Bagageiros das Carruagens-Cama, os homens que atendiam os passageiros nocturnos nas carruagens-cama construídas pela Pullman. Apesar de o trabalho de bagageiro ser melhor remunerado que muitos trabalhos disponíveis para os afro-americanos da época, havia ainda injustiças e indignidades. A prática comum, por exemplo, era chamar aos bagageiros “George”, independentemente do seu verdadeiro nome, devido ao nome do dono da empresa, George Pullman. Milhares de bagageiros procuraram melhorias mediante a negociação colectiva. (Ironicamente, depois da morte de Pullman em 1897, a Companhia Pullman foi gerida até meados da década de 1920 pelo único filho ainda vivo de Abraham Lincoln, Robert Todd Lincoln). A luta de Randolph para organizar os trabalhadores durou 12 anos, desde 1925, atravessando a crise económica de 1929, até ao governo de Franklin Delano Roosevelt.

Harry Belafonte recordou recentemente, numa entrevista a Tavis Smiley, uma história que Eleanor Roosevelt lhe contou. Evocou um evento público em que o marido, Franklin Delano Roosevelt, apresentou A. Philip Randolph e lhe perguntou, recordou Belafonte, «o que pensava ele da nação, o que pensava do estado do povo negro e o que pensava sobre […] para onde se dirigia a nação». Prosseguindo a história, Belafonte contou o que Franklin Delano Roosevelt respondeu depois de ouvir as observações de Randolph: «Sabe, Sr. Randolph, ouvi tudo o que disse esta noite, e não podia estar mais de acordo consigo. Concordo com tudo o que disse, incluindo a minha capacidade de poder corrigir muitos destes erros e de utilizar o meu poder e o meu púlpito. […] Mas pedir-lhe-ia uma coisa, Sr. Randolph, é que saia e me obrigue a fazê-lo».

Esta história foi novamente contada por Barack Obama, há mais de um ano, num evento de recolha de fundos de campanha em Montclair, Nova Jersey. Foi em resposta à pergunta de uma pessoa que perguntou sobre como encontrar uma solução justa para o conflito Israel/Palestina. Depois recontar a história de Randolph, Obama disse que era apenas uma pessoa, que não podia fazê-lo sozinho. A resposta final de Obama: «Obrigue-me a fazê-lo».

Esse é o desafio.

Após alcançar uma solução na luta trabalhista na Pullman, Randolph continuou. Desafiou FDR, ao começar a organizar uma marcha em Washington, programada para 1941, para pôr termo à segregação nas forças armadas e para assegurar que a actividade económica em torno da guerra estivesse igualmente disponível para os afro-americanos. FDR emitiu uma ordem executiva e, mais tarde, o Presidente Harry S. Truman pôs termo à segregação nas forças armadas. Randolph, Bayard Rustin e Martin Luther King Jr. organizaram a histórica Marcha de Washington de 1963, que serviu ela mesma como forte pano de fundo simbólico para a vitória de Obama. Este fim-de-semana histórico também coincide com o aniversário do Dr. King. Se King tivesse sobrevivido, teria acabado de cumprir 80 anos de idade.

Enquanto Obama inicia a sua primeira semana como presidente, alguns podem advertir que é justo esperar e ver o que fará. Mas o grupo pacifista Code Pink não vai esperar. Ao longo do percurso do desfile da tomada de posse, distribuíram milhares de fita cor-de-rosa, encorajando as pessoas a unir-se a eles para exigir que o presidente Obama cumpra as promessas de paz feitas durante a campanha: pôr fim à guerra no Iraque; encerrar Guantánamo; rejeitar a Lei das Comissões Militares; pôr fim à tortura; trabalhar para eliminar as armas nucleares; manter conversações directas e incondicionais com o Irão; e ater-se aos tratados internacionais aprovados pelo Senado.

Simplesmente sigam o próprio conselho de Obama: obriguem-no a fazê-lo.
Denis Moynihan contribuiu com pesquisa para esta coluna.
Fonte:Site Informação Alternativa.

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