sexta-feira, 27 de março de 2009

TRATADO DE ASSUNÇÃO (MERCOSUL) - A idade da razão.

Jorge Fontoura.

Assinado em 26 de marco de 1991, o Tratado de Assunção para a criação do Mercosul completa hoje 18 anos de ininterrupta vigência. Para a América Latina de virtudes sempre efêmeras e provisórias, a data é para ser comemorada, não obstante o clima de recorrentes rusgas que se tem verificado entre os parceiros do bloco regional.

Sobrevivente de impasses de todos os matizes e da assimetria brutal que existe entre seus membros, o Mercosul chega à idade da razão com inúmeras conquistas e como divisor de águas da política externa do subcontinente. Antes, a integração era um discurso vazio, uma chuva de palavras em um deserto de ideias, na retórica inconsequente de “vizinhos invizinhos”, para usar a expressão de João Cabral de Melo Neto.

Aos seus detratores, inconformados pelo Mercosul que não resolve os problemas da América Latina, sempre a comparar o incomparável, utilizando exemplos da Europa comunitário-europeia, resta lembrar que aqui não estamos a lidar com a integração de países ricos e parlamentaristas. A criação do Tratado de Assunção, com seus parcimoniosos 25 artigos, soube com prudência e realismo enfrentar os limites do possível, de nossos presidencialismos imperiais e do nosso apego atávico à soberania e ao nacionalismo. Assim, nada foi formalizado em instâncias supranacionais, a partir de um sistema de tomada de decisões por consenso e unanimidade, com flexibilidade e sem rigidez formal.

Agora, no vórtice de crise que se anuncia sem precedentes, como ferramenta político-jurídica de um bloco econômico que ultrapassou a fase de mera zona de livre comércio, e com interesses superiores a unir os países, o fator Mercosul é inelutável e impossível de ser desconsiderado.

A sobrevida mercosulina, contrariando vaticínios pesarosos das cassandras que se comprazem com a América Latina só de frutas tropicais e folclore, deve-se em essência à sua adequação institucional, construída com muita habilidade política e jurídica, porém deixando, antes e acima de tudo, muita liberdade aos Estados.

Para o Brasil, em particular, são tantas as lições que ficam das quase duas décadas. Distante do mundo pela própria natureza, o Mercosul destravou o país para o convívio externo e para a percepção internacional. Com isso, confrontamos nossa história republicana de ausência e indiferença à América hispânica, a realizar nosso atraso e estreiteza diante de mundos estrangeiros. Descobrimos, ademais, as vantagens do regionalismo aberto, da negociação comercial tolerante, sem a diplomacia do ultimato e das decisões unilaterais de força.

Em momento de particular dificuldade enfrentada pelo bloco em 2004, quando as rivalidades entre Brasil e Argentina se intensificavam, açuladas por conflitos comerciais menores, José Sarney e Raúl Alfonsín encontraram-se em São Paulo para chamar os países à razão. Com a autoridade moral de terem sido os tecelões de primeira hora do que seria o Tratado de Assunção, os dois ex-presidentes da República enfrentaram os lobbies poderosos e repeliram com veemência qualquer retrocesso. Sarney atribuiu a hipotecas históricas as rivalidades remanescentes, lembrando que “o Brasil nunca disse querer ser líder hegemônico, pois podemos ter papéis complementares na economia regional e mundial. Os anos de 1980 não apenas promoveram o reencontro de nossa região com a democracia, mas tiraram nossos países do isolamento internacional, a permitir as bases para a integração e para o desenvolvimento comum”.

Por fim, deve-se celebrar a data não com o deslumbramento imaginário da literatura fantástica, mas na percepção pragmática de que não é possível regredir, pois os povos não voltam a comer com as mãos. Não fora por isso, vale a efeméride pela lição de Marguerite Yourcenar que, em discurso no Instituto Francês de Tóquio, em 1982, afirmou: “O conhecimento dos mundos estrangeiros, seja no tempo, seja no espaço, tem por resultado destruir a estreiteza de espírito e os preconceitos, mas também o entusiasmo ingênuo que nos faz crer na existência do paraíso e na ideia tola de que temos alguma importância”.

Jorge Fontoura é doutor em direito, professor titular do Instituto Rio Branco e membro-consultor do Conselho Federal da OAB.

Publicado originalmente: Correio Braziliense - 26/03/2009./AEPET

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