Primeiro ministro das Comunicações do governo Lula, o jornalista e deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) nem terminava de ouvir as queixas que o presidente e seus colegas de gabinete lhe faziam contra a imprensa. Com bom humor, apontava para mim, e encerrava a discussão:
“A culpa é do Kotscho!”. Na época, eu era o responsável pela área de imprensa do governo.
Toda vez que nos encontrávamos, era esta a saudação que ele me fazia, e faz até hoje. Lembrei-me destas brincadeiras do Miro ao ler as queixas do papa Bento 16, do presidente Lula e do governador José Serra contra a cobertura que a imprensa lhes dedica. Os motivos são diferentes, mas a bronca é a mesma.
Criticado por acobertar a prática da pedofilia envolvendo padres da sua igreja, Bento 16 aproveitou a missa do Domingo de Ramos no Vaticano para desabafar e garantiu que não se deixará intimidar por “fofocas de opiniões dominantes”.
O presidente Lula, que vive às turras com a chamada grande imprensa desde o início do seu governo, subiu o tom nos últimos dias e acusou de “má-fé” orgãos de imprensa que dão mais destaque a problemas do que às grandes obras do seu governo.
Na mesma linha, o governador Serra, que já bateu de frente com repórteres da TV Record e da TV Brasil, cobrou publicamente, na semana passada, mais destaque na cobertura jornalística das suas obras na área de saúde e qualificou de levianas algumas informações publicadas.
Que se passa para juntar no mesmo balaio figuras públicas tão diversas?
Não há nas reações de Bento 16, Lula e Serra nenhuma grande novidade. Sempre foi assim, desde que comecei a trabalhar em jornal, já faz quase meio século. Tanto nas igrejas como nos governos, ninguém gosta de ser criticado, e confunde-se habitualmente jornalismo com propaganda.
A partir do momento em que a imprensa começou a ser chamada de quarto poder, alguns coleguinhas, de fato, se empolgaram com seu papel, e passaram a agir como se fossem, ao mesmo tempo, policiais, promotores e juízes, dando-se o direito supremo e único de denunciar, julgar e condenar qualquer pessoa, entidade ou instituição.
Sem entrar no mérito das queixas dos três personagens citados neste texto, o fato é que há algo de muito estranho acontecendo no nosso país quando a presidenta da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Maria Judith Brito, se sente no direito de afirmar, como fez em recente encontro promovido em São Paulo, segundo o jornal O Globo:
“A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo”.
Como assim? Quer dizer que, se os partidos de oposição estão fragilizados, cabe aos orgãos de imprensa representados pela ANJ assumirem a tarefa de enfrentar o governo?
Está aí uma coisa que muita gente já vinha desconfiando, mas ninguém ainda da alta cúpula da mídia havia admitido assim, publicamente, com tanta franqueza: em lugar do PSDB, DEM e PPS, a oposição oficial, agora era a mídia, que deveria assumir esta responsabilidade.
Em seus encontros anteriores, como a do Instituto Millenium, os donos da mídia e seus homens de confiança, ao contrário de Brito, acusavam o governo exatamente de ameaçar a liberdade de uma imprensa que sempre fez questão de se dizer independente, apartidária, plural, neutra, objetiva, isenta e tal, que se limita a apurar e publicar fatos.
De outro lado, não acredito que seja tarefa de governantes criticar coberturas jornalísticas e dizer como o trabalho da imprensa deveria ser feito. Não ganham nada com este papel de ombudsman e só pioram a relação com a mídia. Já tive a oportunidade de dizer isso várias vezes ao meu amigo presidente Lula, quando trabalhei com ele, e até agora. Cabe, sim, à imprensa fiscalizar e criticar os governos de qualquer latitude.
A confusão começa, porém, quando esta mesma imprensa deixa de lado os cuidados com seus deveres de bem informar a sociedade para agir como partido político. Se cada um cuidasse apenas da parte que lhe cabe na grande orquestra da democracia, todos sairiam ganhando.
Sobre este mesmo tema, meu colega Luciano Martins Costa, escreveu no Observatório da Imprensa: “O risco maior para a imprensa vem da própria imprensa, quando os jornais se associam para agir como um partido político (…) Quando a imprensa abandona seu eixo, todos saem perdendo. Principalmente a imprensa”.
Se até o Papa, que é o Papa, já anda reclamando das “fofocas” da imprensa, posso imaginar como se sente diante deste poder o cidadão comum, que hoje não tem nem direito a resposta em nosso país.