sábado, 20 de março de 2010

ECONOMI A - Mudar de modelo.


Mudar de modelo. Artigo de Emir Sader

"Não basta uma associação unilateral com um país da região para que o México possa mudar o difícil futuro ao qual seus governantes o condenaram. Seria necessário uma verdadeira mudança de modelo econômico".

A opinião é do sociólogo Emir Sader, secretário-executivo do Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais), em artigo para o jornal Página/12, 19-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O presidente do México, Felipe Calderón, afirmou que o seu país, se quiser voltar a crescer, deve se associar a economias como a brasileira, que crescem, distanciando-se da norte-americana e da europeia, que continuarão por um longo tempo em recessão. A afirmação, feita por ocasião da assinatura de um Tratado de Livre Comércio com o Brasil, toca em um tema essencial, mas faz isso de forma muito simples diante da importância estratégica que tem a questão da inserção internacional dos nossos países.

Os TLCs surgiram no marco da reestruturação do comércio internacional, na viragem do longo ciclo expansivo do capitalismo do segundo pós-guerra até o atua longo ciclo recessivo. A União Europeia permitiu que esse continente conseguisse uma melhor inserção internacional, ao mesmo tempo em que o TLC dos EUA com o Canadá e o México tinha o mesmo papel.

Mas este último tinha um componente específico: integrava um país da periferia junto à maior economia do mundo. Para os EUA, ele serviria como modelo de integração subordinada à América latina – recordemos que o Chile era el próximo candidato a se integrar naquele momento.

No entanto, o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), depois de ser questionado amplamente por mobilizações populares, acabou sendo derrotado quando o Brasil – que junto com os EUA presidia o projeto em sua fase final – mudou de um presidente adepto aos TLCs, Fernando Henrique Cardoso, a outro, Lula, que prioriza os processos de integração regional e que lhe impôs seu veto.

O continente passou a ter como linha divisória a prioridade pelos TLCs ou a prioridade dos processos de integração regional, que se multiplicaram – do Mercosul ao Banco do Sul, à Unasul, ao Conselho Sul-Americano de Defesa, à Alba –, paralelamente à eleição da maior quantidade de governos progressistas da região.

Estes se caracterizam pela prioridade dada aos processos de integração regional em vez dos TLCs – em que o México se envolveu, entre outros países do continente. Mas sua orientação política inclui também, além da enorme intensificação do comércio intrarregional, a diversificação de seu comércio internacional, com especial participação da China – que se tornou o primeiro sócio comercial do Brasil –, substituindo os EUA. Assim como – assunto muito mais importante do ponto de vista social – a extensão do mercado interno de massas, opção frente à prioridade dada aos ajustes fiscais. Isso permitiu um imenso processo de democratização social, de elevação do poder aquisitivo das camadas populares, uma forte redistribuição da renda, de aumento constante do emprego formal, diminuição das desigualdades sociais.

A combinação desses três elementos – integração regional, diversificação do comércio internacional e expansão do mercado interno de consumo popular –, que caracteriza os governos progressistas da América Latina, permitiu, assim, uma reação muito mais rápida e positiva frente à crise.

Enquanto países como o México, que haviam optado por uma relação preferencial com os EUA, sofrem duramente os efeitos da crise, que tem seu epicentro justamente em seu poderoso vizinho do Norte – revelando o equívoco da opção pelo TLC –, os países dos processos de integração regional reagiram de forma muito mais rápida e positiva.

Países como Bolívia, Equador, Brasil, Argentina e Uruguai saíram de forma mais ou menos rápida da crise, fazendo com que, pela primeira vez, os mais pobres não sejam aqueles que paguem o preço mais duro da crise, porque as políticas sociais e de extensão do mercado interno de consumo popular não frearam no momento da crise. Os Estados desses países, fortalecidos, puderam desempenhar um papel essencial na resistência à crise, porque havia sido superada a Ideia do Estado mínimo e da extensão ilimitada do mercado.

Por isso, se o México quer se recuperar de forma mais rápida e consistente da crise – da qual ele sofre as piores consequências, como efeito da opção equivocada de dar as costas à América Latina e se associar estreitamente à economia norte-americana – não basta um TLC com o Brasil. Ele teria, por um lado, que diversificar seu comércio internacional, abandonando a posição de ter mais de 90% de seu comércio com os EUA, para estender seu comércio com a América Latina, com a Ásia, com a África. Da mesma forma, teria que abandonar o TLC com a América do Norte, que lhe impede de se integrar a processos como o Mercosul, o Banco do Sul, a Unasul, para voltar-se centralmente a esses espaços.

Mas, além disso, teria que fortalecer novamente o seu Estado, abandonar projetos de privatização – antes de tudo, de sua empresa petrolífera, ideia totalmente superada pelas novas economias latino-americanas que, ao contrário, nacionalizam seus recursos naturais e fortalecem suas empresas estatais – e dedicar-se especialmente a projetos de desenvolvimento do mercado interno de consumo popular, de distribuição de renda, de elevação do poder aquisitivo dos salários, de expansão do emprego formal.

Não basta, portanto, uma associação unilateral com um país da região para que o México possa mudar o difícil futuro ao qual seus governantes o condenaram. Seria necessário uma verdadeira mudança de modelo econômico, implementado por forças estreitamente vinculadas às forças democráticas, nacionais e populares com as quais o México conta historicamente como sua referência fundamental como nação, nos centenários da Independência e da Revolução de 1910.

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