Como foi desmontada a Petrobrás
buscado no Correio da Cidadania
por Wladmir
Coelho
A tática utilizada foi alterar o texto do parágrafo primeiro do artigo 177 da Constituição, cujo teor determinava: “o monopólio previsto neste artigo inclui os riscos e resultados decorrentes das atividades nele mencionadas, sendo vedado à União ceder ou conceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural, ressalvado o disposto no art. 20, § 1º”.
Observe: a redação
original, votada e aprovada em 1988 por uma Assembleia Constituinte,
garantia ao povo brasileiro a propriedade não somente do bem natural
petróleo, mas somava a este o bem econômico. A emenda número nove
retirou do povo, na prática, a propriedade do bem econômico,
determinando que “a União poderá contratar com empresas estatais
ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a
IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei”.
Esta alteração no
texto constitucional – conforme é possível observar –
determinou a criação de uma nova lei para o petróleo, aprovada em
1997, recebendo o número 9478. O novo texto legal tornou sem efeito
a lei 2004, de 1953, cujo teor garantia à Petrobras o monopólio da
exploração petrolífera.
Verifica-se no texto da
lei 9478, quanto à propriedade do bem econômico petróleo, a
seguinte redação: “Art. 26. A concessão implica, para o
concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e,
em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado
bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos,
com os encargos relativos ao pagamento dos tributos incidentes e das
participações legais ou contratuais correspondentes”.
Observe-se a
inexistência de qualquer limitação à propriedade do petróleo,
após sua extração, bastando a empresa concessionária pagar as
compensações, dentre elas os famosos royalties.
O caráter neoliberal
da lei 9478 impediu até mesmo a criação de um planejamento
econômico voltado para a autossuficiência. Em seu texto fica
determinada a necessidade de autorização para exportação de
petróleo condicionada ao previsto na lei 8137, de 1990, assinada
pelo presidente Fernando Collor, ficando como único limite à
exportação pelo "proprietário" do petróleo a
necessidade de manutenção de uma reserva estratégica.
Esta reserva seria o
mínimo necessário – caso seguisse o modelo dos Estados Unidos –
para a manutenção do abastecimento de combustíveis por
aproximadamente 60 dias. Não verificamos na legislação brasileira
qualquer menção à forma ou método para atingir a
autossuficiência.
Desta forma, os
"proprietários" do petróleo ficam livres para exportar a
quantidade que entenderem as respectivas políticas econômicas de
suas empresas, cujo centro de decisões, via de regra, encontra-se no
hemisfério norte. Não temos no Brasil, mais uma vez, uma política
econômica para o petróleo, voltada a satisfazer um plano de
desenvolvimento.
Como agravante,
verifica-se a inexistência até mesmo da chamada reserva
estratégica, aspecto que não passou em branco nas ressalvas do
Tribunal de Contas da União, em 2012, quanto às contas do governo
federal, recomendando ao Conselho Nacional de Política Energética:
“Assegure o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques
Estratégicos de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de
Estoques Estratégicos de Combustíveis, e tome providências no
sentido de que o Poder Executivo encaminhe, anualmente, o Plano Anual
de Estoques Estratégicos de Combustíveis, como parte integrante do
Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme previsão
insculpida no art. 4º, § 1º, da Lei 8.176/1991”.
Assim observado, seria
exagero afirmar que o governo Dilma Rousseff é negligente quanto à
segurança energética nacional?
A entrega do patrimônio
nacional foi festejada como a entrada do Brasil na modernidade.
Traduzindo, seria a quebra de um monopólio em favor da “livre
concorrência”, resultando para a economia nacional avanços, como
a diminuição no preço dos combustíveis.
Ocultavam, os
opositores do monopólio da Petrobrás, alguns fatos de grande
importância, como a inexistência de concorrência no setor
petrolífero, considerando-se a tradicional concentração do setor
somada ao risco para a segurança energética, tendo em vista os
objetivos voltados para a exportação das empresas estrangeiras.
Mentiam, os defensores
da entrega do petróleo, apontando como prova da concorrência o
surgimento de empresas nacionais de petróleo. Hoje não constitui
segredo a vinculação destas aos clubes de investimentos
internacionais, ficando a elaboração de suas políticas econômicas
submetida aos interesses dos controladores, via de regra, associados
aos oligopólios petrolíferos internacionais.
Neste ponto, das
chamadas empresas privadas nacionais de petróleo, o caso de maior
destaque coube ao grupo OGX. Atualmente apontado como causa de
prejuízos mundo afora, todavia esquecem o quanto rendeu aos clubes
de investimentos internacionais.
O seu supremo
dirigente, elevado ao posto de Midas brasileiro, dava a impressão de
possuir as chaves dos cofres do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e deste retirava as quantias necessárias
para inflar o valor de suas ações, prazerosamente negociadas nas
bolsas de valores internacionais. O dinheiro do povo garantia a farra
do capital especulativo.
Somente para lembrar:
um fato semelhante ocorreu na Rússia quando um "jovem
talentoso" chamado Mikhail Khodorkovski iniciou uma aventura,
rumo ao posto de maior fortuna do mundo, utilizando dos recursos
públicos para assumir o controle da produção petrolífera em seu
país. O tempo mostrou a fraude, resultando ao “gênio”
empresarial a condenação e prisão. Este também figurou nas listas
dos mais ricos.
Wladmir Coelho
é mestre em Direito, historiador e membro do Conselho Curador da
Fundação Brasileira de Direito Econômico.
Blog do autor:
Política
Econômica do Petróleo.
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