Do blog SQN
As jabuticabas constitucionais do Supremo
A AP 470 continua a desafiar direitos constitucionais. Capaz de
vir por aí outra jabuticaba nacional: a prisão semiaberta cumprida sob
incomunicabilidade
Wanderley Guilherme dos Santos
Wanderley Guilherme dos Santos
A Ação Penal 470 continua a desafiar direitos constitucionais. Durante o
julgamento foram indevidamente excluídas de referência todas as
passagens dos documentos e dos testemunhos que comprovavam a inocência
dos três presos políticos do PT nos crimes em que foram condenados.
Ademais, cassou-se o direito de dupla instância de julgamento, a
pretexto de que a fase de avaliação dos recursos, principalmente dos
infringentes, atenderia ao direito assegurado pelos códigos pertinentes.
E eis que, surgida a oportunidade, os encarniçados Joaquim Barbosa,
Gilmar Mendes e Luiz Fux, acompanhados pelos oscilantes habituais, quase
impediram o julgamento dos recursos. Não é de espantar, em um colegiado
que convalida a tese de que promotores não estão obrigados a provar que
os acusados são cúmplices pelo conhecimento, e possivelmente artífices,
de supostos crimes cometidos.
Exigiu-se, sob a presidência de outro encarniçado ora aposentado, Carlos
Ayres de Brito, que os acusados provassem que não tiveram conhecimento
do crime, até porque não reconheciam que tal ilícito houvesse ocorrido.
Como é curial, a tese é logicamente descabida, mas aceita alegremente,
protestos em contrário não obstante, pela esmagadora maioria do Supremo.
Só por isso e aquelas sessões, gravadas, serão objeto de escárnio pela
eternidade do direito universal.
Sempre é bom relembrar o extraordinário silogismo descoberto em parceria
por Ayres de Brito e Rosa Weber. Eis o seu enunciado: Mandantes de
crime escondem todas as provas; não há provas contra José Dirceu; logo,
José Dirceu foi o mandante do crime. Esta pérola, entre várias outras,
está gravada também para os séculos futuros, juntamente com a alegação
de que se trata de dedução legítima da teoria do domínio dos fatos.
Agora adentramos o capítulo do cumprimento das penas. Não foi decisão
que enobreça a jurisprudência fazer conduzir os condenados a Brasília.
Legal ou não, expressou o desejo de saborear a sentença de um castigo
suplementar. A data de 15 de novembro ficará condecorada por esta
valentia sem mérito, em combate contra adversários doentes e previamente
linchados. Ao que consta, a biografia do ministro Joaquim Barbosa
registra outros episódios de bravura semelhante.
Tal como aconteceu durante as sessões do julgamento, é até apreciável,
se vista por um ângulo maligno, a destreza com que juízes de inegável e
subida competência jurídica aplicam golpes de surpreendente agilidade
nos artigos, parágrafos e alíneas da legislação vigente. Casuísticas e
sutilíssimas distinções são extraídas da definição de regimes abertos,
semi-abertos e fechados, incluindo considerações sobre a linearidade ou
não dos benefícios atribuídos a cada regime, a natureza do tempo
newtoniano e o paradoxo das maiorias rotativas.
Os dois últimos temas dizem tanto a respeito dos direitos de apenados
quanto o Pilates interpretativo dos juízes. Trata-se tão somente de
exibir independência dos juízes diante de réus, assim dito, poderosos.
Pois, em geral, acredito mesmo na independência do Supremo Tribunal
Federal e justo por isso nada me convencerá de que a Ação Penal 470 não
constitui um trágico julgamento de exceção. Trágico para muitos dos
condenados, trágico para a história do Judiciário brasileiro.
Mas não terminou. Agora é o direito de livre expressão a sofrer assédio
certamente imoral por parte de juízes e ex-juízes. Onde se encontra a
lei que retira a prisioneiros de qualquer índole o direito de expressão,
e mais, de expressão impressa? Problema sério que o mundo
contemporâneo, extravasando os limites de legislação obsoleta,
apresenta. Como impedir que um preso mantenha um sítio na internet? Não
há menção constitucional a essa modalidade específica de manifestar
opinião. O direito à livre expressão (e impressão) de pensamento não
hospeda qualificações.
Sabem os especialistas que a tese de que existem países integralmente
democráticos é uma balela. A Inglaterra censura jornais e livros, a
França proíbe filmes e os Estados Unidos, com o chamado Ato Patriótico,
admite a prisão de pessoas sem comunicação à Justiça e a violação de
correspondência. Mas têm fundamento legal, de um direito arcaico ou
obtuso, mas têm. Não no Brasil. Os casos em que a manifestação de
opinião está sujeita a penalidades são constitucionalmente consignados
e, todos eles, sempre após o fato, nunca previamente. Capaz de vir por
aí outra jabuticaba nacional: a prisão semi-aberta cumprida sob
incomunicabilidade
Nenhum comentário:
Postar um comentário