segunda-feira, 21 de junho de 2021

A volta dos que não foram.

 


“A Volta dos que não foram”(1): Coronel da reserva insufla extremistas a defender Bolsonaro de “golpe comunista”

por Luiz Müller

Em artigo dirigido a grupos da Escola Superior de Guerra e divulgado nas redes bolsonaristas, coronel da reserva fala em fantasioso movimento armado de esquerda e em guerra civil

O artigo do El País que publico na íntegra a seguir, dá conta de que os Militares que assaltaram o poder sob o manto da legalidade eleitoral de 2018, não vão largar a mamata de mais de 5 mil cargos, incluindo muitos dos Generais do Alto Comando, abrigados em cargos com salários altíssimos, que somados a seus próprios salários, ultrapassa o limite permitido aos funcionários dos 3 poderes, mas acumulo autorizado aos generais.

Se hoje são avalistas de Bolsonaro, um Capitão que não os engana, mas enganou o povo em 2018, boa parte deles já esta disposta a aceitar a saída de Bolsonaro e trabalham com uma terceira via que poderia seria representada pelo General Mourão com Sérgio Moro como chamariz de eleitores ou outro "player" que encontrarem pelo caminho. Talvez seja por isto que Ciro Gomes esteja fazendo o discurso que poderíamos chamar de uma "terceira via" bolsonarista sem Bolsonaro.

Como os Generais tem falado até pelos cotovelos, como foi o caso do General Matos na Veja e este outro agora, é bom prestar atenção no que dizem. Diferente do "golpe imaginário" citado pelo EL PAIS, pela quantidade de milicos e cargos que ocupam no poder, eu diria que estamos vivendo uma Ditadura "subliminar" , já que a milicada tem garantido os movimentos de entrega da nação de Guedes e também o desmonte de Bolsonaro contra o Estado surgido da Constituição de 1988.

O Brasil é o único país no mundo que não julgou os crimes dos militares durante a Ditadura. Mandantes de assassinatos, perseguições e tortura ficaram impunes e esta impunidade autoriza os atuais militares a continuarem seus crimes, agora protegidos pelas brumas da eleição de Bolsonaro, amparada em mentiras repetidas mil vezes e assimiladas pela mesma população que foi convencida a assimilar a impunidade dos assassinos Generais que governaram este país de 1964 a 1985. Impunidade deles, impunidade dos atuais. Ou como explicar que um General defenda as excrecências promovidas por Pazuello no Ministério da Saúde ou a deste outro, o tal Coronel Fregapani, que alimenta a ideia de um suposto golpe armado contra Bolsonaro? Fake News sendo produzidas a partir dos Altos Escalões das Forças Armadas para arrebentar os últimos elos que ainda fragilmente o Brasil a Democracia.

Segue o artigo do EL PAÍS

Bolsonaro com comandante do Exército durante cerimônia em Brasília, em 2019.Bolsonaro com comandante do Exército durante cerimônia em Brasília, em 2019.SERGIO LIMA / AFP

Um dos ideólogos da extrema direita militar, o coronel reformado Gélio Augusto Barbosa Fregapani vem alimentando a imaginação de seguidores do presidente Jair Bolsonaro com uma teoria delirante que cheira à armação: militantes de esquerda estariam sendo treinados para derrubar Bolsonaro através de um conflito armado. Num artigo dirigido inicialmente a grupos fechados, ligados à Escola Superior de Guerra (ESG), que depois chegou às redes bolsonaristas, o militar não se limita a opinar. Ele afirma que os comunistas se misturaram com criminosos em favelas do Rio de Janeiro e São Paulo, onde escondem armas em locais estratégicos e, longe de vigilância, são treinados por estrangeiros com formação militar.

“Teremos uma guerra civil?”, pergunta o coronel logo na abertura do artigo, intitulado Comentário Geopolítico, destinado a vender uma narrativa em que Bolsonaro, desde a eleição, é vítima de uma  conspiração fantasiosa cujos episódios, concatenados para derrubá-lo, criaram as condições para uma guerra civil. “Lamentavelmente a vemos se aproximar cada vez mais”, responde o coronel a si mesmo, afirmando que esquerda e direita atingiram patamar de “divergências irreconciliáveis”, um ponto de não-retorno e um clima propenso ao conflito. Como se o Brasil estivesse voltando aos anos de chumbo.

O coronel sugere que a suposta incursão da esquerda a redutos dominados pelo crime foi facilitada pela decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em junho do ano passado, restringiu as operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia a situações excepcionais. A medida, aliás, foi ignorada pela polícia civil do Rio, na operação no Jacarezinho, em 6 de maio deste ano, que terminou com a morte de 28 suspeitos e de um policial, na mais letal ação da história da cidade. Na época, um dos delegados responsáveis pelo caso, Rodrigo Oliveira, chegou a falar que o “ativismo judicial” tinha “sangue nas mãos” pela morte do policial, crítica alinhada à tese de Fregapani e adotada pelos grupos bolsonaristas que atacam o STF. O próprio presidente, sem se referir diretamente ao texto do coronel, chegou a insinuar que “algo grave” estava para acontecer e, em várias ocasiões, afirmou que esperava um sinal do povo para agir.

No mundo real da política ou no radar de órgãos de segurança não há o mais pálido sinal de movimento armado, o que, na opinião de fontes ouvidas pela Pública, coloca a tese de Fregapani no papel de propaganda da extrema direita militar com objetivo de insuflar grupos de seguidores antidemocráticos de Bolsonaro, caso o mandato do presidente venha a ser ameaçado por um impeachment, pressionado pelo relatório da CPI da Pandemia ou diante de uma possível derrota na eleição do ano que vem. É também uma tentativa de atrair as baixas patentes das Forças Armadas e, ao mesmo tempo, evitar que o presidente continue perdendo apoio entre os militares da reserva, especialmente de oficiais com ascendência sobre a tropa. 

“O presidente Jair Bolsonaro quer envolver as Forças Armadas, especialmente o Exército, no projeto pessoal dele”, disse à Agência Pública o general Paulo Chagas, um ex-aliado do presidente, para quem já há uma clara divisão entre os militares da reserva. Dois terços deles, segundo avalia, já desembarcaram do bolsonarismo e buscam uma terceira via na política que escape da polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O grupo deposita expectativas numa aliança entre o vice-presidente, general Hamilton Mourão, e o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. O general considera descabida a tese de guerra civil, sustenta que os comandos militares da ativa não irão se envolver em qualquer tipo de aventura, mas acha que há riscos de que parte das polícias militares acabe sendo atraída por ideias antidemocráticas e se envolvam em conflitos na defesa de Bolsonaro. 

“O presidente estimula os fanáticos. Se ele mandar, irão para as ruas criar tumulto. Não acredito que possa chegar a guerra civil, mas vai ter violência porque isso faz parte do plano de Bolsonaro”, afirma o general, se referindo à insistente defesa do presidente pelo voto impresso e acusações, sem apresentar qualquer evidência, de fraude na eleição de 2018. O que Bolsonaro quer, segundo Chagas, é encontrar um motivo para contestar o resultado em caso de derrota e agir com mais violência do que os seguidores do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que invadiram o Capitólio, no episódio que terminou com quatro mortos. Generais que romperam com Bolsonaro já enxergam o movimento do presidente como o roteiro de um conflito anunciado. Chagas acha que a impressão do voto eletrônico derrubaria o argumento de Bolsonaro. 

Na mesma linha de Chagas, o ex-ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, escreveu, num artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, que Bolsonaro frequentemente e de forma deliberada vem testando o Exército para “realizar seu projeto pessoal”, o que equivale a dizer que se for derrotado por Lula numa eleição, o presidente tentaria o golpe se encontrar apoio institucional. “Junto com seguidores extremistas, alimentam um fanatismo que certamente terminará em violência”, profetizou o general, para quem o presidente, movido apenas por um projeto de poder, age com “covardia” ao tentar transferir a responsabilidade de seus atos ao Exército.

O general Paulo Chagas acha que a tese defendida por Fregapani, que ele conhece dos tempos de ativa no Exército, “é uma maneira de exagerar para botar medo na cabeça das pessoas, de dizer que o Exército não tem força, que a soberania está ameaçada, para causar efeito psicológico. A hipótese de guerra civil não tem fundamento. Se houvesse preparativos ou mercenário estrangeiro por aqui, seria um problema de segurança nacional e as Forças Armadas saberiam. É retórica de terrorismo psicológico”, afirma o general, que diz respeitar o currículo do coronel, mas com uma ressalva: “Ele está sempre preparado como se a guerra fosse começar amanhã”. 

Coordenador do Movimento Policiais Antifascismo e diretor da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) o agente federal aposentado Sérgio Pinheiro afirma que, ao tentar envolver opositores com boatos sobre guerra civil, a direita quer um pretexto para a violência usando táticas da ditadura, aplicadas numa época em que extremistas militares praticavam atentados e tentavam jogar a culpa na esquerda. “O que se desenha no cenário é uma convulsão social, que vem sendo armada por policiais e milícias. A direita está tentando atiçar vivandeiras das Forças Armadas. Mas um golpe só seria possível com a participação do Exército, numa conspiração que partisse do Forte Apache”, diz Pinheiro, se referindo ao Quartel General do Exército, em Brasília. Para ele, a pretensão da direita é inviável, uma vez que os militares, ocupando cerca de 11.000 cargos no Governo federal, com ou sem Bolsonaro, estão no melhor dos mundos e não arriscariam perder a “boquinha” entrando numa aventura. “É só aprovar o voto impresso que evita o conflito se ele perder a eleição”, sugere o policial. 

Gélio Augusto Barbosa Fregapani, coronel aposentado.Gélio Augusto Barbosa Fregapani, coronel aposentado.

O perfil de Fregapani e seu trânsito no meio militar dá força para a teoria da conspiração entre os bolsonaristas. Aos 85 anos, de formação eclética, onde prática e teoria se completam, autor de vários livros sobre inteligência e estratégias de guerra, Fregapani é anticomunista ferrenho e um dos poucos remanescentes da ditadura militar que ainda exercem influência nos quartéis na era Bolsonaro. Ele é cofundador do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), referência nacional na formação antiguerrilha, sediado em Manaus, de onde saiu, em setembro de 1973, um dos principais grupos das forças especiais empregadas pelo Exército no extermínio dos militantes do PCdoB na Guerrilha do Araguaia. 

No texto ele faz uma leve lembrança ao episódio Araguaia ao cantar “vitória” em caso de um novo conflito contra a esquerda: “(…) seriam derrotadas da mesma forma que foram em Xambioá”, escreve, ao referir-se ao município de Tocantins, entre o Sul do Pará e Norte do Maranhão, que à época representou uma espécie de capital do conflito. Fruto da imaginação do coronel, o “novo” movimento armado da esquerda, em caso de conflito, “se houver, será esmagado como aconteceu nas guerrilhas comunistas de 1968”.

Mais tarde, já na reserva, o coronel se deslocaria para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), como chefe do escritório de Roraima e do Grupo de Trabalho Amazônia (GTAM), cargos que permitiram sua atuação em toda a região. Os relatórios de Fregapani atacam as ONGs que atuam na região, às quais classifica como representantes de interesses de dominação econômica estrangeira contrários à soberania nacional. Entre 2005 e 2008, Fregapani aliou-se aos arrozeiros que ocupavam ilegalmente vastas extensões da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e chegou a levar o líder deles, o empresário rural e ex-deputado Paulo Roberto Quartiero, para palestra na sede da ESG, no Rio de Janeiro. Ele considerava Quartiero um herói da resistência contra interesses externos.

A atuação de Fregapani chamou a atenção da Polícia Federal, que chegou a investigá-lo por suposta participação em ações que culminaram no sequestro de quatro policiais federais, em 2005, e numa série de atentados dentro da reserva. Quando entrou na área para comandar a operação de retirada dos não-índios em 2008, o delegado Fernando Segóvia, ex-diretor-geral da PF, encontrou na fazenda de Quartiero mais de 90 bombas construídas para resistir a ação da polícia e chegou a levantar a suspeita de que haveria dedo do militar na organização da reação dos arrozeiros. Os relatórios de Fregapani ajudaram a influir na posição adotada pelo Exército que, procurado por Segóvia na ocasião, embora tenha uma base no coração da reserva, se recusou a participar da retirada dos invasores, tarefa que acabou sobrando exclusivamente para a PF. “Fiz a operação porque tenho a casca grossa”, disse Segóvia à Pública. O Comandante Militar da Amazônia à época era o general Augusto Heleno, atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, que a partir de 2019 ajudaria a formatar a polêmica política de Bolsonaro para a região.

O coronel Fregapani se autodefine como nacionalista, conservador e liberal, perfil que se encaixa como luva às pretensões do presidente Jair Bolsonaro nas questões centrais da Amazônia pelo atual Governo: mineração em terra indígena, legalização fundiária e exploração dos recursos naturais como eixos de ocupação dos vazios demográficos da região, estratégia que, como se sabe, colocaram o Brasil como o país do desmatamento, da grilagem de terra e da invasão permanente de terras indígenas por garimpeiros.

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