Jornal indiano explica em detalhes o ‘covaxingate’ no governo Bolsonaro

27/06/2021  Por REDAÇÃO URBS MAGNA
Jornal indiano explica em detalhes o ‘covaxingate’ no governo Bolsonaro

O senado brasileiro está considerando desbloquear os registros fiscais da Madison Biotech, de propriedade da Bharat Biotech“, diz a publicação sobre a investigação que mira o presidente do Brasil e o laboratório do país asiático – Leia e entenda todo o caso

Um papel enviado pelo correio de um canto do mundo para outro pode ser a arma fumegante de uma investigação cada vez mais ampla sobre a corrupção no negócio que pode explodir em pedaços a imagem de uma empresa indiana e afundar alguns dos principais políticos do Brasil. A fatura, enviada ao governo brasileiro por uma firma offshore da fabricante indiana de vacinas Bharat Biotech, foi alvo de audiência na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) nesta sexta-feira, enquanto todo o país assistia ao processo ao vivo com emoção, na câmara, bem como nas redes sociais, escrevem os correspondentes brasileiros independentes Shobhan Saxena e Florencia Costa, para o jornal indiano The Wire.

O país está sob tensão desde terça-feira, quando um deputado federal, Luís Miranda, alegou que ele e seu irmão Ricardo, chefe da divisão de importação do ministério da saúde, se encontraram com o presidente Jair Bolsonaro no dia 20 de março e o alertaram sobre uma fatura de $ 45 milhões levantados pela Madison Biotech, uma empresa sediada em Cingapura, para pagamento antecipado de $ 300 milhões referentes ao contrato entre o governo brasileiro e a Bharat Biotech da Índia para 20 milhões de doses de Covaxin. A fatura era de 300 mil doses. Como a empresa de Cingapura não fazia parte do contrato, Ricardo Miranda se recusou a liberar a fatura, afirmou em entrevista, e foi a Bolsonaro.

O contrato de US $ 15 por dose assinado pelo governo Bolsonaro, que antes havia mostrado pouco interesse em obter vacinas para o país, tornou-se um escândalo completo, com ampla cobertura das mídias. Com vazamentos explosivos quase em tempo real, um importante comentarista de televisão chamou a investigação de “CovaxinGate” na quinta-feira; logo as histórias sobre a vacina estavam sendo compartilhadas com a hashtag #CovaxinGate nas redes sociais. Alguns senadores chegaram a dizer que Bolsonaro descobriu o ‘Caminho das Índias’, sarcasticamente brincando com o nome de uma novela de TV muito popular exibida alguns anos atrás. Com oito em cada dez pessoas no país apoiando os procedimentos da CPI, as pessoas estavam ansiosas para saber se havia corrupção no negócio.

Bolsonaro no banco dos réus

Na semana passada, os senadores que lideram a investigação pareceram confiantes de que a fatura da Madison Biotech é a prova que levará a um rastro de evasão fiscal, lavagem de dinheiro e suborno no negócio entre o governo brasileiro e a empresa indiana, aqui representada por uma empresa local, a Precisa Medicamentos.

Na tarde de sexta-feira, a tensão tomou conta do país quando Ricardo Miranda, com os cabelos desgrenhados e suor na testa, entrou no Senado por um corredor utilizado pelos serviços de emergência. Vestido com uma camisa azul e parecendo visivelmente cansado, o funcionário do Ministério da Saúde se acomodou silenciosamente em uma cadeira ao lado de seu irmão e do senador Omar Aziz – presidente da comissão parlamentar, em uma audiência tensa que muitas vezes se transformava em uma gritaria. Mas os irmãos Miranda vieram preparados com um power point recheado de slides de faturas, e-mails e mensagens de WhatsApp para provar que haviam discutido o assunto entre eles e indo em seguida ao presidente. Enquanto Ricardo pressionou seu caso por não autorizar a fatura, visto que a entidade de Cingapura não era uma “parte do contrato”, Luis Miranda pressionou o presidente por não “agir de acordo com o interesse público” em sua denúncia, o que é um crime passível de impeachment. Antes do final da sessão na noite de sexta-feira, Luis Miranda lançou uma bomba que colocou Bolsonaro em uma situação difícil.

Em sua apresentação no Senado na sexta-feira, o funcionário do Ministério da Saúde brasileiro Ricardo Miranda manteve sua história de que se recusou a assinar uma fatura de US $ 45 milhões da Madison Biotech porque a empresa não fazia parte do contrato.

Prova de crime é o que a CPI busca desde seu início, em abril. Na audiência do senado na sexta-feira à noite, o clima ficou dramático quando Luis Miranda foi pressionado pelos senadores sobre os detalhes do encontro dos irmãos com o presidente. Como ele havia afirmado que Bolsonaro se referia ao nome de um político que suspeitava de corrupção no contrato de Covaxin, os senadores pediram-lhe que revelasse o nome. Em meio a lágrimas e voz sufocada e depois de muita persuasão, Luis Miranda revelou que Ricardo Barros, líder do governo na Câmara dos Deputados federal, é o nome que o presidente citou. 

Vou ligar para o diretor-geral da Polícia Federal porque, na verdade, Luís, isso é muito sério”, disse Luís Miranda na sexta-feira, alegando que foi o que Bolsonaro lhe disse no dia 20 de março.

Luis Miranda lançou uma bomba na comissão ao revelar o nome do político que Bolsonaro suspeitava de corrupção no negócio. Foto: Captura de tela da TV Senado

Barros, também ex-ministro da Saúde, está sendo analisado por levar ao Congresso um projeto de lei que permitia ao Brasil conceder “autorização para importação e distribuição de quaisquer vacinas”, permitindo assim a importação de Covaxin que não foi aprovada por regulador de drogas do país até agora. Em um tuíte após a audiência , ele disse que não teve nenhum envolvimento no negócio da Covaxin e que a investigação estabeleceria isso.

A revelação bombástica do deputado federal na CPI, onde mentir tem sérias implicações legais, foi um momento de sacudir a terra. Perto da meia-noite, após o término da sessão, o senador Renan Calheiros, relator da CPI, atacou Bolsonaro por não ter ordenado um inquérito policial, apesar de ser “informado do escândalo”. Chamando de um dia histórico, o senador Randolfe Rodrigues disse que a investigação está se aproximando do Bolsonaro. 

Hoje, todos os elementos de um crime cometido pelo presidente foram apresentados aqui. Ele não tomou as providências necessárias para abrir um inquérito e não tomou as providências necessárias para impedir a continuação do crime … Estaremos propondo informar o Supremo Tribunal sobre isso”, disse o senador em coletiva de imprensa no final do dia.

Passada da meia-noite, a hashtag #CovaxinGate ganhou destaque nas redes sociais brasileiras, com memes, piadas e convocatórias neste final de semana. “Não sabíamos que a vacinda da Covaxin era tão boa a ponto de nos livrar do Bolsonaro”, dizia uma piada amplamente compartilhada.

Uma arma fumegante 

A história de Covaxin se tornou um grande problema para Bolsonaro, cujo índice de aprovação caiu para 23%, enquanto seu índice de rejeição alcançou 50%. De acordo com pesquisa de opinião divulgada na quinta-feira, se a eleição presidencial for hoje, Bolsonaro perderia para o ex-presidente Lula da Silva no próprio primeiro turno. Abalado com o crescente escândalo, Bolsonaro, não conhecido por sutilezas, parece gritar com jovens repórteres e tirar máscaras do rosto de crianças em reuniões lotadas – um sinal de que não está descontrolado.

Mas a suspeita de corrupção no negócio da Covaxin é um presságio de grandes problemas para a Bharat Biotech, que queria lançar sua vacina em um grande mercado como o Brasil para mostrar suas proezas em biomedicina. Ambos os sócios da empresa indiana, a Precisa Medicamentos, no Brasil, e a Madison Biotech, em Cingapura, estão agora sob o scanner da CPI. Enquanto o chefe da empresa brasileira, Fabiano Maximiano, comparecerá ao Senado na próxima semana, a comissão pode iniciar alguns processos contra a empresa cingapurense na próxima semana.

Bharat Biotech no olho do furacão

O representante brasileiro da Bharat Biotech está há algum tempo no radar dos investigadores do Senado, que perseguem o alto custo da vacina indiana. Mas a história deu uma guinada dramática na terça-feira depois que Ricardo Miranda disse ao jornal O Globo que se recusou a liberar a fatura da Madison Biotech por não ter assinado nenhum contrato com o governo brasileiro. A revelação levantou a suspeita de que se tratava de uma entidade offshore sendo utilizada para sonegação de impostos. Os irmãos foram imediatamente convidados a depor no Senado.

Milhões de pessoas assistiram ao depoimento de Ricardo Miranda ao vivo na sexta-feira. Foto: Captura de tela da TV Senado

Na terça-feira à noite, o governo lançou um ataque frontal aos irmãos Miranda, acusando-os de “adulterar a fatura” e enganar o presidente. Em entrevista coletiva, Onyx Lorenzoni, o chefe da secretaria presidencial, afirmou que não havia uma terceira empresa envolvida no negócio. 

A Madison Biotech nada mais é do que uma subsidiária da Bharat Biotech, localizada em Cingapura, responsável por todos os contratos da Bharat Biotech no comércio internacional”, disse Lorenzoni.

Para apoiar sua reclamação, Lorenzoni apresentou uma “Carta de Declaração” da empresa indiana que dizia que duas empresas “firmaram um Acordo de Fornecimento” e todos os “parceiros de canal e entidades são solicitados a aceitar a fatura levantada pela” Madison Biotech. Mas a carta sem data não diz que a entidade de Cingapura era uma subsidiária – de propriedade total ou parcial – da empresa indiana e quando as duas empresas firmaram um acordo. Lorenzoni também não se preocupou em esclarecer se a Madison Biotech fazia parte do contrato e quem era o dono da empresa que opera em uma casa de dois andares cujo endereço compartilha com várias outras empresas.

Lorenzoni acusou os irmãos de “adulterarem” a nota fiscal e ameaçou que o governo ordenaria uma investigação sobre suas “alegações fraudulentas” em tom agressivo, o que foi visto pelos senadores como uma tentativa do governo de “assustar e coagir a testemunha” para não comparecer à investigação do Senado. Mas na sexta-feira, Ricardo e Luis Miranda repetiram na frente da comissão e de todo o país o que disseram à mídia brasileira.

A empresa offshore, seu relacionamento com a gigante farmacêutica indiana e seu representante brasileiro e seus negócios são agora o foco da investigação do Senado. Em uma importante revelação na manhã de sexta-feira, o site brasileiro UOL informou que a Madison Biotech tem ligações estreitas com a Bharat Biotech . Ao acessar o registro comercial da empresa com o órgão regulador de entidades comerciais em Cingapura, o site informou que entre três pessoas listadas como diretores da Madison Biotech está Krishna Murthy Ella, o fundador e presidente da Bharat Biotech. Outros dois diretores, disse o relatório, incluem o nome de Raches Ella, uma cidadã americana que liderou o ensaio clínico em Covaxin, e Krishnamurthy Sekar, que é cidadã de Cingapura.

A conexão de Cingapura 

Não há nada de irregular ou ilegal para uma empresa ter uma entidade offshore. Mas os detalhes sobre a estrutura e as operações da Madison Biotech tornaram a investigação brasileira bastante suspeita. De acordo com as informações do site da Autoridade Regulatória Corporativa e Contábil (ACRA) de Cingapura, a empresa foi criada em 14 de fevereiro de 2020, com um capital inicial de 1.000 dólares de Cingapura ($ 750). O único parceiro listado no registro comercial da empresa é um laboratório veterinário indiano, que também pertence ao fundador da Bharat Biotech. Uma das empresas registradas em 31, Cantonment Road, Cingapura, se chama Sphaera Pharma, cujo diretor também é Krishnamurthy Sekar, que ingressou na Madison Biotech em 12 de novembro de 2020.

A investigação em andamento e a cobertura da mídia circulante causaram graves danos à imagem da empresa indiana.

Krishna Ella foi questionada sobre o assunto, mas não se manifestou. Enquanto isso, a empresa sediada em Hyderabad emitiu uma declaração na sexta-feira negando qualquer irregularidade, várias horas depois que o UOL publicou os detalhes estabelecendo uma ligação direta entre a Bharat Biotech e sua entidade offshore. 

Nos últimos 25 anos, a Dra. Krishna Ella fundou ou adquiriu mais de uma dúzia de empresas. Isso inclui a Madison Biotech, do grupo Bharat Biotech, uma empresa que ele fundou em 2020 para vendas globais e marketing de vacinas e P&D [pesquisa e desenvolvimento]. Refutamos e negamos veementemente qualquer tipo de alegação ou implicação de qualquer irregularidade com relação ao fornecimento da Covaxin”, diz um comunicado do representante da empresa enviado por e-mail para o jornal indiano The Wire.

Apesar do esclarecimento, a Bharat Biotech e seu proprietário podem ter mais problemas no Brasil

Na quinta-feira, o vice-presidente do painel do senado, senador Randolfe Rodrigues, apresentou um pedido ao conselho do comitê para abrir os registros fiscais da Madison Biotech. 

É uma empresa que tem sede em um paraíso fiscal e pediu adiantamento de US $ 45 milhões. São necessárias algumas medidas que encaminho a esta Comissão Parlamentar. Primeiro, o desbloqueio dos registros bancários dessa empresa offshore. O desbloqueio do seu sigilo fiscal, se tiverem operações aqui no Brasil porque temos informações de que há operações dessa empresa também no Brasil, apesar de ser offshore”, disse o senador em pedido ao presidente da CPI.

O pedido de abertura dos registros da empresa de Cingapura será avaliado na próxima semana. Segundo fontes em Brasília, após o depoimento de sexta-feira dos irmãos Miranda, a investigação vai perseguir a empresa com força total. O representante local da Bharat Biotech, que na verdade assinou o contrato com o ministério da saúde, já enfrenta pelo menos quatro investigações diferentes para o preço negociado para cada dose de Covaxin e a forma como o contrato foi negociado. Além da investigação da CPI, também está sendo analisado pelo Tribunal de Contas da União, pela Controladoria-Geral da República e pelo Ministério Público Federal, que afirmam ter visto alguma “prova de crime” no caso.