quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Quem são os evangélicos que votam em Lula.

 

Quem são os evangélicos que votam em Lula

 
Quem são os apoiadores do Lula? Da esquerda para a Direita, Milena Vieira, com cabelos pretos cacheados, blusa branca, pele branca e batom vermelho, sorrindo para a selfie. Bruna resende, com cabelo loiro e liso, pele branca e olhar sério para a foto, Cláudia Pereira, com calça e camisa brancas, pele negra, óculos de grau e cabelo crespo preso.
O DCM ouviu apoiadoras do ex-presidente Lula para as eleições deste ano. Foto: Arquivos pessoais

Em vias de iniciar a campanha eleitoral para o ano de 2022, os presidenciáveis tentam atrair a atenção e o voto do eleitorado evangélico. Sergio Moro (Podemos), Ciro Gomes (PDT), Lula (PT) e o próprio Bolsonaro (PL) avaliam estratégias para alcançar a maioria entre o segmento protestante que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), representa 31% dos eleitores brasileiros – cerca de 35 milhões de pessoas -, número que não pode ser ignorado. O DCM entrevistou uma série de evangélicos que serão eleitores de Lula.

Após Bolsonaro vencer em 2018, usando um aparato de disparo de informações falsas em massa, mensagens prontas em defesa da família tradicional, da igreja e com o slogan “Deus acima de todos”, o cenário é outro. Quase quatro anos depois, o país amarga alta na inflação, aumento do desemprego e a volta do Brasil ao Mapa da Fome. “Ninguém mais vai votar com pautas ideológicas. O povo vai votar com o estômago, com fome, com desemprego, pela paz”, é o que diz o pastor Paulo Marcelo, da Assembleia de Deus do Ministério do Belém.

Enquanto pastores conservadores que apoiam o presidente, como Silas Malafaia, avisaram que os demais presidenciáveis não têm chance de atrair o segmento evangélico, o cenário atual é que há uma debandada, ou pelo menos um silenciamento, em relação ao apoio ao atual chefe de Executivo. “Apoiá-lo, nesse momento, é um ônus, porque em um momento em que há uma rejeição muito grande, há também um custo em apoiá-lo”, é o que diz Vinicius do Valle, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

Os números indicam isso. Segundo o Datafolha de Janeiro, pesquisa mais recente do Instituto, Lula lidera a corrida eleitoral entre os evangélicos com 46%, já Bolsonaro tem 44%. Embora seja um empate técnico, é uma diferença significativa em relação a 2018.

“Hoje, o filho de agricultores pode ir para a Universidade Federal e  voltar doutor”

Milena Vieira usa cabelo preto cahceado, batom vermelho e está sorrindo na foto.
Milena Vieira tem 19 anos e mora em Jaguaribe, no Ceará. Foto: Arquivo pessoal

Milena Vieira, 19, é uma estudante universitária de medicina veterinária e uma das eleitoras de Lula neste ano. Moradora da cidade de Jaguaribe, no interior do Ceará, ela relata que o fato do petista ser oriundo do Nordeste e ter desenvolvido políticas públicas de desenvolvimento da região, é um dos principais motivos que a faz mobilizar seu voto para o pré-candidato pelo PT.

“O principal é o fato dele ser nordestino e ter dado oportunidade para o nordestino, para o seu povo. Mostrar que o nordestino não é o que as outras regiões pintam, umas pessoas burras, ignorantes, preguiçosas, nós não somos essas pessoas. Antes o filho de agricultores precisava ir para São Paulo para trabalhar e conseguir sobreviver e ajudar os pais, hoje ele consegue ir para a Universidade Federal e voltar doutor pra cá”, declarou a estudante.

Milena também critica o fato de Bolsonaro ter em seu discurso a defesa da família tradicional, da igreja e da religião cristã. Ela vê pouco coro na fala do chefe do Executivo, “É um presidente que, todas as vezes que foi fazer um discurso incitou o ódio, a violência, o preconceito, a falta de informação, a fake news. Eu não acredito que, ao defender a igreja, alguém precise incitar o ódio, o preconceito e a violência.”

A estudante avalia que ainda há um cenário de desinformação dentro da congregação em que participa, assim como entre uma parcela da população, muitos fiéis se recusam a utilizar máscaras de proteção e tomar os imunizantes contra a Covid-19. “Algumas pessoas da igreja não usam máscara e não tomaram a vacina porque seguiram as orientações do presidente”, disse a jovem.

“O que eu percebo é uma vergonha da igreja evangélica hoje em apoiar o Bolsonaro”

Bruna tem cabelos loiros, usa cabelo liso solto, pelo branca e olhar sério.
Bruna Resende tem 28 anos e mora em São José dos Campos, interior de São Paulo. Foto: Arquivo pessoal

Bruna Resende, 28, é evangélica e moradora da cidade de São José dos Campos, localizada no Vale do Paraíba, interior de São Paulo. Desde as eleições de 2018 a jovem não vai mais à igreja evangélica com tanta frequência como fazia antes, “Hoje eu não sou uma frequentadora assídua da igreja evangélica exatamente porque não achei o meu lugar depois das eleições de 2018. Eu vou em igrejas, várias, para ouvir uma palavra e confortar meu lado espiritual”, avalia.

A gerente de projetos conta que apoia o ex-presidente Lula e os governos do PT, principalmente pelo impacto das políticas públicas na sociedade que foram implementadas durante no período. “Embora haja controvérsias, eu vi o Brasil em uma posição muito diferente da que ele está agora. Então, ele é uma pessoa que sabe administrar o Brasil, já tirou milhões de pessoas da pobreza”, afirma Bruna.

Por frequentar diferentes igrejas com orientações diversas, Bruna tem percebido uma redução nas discussões políticas em relação às eleições deste ano. “O que eu percebo é uma vergonha da igreja evangélica hoje em apoiar o Bolsonaro. Antes uma coisa que era falada em cima do púlpito ninguém fala mais”, e completa “O Pior de tudo é que misturaram a política e a religião de uma forma muito explícita, muito horrorosa”.

Para Vinicius do Valle, doutor em Ciência Política pela USP, os líderes evangélicos não querem, mais uma vez, incluir discussões políticas nos templos, porque isso pode gerar perda no número de fiéis que frequentam as igrejas. “No momento em que há uma rejeição muito grande ao Bolsonaro, há um custo em apoiá-lo, e ninguém quer perder fiel”, diz Vinicius.

É o que aconteceu com Bruna, ela decidiu que iria abandonar a igreja batista que frequentava após a congregação anunciar apoio ao atual presidente. “Eu frequentava uma igreja batista na minha cidade onde eles declararam apoio explícito ao presidente Bolsonaro. Quando isso foi falado eu saí da congregação, eu deixei de frequentar”, conta a jovem.

As estratégias do Bolsonaro para manter o eleitorado podem ter o efeito reverso, avalia Vinicius do Valle. O cientista político avalia que “O que a gente tá vendo é o Bolsonaro fazer política um pouco mal, enquanto o Lula faz isso muito bem. O Bolsonaro tá dando um grande tiro político no pé defendendo até hoje as pautas antivacina”. No entanto, o pesquisador avalia que ainda há certo nível de aprovação entre alguns segmentos, como dentro de grupos pentecostais. “A gente ainda tem uma maior aprovação do Bolsonaro entre os grupos evangélicos, principalmente pentecostal. Mas ainda assim, quando você vai ver em números absolutos, está metade / metade”.

“Lula representa hoje a personificação da esperança”

Paulo faz símbolo de L com a mão direita, tem cabelo grisalho e usa terno cinza com camisa presa. Está sorrindo, ao fundo há algumas árvores.
Paulo Marcelo Schallenberger é pastor da Assembleia de Deus do Ministério do Belém e atua na pré-candidatura do ex-presidente Lula. Foto: Eduardo Knapp / Folhapress

É dentro do eleitorado pentecostal que Paulo Marcelo tem a “missão” de fazer crescer o apoio ao ex-presidente Lula. Ele, que é pastor da Assembleia de Deus do Ministério do Belém, falou sobre as estratégias que serão utilizadas pelo PT e as mudanças que vêm ocorrendo dentro da população que se considera protestante.

Paulo Marcelo é um dos articuladores entre o presidenciável e os pentecostais no Brasil. O paulista fará parte de um podcast do PT que tem como público alvo o eleitorado evangélico, além de ser um dos responsáveis por uma série de caravanas pelo país que irá mobilizar diferentes templos. “Os núcleos evangélicos terão 200 pastores em cada estado, que irão mobilizar a população pobres, de igrejas pequenas, que estão nas favelas, nas comunidades”, conta, em conversa exclusiva com o DCM.

O pastor contesta os eleitores que ainda defendem Bolsonaro e diz que não compreende o porquê de metade do eleitorado evangélico ainda apoiar o chefe do Executivo. “Eu costumo dizer uma coisa regularmente. Se eles falam tanto que Deus está lá, que essa direita tá lá, por que toda mentira sai de lá? Por que 230 vídeos saíram do YouTube desses canais de direita este ano? Porque o Malafaia quase perdeu o Twitter?”, questiona.

Paulo Marcelo avalia ainda que as bolhas de desinformação e os disparos em massa de fake news terão menos impacto na decisão do voto da população. Apesar de representar um risco para influenciar a mudança no voto, o pastor afirma que “Ninguém mais vai votar com pautas ideológicas. O povo vai votar com o estômago, com fome, com desemprego, pela paz”.

Essa avaliação também é defendida por Vinicius do Valle, o cientista político acredita que o eleitorado evangélico pertence à parcela mais pobre da população em sua maioria, e que, para as eleições do Executivo, o voto costuma ser muito mais orientado por questões econômicas. “Os evangélicos se aproximaram do PT quando o Brasil estava fazendo uma integração social, a desigualdade estava diminuindo, as famílias estavam tendo uma renda financeira maior. Quando isso começou a virar, em 2013 e 2014, os evangélicos, que também são parte da população mais pobre, sofreram com a crise e acabaram, até por estarem mais próximos ao discurso oposicionista das igrejas, abandonando o campo em torno das forças petistas”. “Hoje, com o quadro social que o Brasil está, alguns evangélicos estão voltando a ficar próximos ao PT”, avalia.

Quem também está mobilizando a base evangélica é o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. O político será o provável vice-presidente na chapa com Lula para o Planalto, mas ainda não decidiu a que partido irá se filiar. Alckmin sempre manteve uma certa proximidade com representantes de igrejas no estado de São Paulo e já se mobiliza para ter conversas com representantes de congregações pentecostais e neopentecostais. Em 2018, quando concorreu ao Planalto, ele chegou a receber cerca de 80 líderes evangélicos em um jantar no Palácio dos Bandeirantes.

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“Como que pode uma congregação apoiar um presidenciável que banalizou uma pandemia que matou e continua matando pessoas no país?”

Cláudia usa óculos de grau, pele negra, blusa branca e cabelo crespo grisalho.
Cláudia Pereira tem 54 anos e é moradora de Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Foto: Arquivo pessoal

Cláudia Pereira, 54, se considera uma profissional multifunção e hoje possui uma marca de moda sustentável no bairro de Santa Cruz, na zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Evangélica há 27 anos, ela não foge de falar de Lula. “Até hoje eu me coloco na posição de elogiar o governo que ele fez, que foi o melhor presidente que o país já teve”.

A artesã participa de alguns movimentos no bairro e conversa sempre com moradores e irmãos de fé sobre os posicionamentos políticos para as eleições deste ano. Apesar de estar há tanto tempo na igreja evangélica, a fiel diz que nos últimos anos tem se distanciado das congregações. “Alguns anos atrás, de 4 a 5 anos, eu praticamente não tenho frequentado a igreja. Eu não atenho a minha falta de assiduidade por causa de questões políticas, eu acho que estar lá de forma mais assídua teria fomentado debates mais acalorados, mas estando do lado de fora eu vejo que esses debates estão abafados”, conta.

Apesar de ainda encontrar muita resistência entre o segmento evangélico que apoia o atual presidente Bolsonaro, Cláudia não abre mão de discutir e explicar os motivos que a levam apoiar Lula. “Uma pessoa que aceita Cristo deve falar de desigualdade, falar de combate à fome, falar de problemas estruturais, sociais, que leva o povo à miséria. Essa deve ser a pauta principal se eu sou seguidora de Cristo, e é por isso que eu voto no Lula”, avalia a artesã.

A moradora da periferia da capital fluminense se preocupa com os níveis de desinformação e o poder que os pastores bolsonaristas ainda mantém dentro das igrejas. “Algumas delas vão votar no Lula escondidas do pastor, elas vão votar no último momento. As pessoas que votaram [no Bolsonaro] tem convicção que, mesmo com as provas de que Lula foi inocentado, ainda assim essas pessoas vão dizer ‘Lula é ladrão'”.

No entanto, o cientista político Vinicius do Valle avalia que as bolhas de desinformação terão menos força este ano e ficarão restritas ao eleitorado fiel do Bolsonaro, que hoje gira em torno um quinto do eleitorado. “Dá pra ver um esgotamento do WhatsApp e da rede social enquanto mídia confiável”. “Essa bolha de desinformação tende a ficar onde está, que são os vinte e pouco por cento que ainda acreditam no Bolsonar”, avalia.

Cláudia não abre mão dos princípios cristãos e dos ensinamentos de Jesus, é o que diz. Sobre as eleições presidenciais, ela comenta que “Nessas eleições, o que Jesus faria? Jesus votaria em um homem que prega o Nazismo? Jesus votaria em um homem que nega alimento, que não presta solidariedade a vítimas de sofrimento, de desabamento? Jesus votaria em um homem que prega a mentira 24h por dia?”.

Tensões eleitorais deixarão o clima político cada vez mais acirrado

Milena, Bruna, Paulo e Cláudia estão entre a parcela do eleitorado evangélico que hoje apoia Lula. Os presidenciáveis estão cada vez mais de olho nesse público e como desenvolver estratégias eficazes de convencimento. Ao que parece, pelo menos até o momento, Lula e Bolsonaro disputam quem obterá a vantagem entre os protestantes.

Independente do resultado, Vinicius do Valle avalia que o próximo presidente enfrentará “Um governo muito difícil. O Brasil está com o clima político violento, agressivo, polarizado, seja quem for que ganhar essa eleição em outubro, vai sofrer uma oposição mobilizada. Compor um governo, alianças políticas, apoio social, certamente será um desafio. E em relação aos evangélicos, mais ainda.”

Até outubro, os presidenciáveis terão que disputar o voto dos protestantes e convencer o eleitorado das propostas e visões políticas de cada um. Lula, por exemplo, deverá enfrentar muita resistência quando a pauta estiver relacionada aos costumes, especialmente em um provável aceno aos movimentos feministas e LGBTQIA+, que compõem parte da base do eleitorado progressista brasileiro e certamente se mobilizará para a aprovação de políticas públicas e de reconhecimento em um futuro governo de esquerda.

Já Bolsonaro patina nas pesquisas eleitorais e não consegue alcançar estratégias de convencimento do público. Vinicius do Valle avalia que o presidente erra ao fazer política e que “Se o Bolsonaro desidratar, e se continuar se aproximando do Centrão, a tendência é que a gente veja um desembarque ainda maior [dos evangélicos].”

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