Ponto Newsletter
por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile
Um misto de alegria e preocupação
Olá! Nesta edição, discutimos como o bolsonarismo vai continuar existindo porque é funcional para as elites brasileiras e os bloqueios nas estradas provam isso.
.Alguma coisa fora da ordem. As perguntas que não querem calar: Por que a paralisação de parte da infraestrutura do país foi recebida com tanta tolerância? Quem financiou os bloqueios? É verdade que o bolsonarismo inovou ao conseguir fazer uma convocação difusa sem a participação pública de seus líderes, dando protagonismo para figuras do baixo escalão da extrema-direita, como Jackson Villar. Mas todo mundo sabe que a sabotagem vinha sendo organizada há semanas, com a conivência do comando da PRF e das polícias militares estaduais e que todos os caminhos levam ao Palácio do Planalto. Ou seja, a incapacidade de resolver o problema não se deveu à falta de coordenação e excesso de zelo das autoridades como querem alguns. A tolerância com o absurdo não engana: mesmo que publicamente todo mundo tenha sido contra - governadores estaduais, corporações policiais, mídia e associações empresariais -teve gente apoiando nos bastidores. A começar pelo agronegócio que usou seus tratores para bloquear estradas. Mas, certamente, o movimento contou com a conivência da elite econômica como um todo. Não fosse assim, seria impossível bloquear impunemente São Paulo, o centro econômico do país. Tudo isso precisa ser visto dentro do contexto da vitória eleitoral de Lula e de seu futuro governo. Em seus primeiros discursos, Lula tentou desarmar o clima belicoso da campanha pregando união nacional. A resposta do bolsonarismo foi provar que o Brasil está dividido. Derrotado nas urnas, trata-se de tirar o protagonismo da vitória de Lula e, ao mesmo tempo, manter-se no posto de líder supremo da direita. Mas, mais do que isso, Bolsonaro virou um recurso excepcional que pode ser tolerado pela elite econômica na medida em que for útil para manter o governo Lula emparedado, um projeto aliás que vem desde as tentativas de emplacar uma “terceira via” e de pautar o programa econômico da candidatura petista nas eleições. Bolsonaro, porém, precisará manter sua base mobilizada por quatro anos sem foro privilegiado para protegê-lo das bobagens da retórica extremistas. Mas, por enquanto, o importante é que, antes mesmo de começar, o futuro governo vê suas tentativas de construir consensos e governabilidade sob bombardeio.
.Começar de novo. Os bloqueios nas estradas foram uma lembrança de que o futuro governo vai ter que assumir o comando de um país onde 40% da população se identifica abertamente como “de direita”. Como se isso não fosse suficiente, Lula terá que enfrentar também as duras batalhas da desmilitarização do governo e da descontaminação ideológica das polícias. Claro que, na manga, Lula tem o poder de derrubar os sigilos impostos por Bolsonaro, criando problemas para a direita caso não haja disposição para negociar. Mas isso é apenas uma parte do desafio de governar um país polarizado, como lembra o analista da Eurasia Group, Christopher Garman. Nestes cenários, a lua de mel costuma ser curta e as taxas de aprovação baixas, mesmo com um discurso de concertação e união nacional, com movimentos ao centro e bastante pragmatismo, como deve ser a política petista no terceiro mandato. E o centro desta estratégia passa obrigatoriamente pelo Congresso. A primeira batalha é ainda com a composição atual do parlamento para aprovação do orçamento de 2023. Geraldo Alckmin e Wellington Dias receberam a tarefa de negociar uma Proposta de Emenda Constitucional para chegar aos R$175 bilhões necessários para manter o Auxílio Brasil em R$600, dar aumento real no salário mínimo e desonerar os combustíveis. E a disponibilidade de verbas passa ainda pelo tema do orçamento secreto, que caminha não para a extinção, mas para uma distribuição mais equitativa dos recursos entre os parlamentares. Na sequência, vem a disputa pelo comando das duas casas legislativas. Neste caso, mais importante do que ganhar é não ser derrotado, lembra Alon Feuerwerker. E, portanto, que ninguém se surpreenda que o reconhecimento imediato da vitória de Lula por Arthur Lira renda frutos para ambos ali na frente. Antes disso, porém, o novo governo terá que fortalecer e ampliar sua base parlamentar. Neste terreno, vale conversar com os escombros do MDB e PSDB, até com os bolsonaristas do próprio PL e do Republicanos, passando, claro, pelo sempre vencedor Gilberto Kassab e o seu PSD. As negociações podem interferir no jogo de movimentações e especulações em torno dos futuros ocupantes dos ministérios.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Enxurrada de vídeos das manifestações golpistas mostra surrealismo brasileiro. De oração para pneu à marcha dos trapalhões, a Folha seleciona os momentos mais ridículos das manifestações bolsonaristas.
.O instrumento. Em matéria de agosto, a Piauí já revelava o aparelhamento e a fidelidade ideológica da PRF à família Bolsonaro.
.Quando os liberais se apaixonaram por Benito Mussolini. Na Jacobin, a pesquisadora italiana Clara Mattei explica como a austeridade é o primeiro passo para o fascismo.
. O fascismo cotidiano – e como vencê-lo. No Outras Palavras, o economista Ladislau Dowbor lembra que a superação do fascismo passa por enfrentar o capital financeiro.
.Os pobres de direita e o futuro da política. No podcast Escafandro, o cientista social Davi Carvalho mostra como a neurociência pode ajudar a explicar a adesão popular à direita.
.Uma eleição com significado histórico para o mundo. O historiador e pesquisador do Instituto Tricontinental Vijay Prashad escreve sobre o impacto global da vitória de Lula.
.Vizinho barulhento. No blog do Instituto Moreira Salles, José Geraldo Couto escreve sobre as qualidades políticas e estéticas do filme argentino sobre a transição da ditadura para a democracia.
Dias Gomes faz cem anos em Brasil que repete 'Roque Santeiro' e 'O Bem-Amado'. A Folha lembra o centenário do dramaturgo comunista e sua importância e atualidade para a cultura brasileira.
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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
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