sexta-feira, 17 de março de 2023

Brasil de Fato: Ponto News Letter.

 


Brasil de Fato

por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile

17 de março de 2023

O longo atalho para governar

Olá, mesmo com o estouro de mais uma crise financeira global, o governo enfrenta novamente resistências do mercado e do Congresso para avançar nas reformas.

.Telhado de vidro. Lula tem pressa para ver suas propostas saírem do papel. Mas é nas relações com o Congresso que começam as dificuldades. As vinte medidas provisórias já implementadas pelo governo ainda aguardam aprovação. O problema é que a comissão mista responsável pela análise das MPs foi provisoriamente extinta durante a pandemia e agora a disputa entre os presidentes da Câmara e do Senado sobre as comissões de aprovação das MPs retarda sua retomada. Esse é apenas um dos impasses que pairam sobre a relação entre o governo e o Legislativo. Outros problemas vêm da solução conservadora encontrada por Lula para governar: trocar cargos e recursos por apoio político. O ônus financeiro é que o Executivo precisa abrir mão de R$46 bilhões para saciar a fome do Congresso por emendas parlamentares, minguando assim seu próprio orçamento. O ônus moral é que permanece o mal-cheiro do orçamento secreto. E o ônus político é que a demanda do centrão por cargos é insaciável. Além de ter que blindar o ministro das Comunicações Juscelino Filho, Lula agora teve que ceder para o União Brasil as diretorias dos Correios, do FNDE e do Dnocs, e as presidências da Telebras e da Codevasf, enquanto o MDB ficou com a diretoria do Banco do Nordeste, uma vice-presidência da Caixa e quatro secretarias do Ministério das Cidades. E, mesmo assim, nada disso garante uma sólida base parlamentar. Além disso, apesar da oposição estar desorientada, ela não está morta. O PL ficou com a maior parte das comissões internas da Câmara e, mesmo que o PT tenha garantido a presidência da estratégica CCJ, metade das vagas desta Comissão ficarão nas mãos da oposição. Para completar o quadro, depois do naufrágio da CPI dos atos antidemocráticos, agora é a vez da bancada ruralista tentar emplacar uma CPI contra o MST, mirando também o PT e o governo. E, lembrando que além das pautas econômicas, em breve, passa pelo Senado a primeira indicação de Lula para o STF no novo mandato. Na chuva de especulações e lobbies, até o PT parece disposto a dificultar a vida de Lula diante da possibilidade de que o advogado Cristiano Zanin receba a indicação.

.Calabouço fiscal. Lula não é o único com pressa. Com o mercado financeiro deixando claro sua opção ideológica pelo bolsonarismo e sua contrariedade com a política econômica do governo, e com as quebras de bancos nos Estados Unidos e Europa anunciando uma nova crise financeira, Haddad só vê a pressão aumentar por todos os lados. E, mesmo com a queda do valor da cesta básica, o arroz e feijão estão sendo substituídos pelo salgadinho de rua no almoço nacional. Claro que a derrubada do teto de gastos já deu alguns resultados, permitindo o reajuste das bolsas de pesquisa no mês passado e, agora, do salário dos servidores públicos federais. Mas a lista de tarefas emergenciais do ministro começa justamente por anunciar o novo arcabouço fiscal, necessário para poder governar sem as amarras do teto de gastos. A proposta ainda precisa ser moderada o suficiente para agradar a Faria Lima e derreter a intransigência do Banco Central em relação à redução da taxa de juros. E o estabelecimento de um novo marco fiscal tem ainda dois riscos: criar uma regra que agrade ao mercado, mas não dê resultados; ou conseguir destravar a economia, mas às custas de uma guerra com a Faria Lima. Até agora, Haddad tem primado pela meticulosidade. Tem submetido a proposta aos pares da equipe econômica, Geraldo Alckmin e Simone Tebet, para não sofrer novamente com fogo amigo e garantido o sigilo para não gerar turbulências no mercado antes da hora. A proposta não deve ser anunciada antes da próxima reunião do Copom, o que também devolve a pressão para o Banco Central, já que o governo diminuiu as críticas, o cenário internacional facilita a redução dos juros e até a ultraliberal CNN já se convenceu que a política de Campos Neto é prejudicial para a economia

.Labirinto tributário. Se a definição do novo marco fiscal já está difícil, quem dirá a lendária reforma tributária. O problema é que modificar o retrógrado sistema brasileiro é como mexer num vespeiro de interesses onde é quase impossível atingir a neutralidade defendida pela equipe econômica. A princípio, o objetivo é simplificar o sistema de arrecadação, tendo como primeira etapa os tributos que incidem sobre o consumo. Porém, a bancada ruralista entendeu que pode ser penalizada e já dá sinais de que não pretende colaborar com o avanço da reforma. Já os prefeitos dizem temer a diminuição da arrecadação dos municípios. É por isso que a proposta de criar um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) único não avançou e agora o grupo de trabalho na Câmara propõe um modelo dual, separando a cota da União daquela destinada a estados e municípios. Ao mesmo tempo, de onde se esperava uma reação negativa, veio apoio: a proposta de regulamentar e criar um novo tributo sobre os sites de apostas nos jogos de futebol foi recebida positivamente pelo setor. Em tese, o novo sistema tributário reduziria também a possibilidade de fraudes e sonegação de impostos. Neste cenário, as dificuldades de alcançar maioria no Congresso preocupam a base aliada, que cobra do governo uma maior divulgação e convencimento da população sobre a importância do tema. O problema é que a estratégia do governo de avançar sobre as vias de menor resistência deixa para trás a principal questão de interesse público, que é reverter a crescente concentração de renda no país, onde a média de renda dos 1% mais ricos da população é 38 vezes maior do que a dos 50% mais pobres. Talvez possa-se esperar que este problema venha à tona na segunda etapa da reforma, que segundo Haddad tratará dos impostos que incidem sobre a folha de pagamentos, Imposto de Renda e taxações sobre lucros e dividendos.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.O colapso do banco do Vale do Silício mostra que nada mudou para os grandes bancos desde 2008. Na Jacobin, como o capital financeiro permaneceu livre, leve e solto depois da crise de 2008, e pronto para gerar novas crises.

.Os milhares de trabalhadores em países pobres que abastecem sistemas de inteligência artificial como o ChatGPT. Na BBC, como os avanços da Inteligência Artificial escondem o atraso do capitalismo na periferia do sistema.

.Por que a cadeia produtiva da cana-de-açúcar é a que mais escraviza pessoas no Brasil? 523 anos depois dos portugueses e a cana continua sendo de sinônimo de escravidão. No Brasil de Fato.

.Reformar ou revogar: o que fazer com o "Novo Ensino Médio"? . A Profª Drª Monica Ribeiro da Silva (UFPR) escreve sobre as alternativas à reforma do ensino médio no Brasil de Fato.

.As cotas mudaram a Escola Politécnica. No GGN, Luis Nassif dá seu depoimento sobre como as cotas transformam a educação e a sociedade brasileira.

.Por que feijão está sumindo do prato dos brasileiros. Na BBC, como as empresas transnacionais contribuíram para tirar da mesa o mais típico dos pratos brasileiros.

.Hollywood encontra seu vilão preferido: os super-ricos. Na Elle, a nova leva de filmes de Hollywood que nos lembram que os bilionários não servem para nada.

Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

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