quinta-feira, 7 de agosto de 2008

ARTIGO - As esfinges de abril.

Mauro Santayana

Quando Jesus nos disse que a cada dia basta o seu cuidado, quis nos poupar os cuidados do futuro, mas também recomendar que resolvêssemos os problemas em seu próprio dia. É da mesma razão o provérbio que aconselha não deixar para amanhã o que puder ser resolvido hoje.
O atual governo desta antiga República (desde que não sabemos que natureza de Estado temos, se é que ainda temos Estado) esmerou-se em jogar os problemas para a frente, na certa esperando que do céu caíssem os flocos de inteligência, como o maná caiu sobre os famintos no deserto. Quando se empurram os problemas para o futuro, o futuro se adianta. É por isso que este mês de abril, que costuma ser de suave e doce outono ao sul do Equador, já traz os cortantes ventos políticos de agosto.
O Presidente viaja, como é de seu hábito e prazer e, eventualmente, de seu dever. Depois de haver visitado o Presidente George Bush para um olhar nos olhos, Fernando Henrique vai a Quebec, participar da reunião da Alca. Ali, em um retorno à Idade Média, os vendedores de soberanias estarão protegidos da ira dos povos traídos, pela instalação de uma muralha de aço de oito metros de altura. Se nada ocorrer de mais sério em Quebec, já está ocorrendo o medo. E desta vez o medo não acomete os fracos, mas, sim, os que se pretendem fortes. O Presidente vai perceber, em Quebec, que nem mesmo as ruas do Exterior lhe são seguras.
No plano interno, continua a dúvida dos observadores. Não se sabe se o governo é inepto por ser trapalhão ou se é trapalhão por ser inepto. O Sr. Gilmar Mendes abriu novo conflito com o Supremo em hora inconveniente. A correspondência que enviou ao Ministro Carlos Mario Velloso (e que o presidente do STF não devolveu, como deve ter sido de seu primeiro impulso, em exercício de paciente astúcia) é tanto mais insolente, quanto mais grosseira em seu estilo. O Sr. Gilmar Mendes é tido como germanista, posto que andou estudando na Alemanha. É provável que haja assimilado o estilo duro e autoritário do idioma de Bismarck e Hitler, e não a leve e ritmada linguagem poética de Heine. Isso explica o tom imperial de seu texto, embora não explique as impropriedades no uso da nossa língua pátria, que merecem análise mais adequada de Dad Squarisi. A reação contra o insulto foi imediata. Mas as primeiras declarações de Gilmar Mendes, depois da gafe atrevida, dão a entender que ele está certo de que pode dar lições de conduta aos membros do mais alto tribunal do País. A correspondência é inconcebível e inaceitável tentativa de censura à liberdade de expressão, por parte de um funcionário de segundo escalão do Poder Executivo, contra o cimo do Poder Judiciário nacional. O Supremo, que já revelou seu mal-estar na palavra de um dos ministros, certamente não deixará sem resposta viril essa arrogante e grotesca manifestação de desrespeito.
O outro problema é o da Sudam. Desde que se iniciou esse governo, surgiram denúncias de corrupção na Sudam. A fim de garantir a base parlamentar, Fernando Henrique agiu como se a Amazônia se localizasse nos trópicos marcianos. Feudo do Sr. Jáder Barbalho - a quem ele devia a fatura da atuação contra a candidatura própria do PMDB, na constrangedora Convenção de 8 de março de 1998 -, a Sudam estava blindada pela proteção governamental contra qualquer ação saneadora, o que estimulou os fraudadores. Blindado também se encontrava o Ministério dos Transportes, com o DNER, as superavaliações, os precatórios inflados. No baronato em que se dividem os bens imperiais, a região é de outro credor de março, o Sr. Eliseu Padilha, que já chegou ao Parlamento trazendo do Rio Grande do Sul invejável curriculum, em que se relacionam, entre outras, as suspeitas de lesar o fisco. Da mesma maneira se encontravam blindados contra as investigações os processos de privatização, o sistema financeiro nacional, as falcatruas de banqueiros desonrados.
Não tendo agido no tempo certo, para conjurar as dificuldades políticas, posto que delas se esquivava, a fim de cumprir seus compromissos internacionais, o Presidente da República alimentou os monstros. Em lugar de uma só esfinge, como a que Édipo enfrentou no retorno a Tebas, há uma matilha delas na estreita passagem de seus últimos meses de governo. Tratado como poder secundário, o Supremo não deverá manter a mesma delicadeza que tem mantido em suas relações com o Poder Executivo, sob o pretexto da estabilidade governamental.
A escassez de energia, combinada com o aumento das tarifas e a ameaça de se privatizar Furnas é outro desafio político sério. Será difícil impedir, diante de tantas evidências e tantos erros, que se formem comissões parlamentares de inquérito, gerais ou singulares, a fim de examinar o comportamento ético do governo. Tudo isso seria grave em qualquer circunstância, mas a circunstância de agora é a sucessão. A luta pelo poder é um vale-tudo. Como dizem os mineiros, é tempo de vaca estranhar bezerro.
O enigma da Esfinge de Tebas, que Édipo decifrou, para poder matá-la, fala das três idades do homem: a infância, a idade adulta e a velhice. Ao obter a reeleição, exigida pelos estrategistas de Washington, o governo optou pelo envelhecimento acelerado e a melancólica descida do Olimpo, encarquilhado e caquético, amparado em cajado apodrecido, aos arrancos e tropeções.

Nenhum comentário: