sexta-feira, 15 de agosto de 2008

ENTREVISTA - José Dirceu.

José Dirceu no raio-X

(entrevista realizada pelo Jornal Entre Lagos.

O ex-Ministro e ex-deputado José Dirceu acha que a associação permanente e obsessiva de seu nome, pela mídia e pelos adversários, a tudo de bom e de mal que acontece no país - associam mais ao que há de ruim, segundo ele - é desumano e desolador, é cruel. Dirceu se diz perseguido pela imprensa, para ele parcial e tendenciosa e que atua como se fosse um circo diário, armado por aqueles que não se conformam em ver um Brasil tomando um outro rumo. O ex-Ministro, respondendo às perguntas de seis jornalistas e um empresário, colaboradores de Entre Lagos, mostrou-se confiante e seguro em provar sua inocência e se diz vítima de um processo político conduzido por uma oposição inconformada e medíocre.

Dirceu, 24 horas fazendo política, acha que o nome da Ministra Dilma Rousseff poderia ser uma boa opção para a sucessão do Presidente Lula, mas outros nomes do PT são lembrados por ele, como os dos Ministros Tarso Genro e Patrus Ananias, e ainda do Governador da Bahia, Jacques Wagner, e o do Senador Eduardo Suplicy, de SP. Defendendo a construção de um amplo leque de alianças, Dirceu lembra que, caso a opção seja fora do PT, o nome do Deputado Ciro Gomes (PSB-CE) seria bem recebido. O petista disse na entrevista que nomeou Denise de Abreu para dirigir a ANAC, quando estava na Casa Civil, pela sua competência e que o trabalho dela foi aprovado. Depois que deixou o Governo, em junho de 2005, teve pouco contato com ela e sabe de suas atividades apenas pela imprensa.

Com rasgados elogios ao Presidente Lula, críticas severas ao PSDB, defendendo a postura ética do seu partido, o PT, Dirceu não economiza palavras para fazer um desabafo sobre todo o processo do qual se diz vítima inocente. Apoia integralmente o projeto do biocombustível, afirma que a economia do País nunca esteve tão equilibrada e, mais uma vez, defende os gestos políticos de Hugo Chávez, Presidente da Venezuela e de Evo Morales, Presidente da Bolívia. Dirceu disse também que, como advogado, faz consultoria e assessora várias empresas no Brasil e no exterior, e com esse trabalho fatura o suficiente para manter a família, pagar os advogados que o defendem dos processos em que está envolvido e através de seu blog manifesta suas posições politicas, sempre em defesa do interesse da comunidade. Bem de saúde, disposto a continuar trabalhando e fazendo política o tempo todo, José Dirceu diz que a sua meta agora é provar ao País que perdeu seu mandato de Deputado porque foi perseguido politicamente e que contra ele a Justiça não vai encontrar nada, porque não cometeu crime algum, afirma.


[ Giuliana Morrone - TV Globo ] Pensando no futuro do Brasil, o senhor acha que a ministra Dilma Rousseff seria um bom nome para a Presidência da República?

[ Zé Dirceu ] A ministra Dilma Rousseff é uma excelente opção no PT. Mas o partido tem muitos outros quadros que têm sido citados, como os ministros do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e da Justiça, Tarso Genro, o senador Eduardo Suplicy (SP) e o governador da Bahia, Jacques Wagner, entre outros. Nós colocamos sempre que, em 2010, o governo e o presidente Lula terão candidato a presidente. Preferencialmente, e os primeiros debates vão girar em torno de um nome do próprio partido, mas o processo político é muito dinâmico e pode ser que a gente tenha que sair com um candidato da base aliada, de um partido da base de apoio e sustentação ao governo.

Nesse caso, um bom nome e sempre muito lembrado é o do deputado Ciro Gomes (PSB-CE). O importante é construir um amplo leque de alianças, e que o candidato, seja do PT ou da base aliada, se eleja com um programa que represente um compromisso de continuar o projeto de avanço político, econômico e social implementado nos 8 anos do presidente Lula. Por isso insisto, desde já – é uma das coisas pelas quais mais tenho batido – na necessidade de se começar a preparar um amplo leque de alianças. No caso do PT e de seu candidato próprio ou de um partido da base aliada, é fundamental ter o apoio do PMDB; e o candidato, o apoio do presidente Lula. A partir de agora, a partir deste 2008, destas eleições municipais que são a ante-sala de 2010. Costumo dizer que 2010 já está passando obrigatoriamente por 2008.

[ Giuliana Morrone ] O mundo vive uma crise ameaçadora, com inflação de preço de alimentos e a alta de preços do petróleo. O Brasil é um importante produtor de grãos e a Venezuela, um produtor de petróleo. Qual deve ser o papel da Venezuela e do Brasil diante da crise?

[ Zé Dirceu ] A alta dos preços dos alimentos e a crise dos preços do petróleo, em grade parte, fruto da especulação financeira, produzirão mudanças em todo o mundo. Isso, aliás, foi confirmado pela Cúpula de Segurança Alimentar promovida em Roma, pela FAO (órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimento), à qual esteve presente o presidente Lula. Nessa equação, o Brasil tem um papel de destaque porque possui capitais, tecnologia e serviços, não só na área do petróleo, mas também do etanol, do biocombustível. Nosso país está na vanguarda para a saída da crise e isto se sobressai a cada encontro, a cada cúpula promovida para tratar da questão. Além disso, o Brasil é o maior produtor de açúcar do mundo e será o maior de biocombustível. Tem petróleo – e esse ano, particularmente, tem sido pródigo na descoberta de novos poços na nossa bacia litorânea - gás e caminha para ser um grande produtor de alimentos, talvez o primeiro dentre os países do mundo no futuro. Temos, inclusive, a vantagem adicional de sermos um dos poucos países que produzem e têm indústria de equipamentos para a exploração, transporte e refino do petróleo e etanol. Temos papel de destaque agora e não podemos deixar o bonde passar. É a nossa vez.

A Venezuela, evidentemente, que nesse contexto, por ser uma grande detentora de petróleo – integra, inclusive a Organização dos Países Exportadores de Petróleo a OPEP, junto com os maiores produtores mundiais hoje, os países árabes – tem um papel de destaque a cumprir. Avançamos na produção do etanol, do biocombustível, mas ainda vai transcorrer um longo tempo antes que o mundo deixe de depender maciçamente do petróleo, como ocorre hoje. É nesse contexto que a Venezuela tem o seu futuro assegurado e um papel preponderante no contexto mundial ainda por anos e anos. Acredito que a agenda do Mercosul em relação à integração entre Venezuela e Brasil tem que ser retomada com urgência porque é estratégica especialmente no setor energético.

[ Denise Rothenburg - Correio Braziliense ] Caso aconteça a sua absolvição pela Câmara dos Deputados, o senhor pretende se candidatar a algum cargo político?

[ Zé Dirceu ] Denise, você me pergunta sobre um futuro muito distante. Primeiro, te asseguro que faço política o tempo todo, desde a juventude, nos tempos do movimento estudantil. Nunca parei. Na oposição, no governo, dentro ou fora dele, continua minha ação como cidadão político. Continuo um ativo militante do PT, engajado e participante. Tenho 40 anos de trajetória e não seria agora que eu a interromperia. E para fazer política não preciso de cargo nem de um mandato eletivo. Então, minha prioridade agora é acompanhar a tramitação do processo a que respondo no Supremo Tribunal Federal (STF). Faço-o com serenidade, confiante na decisão da Justiça. Depois do julgamento é que posso retomar o projeto de obter minha segunda anistia na vida ¬ a primeira foi em 1979 – de pleiteá-la mediante projeto a ser apresentado ao Congresso Nacional. Aí, anistiado é que vou decidir sobre o futuro, sobre uma eventual candidatura.

Como disse, não preciso de cargo para exercer minhas atividades político-partidárias, mas você não acha que mais natural no político é realmente ele disputar um cargo, submeter-se ao escrutínio popular, à avaliação e julgamento do seu eleitor? No mais, o que posso garantir é que, simultaneamente ao acompanhamento do processo e ao meu trabalho como advogado e consultor para sustentar minha família, continuo a fazer política nas 24h do dia - como afirmei, na condição de um simples militante petista.

[ Denise Rothenburg ] O seu nome é sempre ligado à senhora Denise Abreu, que teria sido indicada pelo senhor para a direção da ANAC. Agora, com as denúncias dela sobre a venda da Varilog, mais um vez seu nome volta à mídia, sempre com insinuações de sua influência em algum tipo de negociação. O que o senhor acha disso?

[ Zé Dirceu ] A associação contínua, permanente, obsessiva do meu nome, pela mídia e pelos meus adversários, a tudo o que de bom e de ruim acontece no país – associam-me mais ao que há de ruim, você acompanha... - evidentemente que eu acho péssimo. Manterem-me na berlinda dessa forma é cruel, desumano, às vezes desolador.

Invariavelmente, associam o meu nome a todo tipo de situação e notícia, numa perseguição clara, tanto da oposição quanto da mídia – se é que se deve fazer essa separação entre as duas no cenário atual do país. Mas, não sei se felizmente ou infelizmente, na maior parte do tempo eu já encaro isso com naturalidade. Temo, até que isso se torne mais obsessivo à medida que se aproximem as eleições municipais deste ano e as presidenciais de 2010. Em meu blog (www.zedirceu.com.br), denuncio, mostro, faço protesto contínuo, quase diariamente contra esse tipo de situação. Não me canso de falar de toda essa orquestração, do verdadeiro circo diário armado por aqueles que não se conformam em ver o Brasil tomando outro rumo – e muito melhor – pelas mãos do presidente Lula e do nosso partido, o PT.

A respeito da Denise Abreu, eu a nomeei pela Casa Civil por sua competência e exclusivamente para desenvolver o trabalho para o qual foi designada. Ao qual, diga-se de passagem, ela correspondeu. Depois que deixei o governo, em junho de 2005, tivemos pouquíssimos contatos, eminentemente sociais, duas ou três vezes no máximo. E, ao que me lembre, em nenhum destes falamos de política, de governo ou de trabalho. Como vocês, acompanho pela imprensa suas declarações e a movimentação que ela faz estes dias.

[ Cláudio Melo - Empresário ] Como o Programa de Parcerias Público-Privadas (PPS) pode ser percebido pela população brasileira, uma vez que o empresariado demonstra preocupação quanto aos reflexos de implantação do mesmo em médio e longo prazo?

[ Zé Dirceu ] Programas de PPPs, no geral, têm sido sempre muito bem recebidos pela população brasileira. Ela vê neles uma forma de equacionar os gargalos da nossa economia e infra-estrutura, de impulsionar os investimentos, de contornarmos os pontos críticos mais essenciais que travam o nosso desenvolvimento. Para ser bem claro, Cláudio, eu devo dizer que a população sempre viu com bons olhos e esperança as propostas e projetos de PPPs, mas um programa dessa natureza efetivamente só deslanchou – e de forma relativa – agora no governo Lula. Antes não passaram de propostas incipientes, não levadas adiante. No governo Lula, todo o roteiro, a legislação necessária para o desenvolvimento e a efetiva implementação de PPPs ficaram prontas. Mas eu tenho que reconhecer que elas ainda ocorrem em pequeno número. Talvez por uma questão de cultura, de acomodação. O empresário brasileiro – óbvio, há honrosas, excelentes e em bom número, exceções – tem um pouco a mentalidade de esperar que o Estado faça tudo. E faça sozinho. Essa é uma coisa meio patriarcal, ainda, entre nós. É uma pena, porque olhando de perto - a gente detém projetos prontos para parcerias público-privadas, concessões e investimentos ou projetos que teriam condições de assim serem desenvolvidos - vê-se que nunca houve tantas oportunidades, graças à estabilidade econômica.

Eu lembro sempre que a falta de obras estruturais representa atraso, menor competitividade, produtividade e péssimos serviços públicos. No caso das rodovias, um dos principais exemplos onde as PPPs têm obtido sucesso, as melhorias com obras têm contribuído muito para a redução de acidentes e mortes. Eu sei que uma das grandes, se não as maiores preocupações dos empresários, é com o risco de alta das taxas de juros, o baixo investimento público (porque sempre se está falando em corte de gastos) e a carga tributária. Mas agora, por exemplo, foram tomadas recentemente medidas de desoneração. É inegável a busca do governo por uma melhor, cada vez mais eficiente e racional administração dos recursos – que por mais que existam, sempre são pouco e insuficientes - para aumentar o investimento público. Acho que agora, resta torcermos para que o Banco Central atue com bom senso e pare, um dia, de aumentar os juros, a taxa Selic. No geral, os resultados têm sido positivos e acho que os empresários não devem se preocupar. O futuro é promissor.

[ Cláudio Melo ] Como o senhor analisa o crescente e constante aumento da carga tributária brasileira sobre a economia no Brasil? Não está sendo muito para os empresários suportarem este aumento e ainda assim encontrar meios/instrumentos para partilhar do desenvolvimento do país através de PPP'S, por exemplo?

[ Zé Dirceu ] Cláudio, há tempos defendo a reforma tributária, a unificação do ICMS, a criação do IVA federal, a desoneração da folha de pagamentos, além de uma reforma administrativa. Precisamos fazer isso e não simplesmente cortar gastos públicos. É preciso manter as negociações, debater a proposta de reforma tributária que está no Congresso Nacional e tirá-la do papel. Sua aprovação é, sem dúvida, o melhor caminho para reduzir a carga tributária e aumentar a eficácia do sistema. Outra reforma que preconizo, que sempre defendo, é a administrativa. Ela é necessária porque qualifica o serviço público com uma burocracia e eficiência profissional. A reforma tributária, caso seja aprovada, dará uma uniformidade à cobrança de impostos, unificará sua cobrança, aumentará os investimento e, o crescimento econômico, você verá, trará irremediavelmente uma redução ou um melhor disciplinamento na nossa carga de impostos.

[ José Fonseca - jornalista ] O senhor como estudante combateu a Ditadura, arriscando a vida. Depois ajudou a criar um partido que viria a mudar a face política do país e chegar ao poder. Foi deputado e ministro importante. Caiu em virtude de acusações sobre envolvimento direto com corrupção e irregularidades. Náo é doloroso para um idealista que sonhava e prometia contribuir para melhorar a sociedade brasileira? Como está suportando esta realidade?

[ Zé Dirceu ] Olha, a certeza que eu tenho da minha inocência, a convicção de que fui cassado por um processo político e não pelo que me acusam, a compreensão de que perdi o meu mandato de deputado e me impuseram a inelegibilidade pelo que eu represento, pelas minhas idéias, pelo medo de que elas viessem a ter supremacia no governo e no futuro do Brasil – tudo isso funciona como um certo alento. Ameniza a dor, o amargor de viver essa situação, o sentimento de injustiça do qual muitas vezes me sinto tomado. Também, tenho um certo conhecimento da História e sei de muitos e de quantos tombaram não pelos seus defeitos, mas pelas suas virtudes e qualidades. É meu caro José Fonseca, a História tem disso e, modestamente, tenho a convicção de que este é o meu caso.

Também acho que a realidade se torna mais suportável porque continuo sonhando. Não me abandonaram, jamais, em qualquer situação ou circunstância, os sonhos de contribuir, dar a minha modesta ajuda na busca por um país melhor, mais justo, soberano, um país no qual eu possa continuar ajudando a sociedade a avançar, a ter melhores dias. Apesar de 40 anos de vida pública sem nenhuma investigação ou processo contra mim - exceto aqueles da ditadura militar - do dia pra noite, virei chefe de quadrilha. Fui alvo de um processo inteiramente político, pela minha história na esquerda nacional, no PT, na chegada de Lula à presidência da República e pelo meu desempenho no cargo como ministro-chefe da Casa Civil. Eu fui cassado politicamente. Jamais tive o direito à presunção da inocência. Quando desencadearam o processo, meus adversários, a oposição e boa parte da mídia já haviam instaurado um tribunal de inquisição contra mim, já haviam me julgado, condenado e exposto à execração pública. Vou lutar até o fim da minha vida para provar minha inocência. Em meus 40 anos de estrada já passei por coisas muito piores do que isso.

[ Entre Lagos ] O senhor estava, tempos atrás, determinado a desencadear um processo pela sua anistia e a lutar pela recuperação do seu mandato parlamentar. Parece que essa idéia perdeu a intensidade, é verdade?

[ Zé Dirceu ] Como afirmei anteriormente, minha prioridade agora é acompanhar a tramitação do processo no STF. Estou confiante na decisão da Justiça. Depois, pensarei qual rumo darei à minha vida, mas é muito provável mesmo que busque e que lute, com a mesma coragem e disposição que me marcaram sempre, pela minha anistia.

[ Entre Lagos ] Mesmo fora do governo, sem mandato e ainda com problemas com a Justiça, o senhor continua ocupando um espaço representativo na mídia. O PT carece de políticos do seu porte ou ainda há em alguns setores políticos a esperança da sua volta?

[ Zé Dirceu ] A esperança está no PT, não em mim. Basta ver as conquistas do governo do presidente Lula, o crescimento econômico construído em bases sólidas, o desenvolvimento social e o potencial enorme do país, já agora e no futuro. Veja o caso da nossa produção de alimentos, dos combustíveis alternativos, do etanol. A nossa indústria, a tecnologia, infra-estrutura que melhora. A popularidade do presidente Lula, a maior já registrada por um presidente da República na história do Brasil, reflete a esperança da nação e o reconhecimento de que estamos no caminho certo. Portanto, a esperança existe – não em mim, mas nas mãos do meu partido, e nos rumos a que ele no governo leva o Brasil.

[ Entre Lagos ] O presidente Lula nunca esquece de citá-lo quando faz referência às pessoas que tiveram importância em seu passado político. Raramente o senhor cita o presidente. A amizade de antigamente foi afetada por algum motivo?

[ Zé Dirceu ] Raramente? Muito pelo contrário. No meu blog (www.zedirceu.com.br) , diariamente eu defendo o governo do presidente Lula. Evidentemente, também critico aquilo que me parece equivocado. Mas não há um dia sequer que não me posicione ao lado de seu governo, sem que vá à luta para defendê-lo. E o faço, até, porque me sinto obrigado a isso diante do que vejo a mídia fazer - a perversidade de grande parte da mídia é um fato incontestável que não posso deixar de denunciar diariamente, porque ela ocorre todos os dias. Os avanços da gestão do presidente Lula são incontestáveis. Não é a toa que 70% da sociedade brasileira apóia o presidente, e 57,5 o seu governo, segundo uma das mais recentes pesquisas CNT-Census. A mesma pesquisa revela, ainda, que 50,4% da população apoiaria um terceiro mandato e o elegeria em primeiro turno em 2010. Claro, há muito a ser feito, mas não podemos embarcar na oposição barata de alguns setores da grande mídia que atendem descaradamente aos interesses dos partidos conservadores, reacionários e irresponsavelmente recusam-se a fazer um balanço crítico justo da atuação do governo e da atuação de seu presidente.

[ Entre Lagos ] O governo e parte do PT continuam sinalizando que a ministra Dilma poderá mesmo ser candidata do presidente Lula à sua sucessão. O senhor acredita num possível sucesso eleitoral da ministra?

[ Zé Dirceu ] A ministra Dilma Roussef é um excelente nome. Ela tem todas as condições de obter sucesso nas urnas e se eleger presidenta em 2010, principalmente se contar – como conta – com o apoio do presidente Lula e de uma ampla coalizão de legendas aliadas, das que já se encontram na base e de outras que virão. Um dos termômetros da força e do potencial da ministra está na própria reação da oposição. Arrumam-lhe um caso, uma casca de banana por dia, um factóide por semana, na vã esperança de criar uma enorme crise que a desestabilize do governo, que a leve a ser defenestrada da administração do presidente Lula. Fazem de tudo para enfraquecê-la diante da opinião pública. A cada semana surge um novo ataque. Isso não está acontecendo por acaso. Daí, também, minha crítica constante à mídia (diária, eu diria, no meu blog) porque, além de difamar, deturpar, mentir e dissimular, ela embarcou nessa onda e perdeu o senso crítico. Já era assim, mas a obsessão em derrubar a ministra Dilma, enfraquecê-la, tornou a oposição um aglomerado sem causa, errático, perdido.

[ Entre Lagos ] Difícil é a semana que a mídia deixa de registrar uma nova investida sua como consultor, conselheiro e coisas do gênero, a serviço de alguma grande empresa. Afinal, quantas empresas, sem citar nomes, o senhor representa hoje?

[ Zé Dirceu ] Eu represento um número de empresas suficiente para, com o meu trabalho, aliados advocacia e consultoria, sustentar a minha família. A família, pagar os advogados que me defendem no processo no STF e manter a minha atividade política.

[ Entre Lagos ] Como petista, mesmo sem cargo político, como o senhor vê a dificuldade do seu partido em apoiar candidatos coligados como governo para as prefeituras municipais. O senhor acha que o PT deveria, por exemplo, apoiar o PMDB em cidades maiores?

[ Zé Dirceu ] Não tenho nenhum cargo de direção partidária, nem nacional, nem estadual, nem municipal. Portanto, eu não vejo dificuldade nenhuma, até porque defendo alianças, as mais amplas possíveis para as eleições municipais deste ano, e julgo-as imprescindíveis para as eleições presidenciais de 2010, para elegermos um presidente comprometido com o projeto de avanço e modernização do país desfechado pelo presidente Lula e pelo PT.

[ Greicy Pessoa - jornalista ] Após ser cassado, o senhor ficou um ano longe da política. O seu Blog foi uma forma de permanecer ativo no debate político brasileiro?

[ Zé Dirceu ] Sim, o Blog foi uma das formas que encontrei para conversar com todo o país. Escrevo diariamente, todas as manhãs. No início resisti à idéia porque não acreditava que seria capaz de me disciplinar o suficiente. Mas hoje, o Blog me ajuda a estar sempre informado e tornou-se um instrumento não só de defesa, mas de reflexão para mim e acredito, para muitos leitores.

[ Greicy Pessoa ] O PT sempre defendeu o princípio da moralidade. Como o senhor vê o partido depois de tantos escândalos públicos?

[ Zé Dirceu ] O PT não é um partido perfeito, mas não perdeu de forma alguma o princípio da moralidade. Quando alguma denúncia vem à tona, somos os primeiros interessados em esclarecer. Prova disso é que o partido e o governo vieram a público inúmeras vezes falar sobre casos como o dos cartões corporativos, VARIG e outros factóides criados pela oposição. O que acontece, na realidade, Greicy, é que a mídia fomenta demais tudo o que é relacionado ao PT, de uma forma que não faz, absolutamente, nem de longe, nem numa mínima proporção, se comparada a que faz conosco, com os outros partidos. Se a denúncia é contra o PT vira logo 1ª página. Qualquer mentira transforma-se em verdade e o pré-julgamento, o achincalhe contra o PT, a execração, são totais. Já quando se trata da oposição, dos tucanos e do ex-PFL, especialmente, o tratamento é outro. Tão diferente! Por que será, não? Vejam os vergonhosos escandalosos casos da Alstom, multinacional franco-suíça sob investigação na Europa, em seus países de origem, acusada de pagar propina, suborno a autoridades e políticos tucanos paulistas! Veja o caso escandaloso do desvio de R$ 44 milhões do DETRAN gaúcho, o escândalo que assusta e desestabiliza a administração tucana no Rio Grande do Sul!

Imprensa demora a entrar nesses casos, quando o faz é com má vontade, inconstância, negligência, escondendo... Nunca põe o dedo na ferida. O escândalo no PSDB gaúcho tem destaque agora, mas mereceu não mais do que algumas notas que os jornais publicaram semanas atrás e só – não mais do que notas. Então, há uma clara perseguição ao PT, ao governo por ser de esquerda. A mídia tem dois pesos e duas medidas na avaliação do que vem do PT e do que vem da oposição. Só não vê quem não quer.

[ Greicy Pessoa ] O pior período da sua vida foi a Ditadura?

[ Zé Dirceu ] Um dos piores. Acho que sim, o pior. Passei por muitas agruras, dificuldades – fui perseguido na minha atividade de militante estudantil, preso, banido, exilado, clandestino. Foi uma boa parte dos meus 40 anos de vida pública. Naquele tempo nós lutávamos com a própria vida. Não havia liberdade, a censura permeava todos os setores, estávamos acuados, apartados das nossas relações pessoais. Por ser líder estudantil na chegada do auge da ditadura militar, a longa noite do AI-5, fui preso diversas vezes. Banido do país, retornei depois de um tempo para viver na clandestinidade. Prefiro não falar em pior momento, mas qualquer, ou quaisquer que tenham sido eles, sempre mantive o espírito aguerrido, a disposição de luta. Acreditei e me bati pelo direito, pela liberdade, pela democracia e pela Justiça. Nesses aspectos, sinto-me um vitorioso. Foi a minha geração que enfrentou a repressão maior. Nesta batalha, muitos companheiros perderam a vida. Os sobreviventes, como eu, nunca perderam a esperança. O tempo da ditadura militar, o golpe, o endurecimento do regime, foram momentos terríveis de nossas vidas, dos que lutávamos, dos que resistíamos, um período escuro, sombrio, sem dúvida. Mas muita coragem, de todos, a luta da sociedade, da nossa gente, permitiu a maior conquista, o bem maior, a democracia.

[ Virna Smith - jornalista ] A discussão sobre influência dos biocombustíveis na crise mundial da alta nos preços dos alimentos é o tema principal na agenda internacional das últimas semanas. O presidente Lula defende claramente a posição do Brasil e as variantes necessárias para o crescimento econômico-financeiro do país, com o desenvolvimento do biocombustível. Com o governo brasileiro decidido a levar este projeto adiante, na sua opinião, quais poderão ser as consequências?

[ Zé Dirceu ] Virna, as melhores possíveis. Esse é um dos, se não o mais importante, projeto que tocamos para nos trazer o desenvolvimento econômico, o crescimento. O Brasil tem capacidade para produzir etanol e biocombustíveis tranqüilamente respeitando o meio ambiente e ainda preservando áreas para agricultura voltada à produção de alimentos. É verdade, pura verdade, o que ouvíamos no passado, não muito distante, de que o Brasil tem tudo para ser o celeiro do mundo. Temos mesmo potencial para isso. Veja, nessa questão do etanol, nos Estados Unidos a questão é diferente. Lá o etanol é produzido a partir do milho cujo plantio concorre com a produção alimentar. Então o Brasil precisa ser estudado e visto como o grande diante dessa crise mundial de alimentos e da alta do petróleo. Basta não perdermos a oportunidade, e num futuro muito próximo seremos protagonistas do principal papel a ser cumprido pela agricultura, seja a voltada produção de alimentos, seja à fontes energéticas alternativas.

[ Virna Smith ] Podemos afirmar que as críticas feitas ao Brasil em relação à energia, alimentos e, ainda, por questões ambientais visam a imposição de limitações ao crescimento do Brasil, levando em conta que cada vez mais, o país se impõe como importante "player" no cenário internacional? Ou dizer isso seria apenas delírio tupiniquim?

[ Zé Dirceu ] Você tem razão, acho que o objetivo das críticas é mesmo este. Tolher-nos na nossa capacidade produtiva e de geração de alimentos e combustíveis alternativos. As críticas se devem ao fato de que o Brasil tem posição de destaque – está aqui o futuro da agricultura, da produção de alimentos, do etanol e dos biocombustíveis. Temos posição privilegiadíssima e, internacionalmente, incomodamos muito. Enquanto temos um potencial enorme de crescimento nestes setores, outros países simplesmente estão no desespero, procurando saídas para a falta de petróleo, de áreas para o cultivo de alimentos. Há realmente, como se diz na linguagem popular, “dor de cotovelo” e, claro, todo um xadrez da economia e política internacionais.

Mas passa mesmo por ai todo esse alarde que fazem contra nós, por exemplo, em relação ás questões ambientais. Que, aliás, tem merecido atenção adequada do governo até agora, com políticas que unem proteção e desenvolvimento efetivamente sustentável. É claro que há muito para se fazer e, internamente, esbarramos nas antiqüíssimas oligarquias, mas acredito que estamos no rumo certo.

[ Carlos Monforte - jornalista ] O senhor tem saudade do govenro onde trabalhou? Até que ponto a sua opinião ainda é aceita dentro do PT?

[ Zé Dirceu ] Milito como político 24 horas por dia dentro do PT e, por isso, não dá para sentir saudades. É óbvio que a situação agora é diferente, mas continuo na luta. Mantenho contato permanente com diversas pessoas do partido, viajo, participo de eventos, dou palestras e dialogo com companheiros em todo o Brasil. Tenho um blog no qual escrevo diariamente tudo o que penso e sinto. Não há motivo para que as opiniões não sejam aceitas até porque o diálogo é um das características do partido. Modestamente, a verdade, Monforte, é que muitos querem me ouvir, dentro e fora do PT. Todos sabem que minha cassação foi política pelo que represento na esquerda nacional, pelo meu papel na eleição de Lula e também à frente da Casa Civil da Presidência da República. Tenho 40 anos de militância e isso não se joga fora, sobretudo por conta de jogo e dos embates políticos.

[ André Gustavo ] Na década de 60, o mundo estava dividido pela Guerra Fria. Hoje, o colosso soviético não existe mais e o império anglo-saxônico já não possui o mesmo poderio econômico de outros tempos, o desenvolvimento floresce nos países do Pacífico. Qual seria a mensagem política de um líder estudantil, do seu feitio, nos dias que correm?

[ Zé Dirceu ] As transformações políticas, econômicas e sociais que vemos hoje, André, têm tudo a ver com as bandeiras fundamentais do movimento estudantil. O fim dessas divisões ortodoxas, de blocos que pareciam inquebráveis, faz parte de um processo, não é algo que começou outro dia.

[ André Gustavo ] Quando começou?

[ Zé Dirceu ] Faz parte do processo histórico que envolve a busca por transformações na sociedade. Para citar um exemplo vou falar sobre 1968, tão lembrado e debatido agora. Se você observar os últimos 40 anos, vai perceber como o mundo se transformou muito. Isso foi possível graças às reivindicações plantadas lá atrás pela luta do movimento estudantil unida ao movimento operário, de intelectuais e que foi conquistando outros segmentos da sociedade em vários países. Hoje, o desenvolvimento floresce não só nos países do Pacífico, mas na Ásia e na própria América Latina. As economias que vemos em desenvolvimento, na atualidade, eram apenas um sonho no passado. É óbvio que não está tudo maravilhoso no mundo. Há diversos obstáculos para o desenvolvimento como a ausência da democracia, guerras, escassez de alimentos e outros problemas ao nosso redor que dão a seguinte mensagem: muita coisa ainda precisa ser feita. A busca por transformações, com a redução das desigualdades sociais, é contínua.

[ André Gustavo ] O nacionalismo ocasionou várias guerras na Europa e deu origem ao facismo e ao nazismo. Na América do Sul atual, Chávez, Evo Morales e Rafael Correa utilizam retórica nacionalista semelhante à daqueles tempos. Os sul-americanos estão condenados a só olhar para trás?

[ Zé Dirceu ] André, estes governantes não podem ser comparados, nem de longe, a qualquer nazista ou facista europeu de outros tempos. Infelizmente, é uma idéia propagada à sociedade brasileira pelas velhas oligarquias que ainda hoje atrasam o Brasil e com apoio de parte da mídia. Eles podem olhar para trás, mas para dizer não ao passado latino-americano cheio de ditaduras, profundas desigualdades sociais e péssimas condições de vida. É bom lembrarmos que a direita foi responsável pelos golpes e o fim da democracia no Chile, Argentina, Uruguai e o próprio Brasil. Hoje, porém, tanto Hugo Chávez, na Venezuela, quanto Rafael Correa, no Equador, além de outros chefes de Estado da América Latina como Michele Bachellet, no Chile, e Evo Morales, na Bolívia, foram eleitos democraticamente. Cada tem seu estilo de governar e figuras com a personalidade de Chavez, que tomam medidas como as dele ou as do Morales acabam gerando controvérsias, críticas, distorções. O tom geral da mídia quando se refere à Venezuela e à Bolívia é todo orquestrado. Desconsideram o papel de Chávez nas negociações de paz com as FARC e não divulgam que tudo o que Morales faz é através do processo democrático, do voto, dos referendos. Se existem aqueles que olham para trás, não são esses governantes. É a própria mídia, que é parcial, e aqueles que ela representa – representa seus interesses comerciais, políticos e econômicos.
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