Querem transformar a Petrobrás numa mera `prestadora de serviços` para eles.
A `Folha de S. Paulo`, no domingo (10/08), saiu com a manchete: `Petrobrás não terá monopólio de campo`. Naturalmente, isso é mais um anúncio de lobista do que uma manchete.
O `campo` referido é a área do pré-sal, um gigantesco lago de petróleo descoberto pela Petrobrás, talvez a maior descoberta petrolífera da História. Depois de garantir que a Petrobrás não extrairá petróleo do pré-sal sozinha – ou seja, que o pré-sal vai ser aberto às multinacionais – o próprio texto da primeira página da `Folha` desmente o título: `Embora o governo Lula ainda não tenha posição final sobre as regras para explorar os novos megacampos de petróleo na costa...`. Se o governo não tem ainda posição final sobre o assunto, como é que `já decidiu que não deve entregar à Petrobrás todas as áreas da camada do pré-sal que ainda serão leiloadas`? Pois quem garante que haverá leilões no pré-sal? Exatamente isso é o que está sendo decidido – e por isso os leilões estão suspensos.
EMPRESA
Nas duas páginas que tentam sustentar a manchete, é dito que o governo teria chegado à essa conclusão porque `1) A Petrobrás é uma empresa mista, com participação de capital privado; e 2) a estatal se transformaria numa empresa gigantesca, com poderes demais, podendo representar riscos no futuro, como já ocorreu na Venezuela, onde diretores da estatal PDVSA participaram de articulações golpistas. `Hoje, a Petrobras já é um outro país. Felizmente, um país amigo`, afirma um ministro ao falar sobre as restrições do governo em tornar a estatal poderosa demais, `maior do que o próprio Estado brasileiro``.
A Petrobrás sempre foi uma `empresa mista` desde a sua fundação. O que não a impediu de ser a executora do monopólio estatal do petróleo por 40 anos. Mas, detenhamo-nos, antes, na segunda questão.
Segundo o parecer que a `Folha` atribui ao governo, o fortalecimento da Petrobrás colocaria em risco o Estado brasileiro. Portanto, leiloar o petróleo do pré-sal para a Exxon, a Shell, a BP ou a Chevron seria, provavelmente, uma segurança para o nosso Estado nacional; deixar o pré-sal ser sugado pelas multinacionais do cartel petrolífero, supõe-se, é a melhor forma de promover os interesses nacionais e a nossa soberania. A Petrobrás, cuja diretoria é escolhida pelo governo, se fortalecida, seria um Estado paralelo - mas as companhias estrangeiras, não.
Pode ser que alguns redatores da `Folha` tenham essa opinião de jerico. Mas é o samba do lobista doido atribuir ao governo a idéia (?) de que uma estatal forte é um risco para o Estado - e que o melhor para o Estado nacional é entregar o pré-sal, ou parte dele, a empresas estrangeiras. Como se ninguém tivesse ouvido falar no golpe contra Mossadegh, no Irã, em 1953, e outros lugares onde hoje as petroleiras zelam muito pelo Estado nacional: Iraque; Darfur; Chechenia; e, inclusive, Afeganistão e Geórgia.
O problema da PDVSA na Venezuela foi, precisamente, o de que sua cúpula era um laranjal das companhias norte-americanas. Por isso ela necessitou, na prática, ser reestatizada pelo presidente Chávez – simplesmente, banindo da empresa os petro-laranjas.
É verdade que Fernando Henrique entregou parte do capital da empresa a particulares, sobretudo estrangeiros. Mas a maioria do capital votante – as `ações ordinárias` - está em mãos da União. E nada impede que o governo amplie a sua participação, principalmente depois da descoberta do pré-sal.
Porém, como ressaltou Fernando Siqueira, da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), mesmo na situação atual seria simples garantir a propriedade efetiva da União sobre o petróleo. Bastaria elevar para a média praticada em todo o mundo (84%) a participação que cabe a ela (hoje essa participação vai de zero a 40% e só a Petrobrás paga): `suponhamos que a Petrobrás seja a encarregada da exploração do pré-sal: 16% (100 menos 84%) da produção caberiam a ela. Mesmo tendo 40% das ações no exterior, isto representaria só 6,4% (40% de 16%), mas a União ficaria com 90,4% da produção (84 + 6,4%), pois ela ainda detém 40% das ações da Petrobrás` (v. nossa edição de 11/07/2008).
Portanto, não procedem as duas supostas razões para restringir a atuação da Petrobrás no pré-sal. Também não procede a suposta necessidade de fundar outra estatal para administrar o pré-sal, transformando a Petrobrás em `apenas uma prestadora de serviços`. Para quê? Para esvaziar o papel público da nossa maior empresa, daquela que conhece mais sobre petróleo do que qualquer outra? Para tratar a Petrobrás como outra empresa qualquer, ou seja, como se fosse uma empresa privada, isolada em meio a um mercado monopolizado até a tampa? A quem aproveitaria isto, senão às multinacionais e àqueles que sempre quiseram privatizar a Petrobrás?
No entanto, o lobismo fica mais claro ainda em duas matérias coadjuvantes na mesma edição da `Folha`. Numa delas um `consultor` diz que a definição da nova lei do petróleo, prevista para o fim do ano, `pode atrasar investimentos na área de petróleo no Brasil`. Para não atrasar esses `investimentos`, o melhor é continuar com uma lei inconstitucional e entreguista, que em seu artigo 26 determina que a propriedade do petróleo extraído é de quem o extrair – logo, apenas a propriedade da reserva (ou seja, do petróleo que não foi extraído) é do país. Extraído, passa a ser da empresa que o extraiu, ainda que seja num mar de petróleo com risco zero de não achá-lo. O consultor esclarece de que `investimentos` está falando: `futuras concessões`, ou seja, a nova lei poderia atrapalhar o açambarcamento do pré-sal por empresas estrangeiras.
A outra matéria diz que o modelo de `prestação de serviços`, pelo qual o governo contrataria empresas para extrair o petróleo, mas este pertenceria, depois de extraído, ao país, `é o que menos gera novas tecnologias, porque as empresas contratadas não são donas nem sócias do negócio`.
MODELO
O que tem uma coisa com a outra, a `Folha` não esclarece – provavelmente porque o cinismo não pode esclarecer que é cinismo. Há 11 anos essas empresas são `donas ou sócias do negócio`, sob a lei atual, com o modelo de concessões - onde o petróleo extraído é das companhias que arrematam em leilão os lotes a explorar. E, nenhuma delas, exceto a Petrobrás, gerou alguma `nova tecnologia`.
Sobre outro modelo, o de `partilha da produção`, pelo qual `a petrolífera ganha o direito de explorar uma área e fica com parte da produção, mas a maior parcela vai para o Estado` é dito que `fora a Petrobrás, as demais empresas que atuam no Brasil preferem a manutenção da regra de concessões`. Realmente. Foram elas que fizeram a lei atual – o modelo atual é o modelo delas, de acordo com seus interesses, com os interesses de seus proprietários externos, e não de acordo com os interesses do país. Por isso, é natural que a Petrobrás, que, apesar dos atentados contra ela, tem como donos o Estado nacional e o povo brasileiro, prefira outro modelo.
Carlos Lopes (médico e jornalista).
Fonte: AEPET
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