terça-feira, 23 de junho de 2009

FURO DA FOLHA- Simonal era dedo-duro,sim.

Copiado do blog Entrelinhas.

O que vai abaixo é uma boa contribuição do repórter Mário Magalhães, da Folha de S. Paulo, sobre o "Caso Simonal". Há um filme em cartaz sobre a história do cantor e muita gente saiu por aí reclamando da injustiça das esquerdas com o já falecido artista. Bem, parece que a coisa não foi bem assim, conforme revela o furo da Folha.

Simonal 3.540/72

PROCESSO A QUE A FOLHA TEVE ACESSO EXPLICITA COLABORAÇÃO ENTRE CANTOR E O DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL; EM VIDA, ARTISTA DESMENTIA VÍNCULO COM ÓRGÃOS DE SEGURANÇA

MÁRIO MAGALHÃES, DA SUCURSAL DO RIO

Wilson Simonal de Castro, um dos mais talentosos cantores do Brasil em todos os tempos, declarou formalmente em 1971 que era informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), a polícia política do antigo Estado da Guanabara.
Seu depoimento na polícia foi avalizado reiteradamente em processo judicial por seu advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho.
A declaração de Simonal e a confirmação de Evaristo nunca foram divulgadas -conhecem-se apenas as manifestações de proximidade do artista com o Dops, mas em público ele negava ter sido informante.
A Folha teve acesso ao processo 3.540/72, do qual consta o depoimento em que Simonal reconhece seus serviços.
Ele foi processado sob acusação de ser o mentor de uma sessão de tortura -em dependências do Dops- para obter confissão de desfalque de Raphael Viviani, ex-funcionário de sua firma.
Relatório confidencial do Dops, anexado aos autos e ainda hoje inédito, explicitou a ligação -reafirmada por um agente do órgão, Mário Borges, em interrogatório na Justiça.
Testemunha de defesa do artista, o tenente-coronel do Exército Expedito de Souza Pereira descreveu-o como "colaborador das Forças Armadas". Foi Simonal (1938-2000) quem se disse "colaborador dos órgãos de informação", sublinharam Viviani e seu advogado, Jorge Alberto Romeiro Jr.
O Ministério Público, representado pelo atual deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), apontou o intérprete como "colaborador das Forças Armadas e informante do Dops". Sentença proferida pelo juiz João de Deus Lacerda Menna Barreto concordou.
Acórdão (decisão de corte superior) do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), assinado em 1976 pelos desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, referendou: Simonal era "colaborador das autoridades na repressão à subversão". Foi a palavra final da Justiça.
Todos esses documentos integram o processo 3.540, instaurado em 1972 na 23ª Vara Criminal, concluído em 1976 e em cujas 655 folhas jamais houve divergência: dos amigos mais fiéis ao antagonista mais ressentido, todos estiveram de acordo que Simonal -e ele assentia- era informante do Dops.
Em abril, a Folha pediu ao TJ para ler os papéis. Localizados em junho, eles foram consultados pelo jornal na íntegra. A história que eles descortinam vai na contramão de versões que rejeitam a relação do cantor com o aparato de segurança da ditadura militar (1964-85).
Entrevistas com sobreviventes da época e pesquisa em periódicos jogam luz no episódio.
Em 2000, a Folha publicou reportagem com base na sentença de 11 páginas, encontrada no Arquivo Público do Estado do RJ, que guarda o acervo do Dops.
Contudo, não achou cópia do conjunto do processo nem do informe interno acerca de Simonal, da declaração em que ele se afirmou colaborador ou de lista de eventuais pessoas delatadas por ele.
Desde a década de 1930 havia informantes da polícia política nos meios culturais do Rio. Eles não costumavam ser identificados nominalmente em relatórios, como se constata no Arquivo do RJ.

Tortura
A controvérsia sobre as conexões do cantor ressurgiu com vigor devido ao documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei", de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.
O filme narra da ascensão ao estrelato à morte no ostracismo, determinada pela imagem de "dedo-duro" -função que no fim da vida Simonal contestava ter desempenhado. Ele se dizia alvo de mentira inventada por inimigos, de racismo e de perseguição da esquerda.
O cantor não foi julgado pela colaboração com a ditadura, mas por ter levado Viviani para a sede do Dops, na rua da Relação, região central do Rio.
Simonal foi ao departamento e emprestou seu carro aos policiais, que buscaram Viviani em casa quase à meia-noite de 24 de agosto de 1971, passaram pelo escritório do artista e terminaram na rua da Relação.
Lá torturaram Viviani com choques elétricos, socos e pontapés até ele assumir por escrito o desvio.
Simonal estava no Dops, para onde ajudou a transportar -desde seu escritório, em Copacabana- o ex-chefe de escritório da Simonal Comunicações Artísticas.
Ele não participou da tortura nem a testemunhou.
Um inquérito foi instaurado na 13ª DP porque a mulher do funcionário registrou o desaparecimento.
Foram condenados o cantor, um policial do Dops, Hugo Corrêa de Mattos, e um colaborador do órgão, Sérgio de Andrada Guedes. Em 1974, por crime de extorsão, a pena de cinco anos e quatro meses de reclusão. Em 1976, depois da desclassificação do crime para constrangimento ilegal, a três meses. Simonal passou nove dias detido. Os três negaram as acusações.

"Subversivos"
Relatos jornalísticos recentes sustentam que foi o inspetor Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops e notório torturador de presos políticos, a fonte original da classificação de Simonal como informante.
Na 23ª Vara, Borges disse que o cantor "era informante do Dops e diversas vezes forneceu indicações positivas sobre atividades de elementos subversivos".
Não citou a identidade dos "elementos". O interrogatório do policial ocorreu em 16 de novembro de 1972.
Acontece que, 450 dias antes, Simonal já prestara declarações no Dops que foram anexadas ao processo e não chegaram ao noticiário.
Às 15h de 24 de agosto de 1971, perto de nove horas antes da diligência contra Viviani, Simonal afirmou ter ido à rua da Relação "visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico". Também não nomeou os "movimentos".
Ou seja, o primeiro a sustentar que Simonal era informante foi ele mesmo, e antes da ação da polícia. Na ocasião, o cantor lembrou que no golpe de Estado de 1964 esteve no Dops "oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de Vasconcellos" -outro denunciado por sevícias contra opositores.
Simonal assinalou que se aproximou ainda mais do Dops quando pediu e obteve proteção contra uma ameaça de explosão de bombas em um show.
Em 1971, ele se queixou de um "grupo subversivo" que prometia sequestrá-lo se não "arrumasse" dinheiro.
A voz anônima parecia, ele disse, a de Viviani.
Na 13ª DP, o cantor depôs em 28 de agosto. Apresentou-se como "homem de direita" e relembrou ter dito no Dops (no dia 24) que conhecia, "como da área subversiva", "uma irmã do senhor Carlito Maia" -era a produtora cultural Dulce Maia, ex-presa política e àquela altura exilada.
Esse depoimento vazou à imprensa, mas nele Wilson Simonal calou, nem lhe perguntaram, sobre a atuação como informante.

Um comentário:

Meire disse...

Furo da Folha???

Caro Sr. Carlos Augusto, não sei se o senhor está sabendo, mas, não houve furo. Desde a morte de Simonal, a mesma reportagem vem sendo insistentemente reeditada – foi veiculada originalmente em 26/6/2000, dia seguinte à morte do cantor.

Mário Magalhães NÃO APRESENTOU dados novos como tentou aparentar. Os tais documentos, que ele tanto afirma ter descoberto, há muito tempo são de conhecimento público: já foram vistos, revistos, estudados e analisados por pessoas da mais alta competência e, inclusive, foram objeto de estudo em dissertações e teses de mestrado. E, vale ressaltar, as conclusões destes estudos DIVERGEM EM MUITO das opiniões apresentadas pelo articulista.

Requentar matérias com tom tendencioso não é fazer jornalismo. Novamente, Mário Magalhães apenas fragmentou as informações e "definiu" uma prova para que prevalecesse a sua opinião. Tomou por base declarações que, por inúmeras razões, derivam de fontes duvidosas e até mesmo de interesses pessoais, e que não provam absolutamente nada.

O processo em questão, movido pelo governo brasileiro no auge da ditadura, é desqualificado por diversos juristas, assim como as circunstâncias em que os depoimentos foram dados. Além disso, é no mínimo curioso que um colaborador tão "importante" da ditadura tenha sofrido todo esse revés público – sendo processado e condenado. E quanto ao juiz do caso, quem era? Qual a sua trajetória no contexto histórico? Ou, como explicar que a ditadura também prendeu e torturou Erlon Chaves, que além de maestro de Simonal, era seu amigo pessoal? E quanto às falhas no processo? E os depoimentos que ESTRANHAMENTE não constaram na sentença final? Mário Magalhães realmente investigou todas essas questões? Por que Mario Magalhães não entrevistou o Jornalista Ricardo Alexandre, ou o historiador Gustavo Alonso, que tanto pesquisaram o assunto e preparam livros sobre Simonal? E a pergunta chave: quem Simonal delatou? Mário Magalhães tentou encontrar essa resposta?

Não cabe a mim apurar essas e outras questões, mas é desonesto com o leitor querer ter a palavra final sem levar em conta todas as considerações possíveis. Há muito mais a se analisar neste caso e não cabe reduzi-lo à sentença judicial em questão. Historiadores não se baseiam apenas em documentos, estudam também a dinâmica, a estrutura, a conjuntura, as leis e as condições da realidade histórica.

Lamento que certos jornalistas, cuja ferramenta de trabalho é a palavra (que tem poderes de construir e destruir) não se dêem ao trabalho de averiguar os fatos. Jornalismo se faz com responsabilidade e isenção: desqualificar o filme sobre o cantor, os documentos existentes, os estudos já realizados e os depoimentos que inocentam Wilson Simonal é tentar “vender” ao leitor uma verdade absoluta construída com base em suposições.

Conheço os filhos de Simonal, sei de seus valores e de sua integridade, e cada vez que um ataque desses é feito só faz aumentar a minha admiração pelo homem e pelo artista que foi Wilson Simonal. A perseguição e toda a crueldade que Simonal e família sofreram certamente foram imensas, e no entanto, os seus filhos jamais fizeram dessa dor uma bandeira.

Sinceramente, não sei qual é o real interesse do senhor Mário Magalhães. Se a intenção era o esclarecimento dos fatos, novamente ele falhou. Lamentável.